Eu me formava na faculdade naquele final de ano. Precisava participar de algumas reuniões no campus da PUCC e minha única alternativa era levar duas crianças comigo, já que não era hora da escola delas.
Os dois meninos eram meus filhos. Fui mãe, pela primeira vez, aos 18 e nunca parei de estudar. Tudo foi aos tropeços, mas sempre contei com muita ajuda e estímulo, para poder me formar. A essa altura, meus filhos já estavam com 9 e 7 anos e adoravam aquela viagem até o campus. Era uma aventura! Estrada, mãe nervosa, “vai mãe, você consegue”, era a frase que eu mais ouvia. Dirigindo um escort vermelho, já velho naquele ano de 1991, chegava eu e eles na reunião de “projeto experimental”, espécie de tcc para os formandos em comunicação social. Enquanto eu discutia com colegas e professores os pormenores da nossa agência fictícia de propaganda, ficava de ouvido nos meninos que corriam e riam do lado de fora. A estrutura de concreto do campus 1, cheio de escadas e corrimãos, era um parque de diversões para eles. Algumas vezes, é claro, as risadas davam lugar ao choro e eu precisava sair às pressas da reunião para providenciar curativos.
O escort vermelho, funcionava bem depois que pegava. Até chegar em uma esquina qualquer e morrer por afogamento ou só por morrer mesmo. Os carros de trás buzinavam, os meninos riam e o mais velho sempre dizia coisas do tipo “vai mãe, ele espera”. O carro me deixava na mão nas horas mais improprias. Certa vez, na estrada, eu na faixa da esquerda, ele engasga, o carro, eu apavorada. Os meninos pararam de se bater e rir, pressentindo o risco e, por milagre, o carro volta a funcionar e conseguimos chegar em casa, sãos e salvos. Consegui me formar publicitária no final de 91.
Foram anos com aquele escort velho, eu e duas crianças, indo para a escola, voltando. Eu, trabalhando, criando (peças de comunicação e crianças), vai no cliente, vai na gráfica, pega orçamento, leva para aprovar. Anos de hiperinflação, tensão. O marido trabalhava e estudava também, então os meninos ficavam a maior parte do tempo comigo, fora do horário da escola.
Alguns anos depois, passei a sentir uma queimação na boca do estômago, a tensão de correr atrás de orçamento, cliente, aprovação, pagamento, antes que a inflação da semana seguinte abocanhasse o pequeno lucro que poderia haver. Não tinha lucro e minha correria parecia em vão. A dor no estômago, era, na verdade, mais que tensão, era outra vida sendo gerada.
Ao descobrir que estava grávida, eu e meu marido paramos para avaliar as nossas possibilidades. A empresa dele valia o investimento de tempo de nós dois e eu teria mais tempo com os filhos.
Em 1995, uma semana antes do temporãozinho nascer, o escort velho deu lugar a um corsa zero, vermelho.
Quanta alegria. Provas de morro eram fichinha, a torcida do banco de trás não precisava mais me falar as frases de incentivo, nada de perrengue nas estradas, motoristas vizinho me tratavam com a indiferença que eu sempre sonhei.
Aquelas lindezas de crianças preenchiam todos os espaços, físicos e sonoros. Os olhos sempre brilhando quando saíamos no carro. Sim, pelas minhas regras, a gente podia cantar, a altos brados, as músicas que tocavam no rádio e no toca-fitas. Aquele corsinha também teve suas histórias.
E meus bunitinhos sempre me incentivaram a ser a mãe, mulher, profissional, a melhor que eu pudesse ser.
O tempo passou, os carros mudaram, os meninos cresceram, estão formados. Os mais velhos hoje são pais de crianças maravilhosas, alegres e inteligentes.
E eu continuo me formando a cada dia, a cada ano, a cada nova experiência de vida. Só o que posso fazer é agradecer, todos os dias, por nós estarmos todos bem e com saúde, nesse ano 2 da pandemia.
Cuidem-se! Fiquem bem!