Gabriel tem 7 anos e pediu para falar comigo por chamada de vídeo.
O pai dele, Miro, enviou uma mensagem pedindo permissão e eu aceitei, claro.
O Gabriel foi meu paciente há alguns anos, quando eu ainda clinicava. Nós tínhamos um bom vínculo e no momento da alta, apesar do orgulho pelo êxito, foi difícil para nós dois.
Mas, crianças superam rápido e, em geral, nem se lembram do período de terapia. O que é muito compreensível, já que o processo terapêutico envolve a dor e a transformação.
Eu não os vi mais. Esporadicamente, recebia alguma mensagem da família, em datas especiais.
No ano passado, a mãe do Gabriel faleceu em um acidente de carro. Eu estava viajando. Enviei apenas uma mensagem solidária e nenhum novo contato foi feito.
Hoje à tarde o telefone tocou.
Era o Gabriel e eu atendi sem saber muito bem o que seria este reencontro (remoto).
Ele me olhou sorrindo. Meus cabelos, curtos e brancos, eram novidade para ele, assim como seu rostinho alongado e seu sorriso banguela eram para mim.
Depois de me contar sobre várias peripécias deste tempo de quarentena, ele mandou uma pergunta direta:
– Daniela, quantos anos você tem?
Eu sorri e respondi: – 49. Em silêncio eu vi os olhinhos dele crescerem e emendei a pergunta: Você acha muito?
Ele disse que não, o silêncio aumentou e ele tomou a palavra, sem interrupção:
– Um dia, eu pedi para mamãe para ir ao parquinho do condomínio e ela não deixou. Quis saber “Por que não?” e ela respondeu: – Você tem a idade de entender. Eu tinha 6 anos e ela 32. Ontem, eu perguntei para o papai o que era idade de entender e ele disse assim: – Sei lá, quando a gente entende, acaba!
Novo silêncio. Daqueles que atordoam.
Eu senti uma lágrima barraqueira querendo empurrar as outras. Congelei. Pela tela vi que Miro também abaixou a cabeça.
Ele não tinha como saber da conversa do Gabriel com a mãe…
Eu fiz menção de que iria falar, mas, vendo o clima tenso, o menino mesmo disse:
– Relaxa. A gente sempre tem a idade de entender, né?
– Né? – foi tudo que saiu da minha boca, numa síntese do momento que eu aprendi uma baita lição.
Essa frase não sai de mim nem por um segundo – “Idade de entender”.
Conversamos por mais vinte ou trinta minutos, sobre muitas coisas, rimos, matamos a saudade e nos despedimos.
Pai e filho são acompanhados por profissionais e eu digo isso apenas para que se poupem dos julgamentos. Não há nada no relato que mereça um apontamento porque diz respeito à vida deles e à relações humanas construídas dia após dia.
O que me motiva a compartilhar a história é a constatação de que a gente cresce mesmo é por dentro.
OBS.: Os nomes citados no texto são fictícios para preservar as identidades.