Sábado, 21 de março de 2020, 10h30 da manhã. Primeiro dia de primavera no hemisfério norte, e eu aqui, em Copenhague, contemplando este dia tão lindo e ensolarado da sacada do meu apartamento. No fundo, o rádio toca Here comes the sun, dos Beatles.
Seria um dia absolutamente normal de fim de semana, não fosse o fato de que um inimigo invisível está à espreita, obrigando-nos a estar confinados em casa, ou permitindo-nos sair somente em caso de extrema necessidade, e desde que mantenhamos uma distância segura de dois metros de outras pessoas, evitando tocar coisas e desinfetando-nos sempre que possível. Chega a parecer uma dessas sociedades distópicas, que vemos em filmes, em que há uma pseudo-harmonia, mas sob vigilância constante. Será que a chegada das estações mais quentes vai finalmente amenizar esta crise?
Leio as notícias mais recentes no website de um jornal dinamarquês – números atualizados de infectados, hospitalizados, em tratamento intensivo e mortos, estatísticas mundiais, declarações de políticos, planos de resgate para empresas falidas, instruções de higiene, análises de impacto econômico, depoimentos de profissionais de saúde, de pacientes, de gente que perdeu o emprego, que perdeu alguém da família, que está preso em um navio de cruzeiro sem poder voltar para casa. Dicas de como mudar hábitos, de como se manter em forma sem sair de casa, de bons filmes para assistir, conselhos de psicólogos de como explicar a pandemia para crianças. Notícias otimistas, notícias pessimistas…
Nos meios sociais, muitos memes para aliviar a tensão, mas também posts sérios, educativos, outros apocalípticos, assustadores, vídeos de pessoas contando suas experiências em países mais afetados, mensagens de esperança e de medo. Propagandas de novos produtos e serviços que solucionam problemas da era pandêmica. Conselhos caseiros de como se proteger e de como melhorar o sistema imunológico, teorias da conspiração, críticas a governos por não decretar medidas mais drásticas, ou por exagerar nas medidas, ridicularização de políticos, crises diplomáticas…
Todos querem expor suas verdades, suas teorias, suas sabedorias, suas mentiras, suas soluções, suas sátiras, seus comentários pertinentes ou idiotas, seus conselhos, os quais nos chegam pelos mais variados canais de comunicação, queiramos ou não, e que nos esclarecem, nos assustam, nos deprimem, nos influenciam, nos fazem pensar, reagir, analisar, opinar, rir, chorar…
Às vezes soa patético e ao mesmo tempo tudo parece muito estranho e é muito difícil saber como navegar nesse oceano de informações e desinformações, que ao mesmo tempo ajuda e prejudica nossa capacidade de dimensionar a realidade e pôr as coisas em perspectiva. Quem será o verdadeiro inimigo invisível?
Há breves momentos em que me desconecto e me esqueço desse inimigo, seja lá o quê ou quem for. Aqui dentro de casa, tudo segue normal. O sol continua a brilhar no lado de fora, ele me dá mais energia. Uma brisa leve bate no meu rosto e leva meus pensamentos para longe. Na verdade, não quero pensar em nada, não quero saber mais nada sobre este assunto, não quero tentar prever quanto tempo isto ainda vai durar, ou angustiar-me com o que ainda está por vir, não quero saber quem tem razão, só quero viver o agora. A primavera chegou, e neste exato momento, tudo está bem no meu mundo…
Meu marido vem ao meu encontro e me dá um abraço. No mesmo instante, meu telefone me avisa que uma nova mensagem de texto acaba de entrar. Não quero, mas não consigo deixar de abrir a mensagem: é a Polícia dinamarquesa nos lembrando: “O coronavírus está se espalhando na Dinamarca neste momento. Mantenha distância e mostre consideração – mesmo quando o sol brilha. Caso contrário não vamos conseguir diminuir a propagação da doença. Aproveite seu fim de semana!”