Refletir sobre um livro que tenha trazido um impacto mais profundo em minha vida me fez voltar no passado para resgatar um que li entre a infância e a adolescência e que me marcou já naquele momento, mas que a cada dia vem ganhando mais significado.
Um cenário de intolerância e insensatez me foi apresentado por Joaquim Manuel de Macedo em A Luneta Mágica, cuja história tem como protagonista o personagem de nome Simplício, que se auto define como míope física e moralmente.
Seu desejo é enxergar melhor e, para isso, consegue por meio de um armênio uma luneta com a qual pode ver perfeitamente. Porém, Simplício é orientado a não fixá-la por mais de três minutos, após o que passará a ver além da aparência e apenas o Mal dentro das pessoas.
Claro que Simplício não resiste a fixar sua luneta por um tempo maior, e começa a ver mais do que gostaria, o que o leva quase à loucura. Acaba, sem intenção, quebrando a luneta, e pede ao armênio que lhe forneça outra. O homem concorda, mas alerta que desta vez ele veria apenas o Bem, se fixasse a luneta por mais de três minutos. Como novamente não seguiu a orientação, acabou por ser envolvido e enganado. Por fim, e após muitas confusões, ele acaba ganhando a luneta do bom senso, e assim encontra uma maneira de viver bem com a sociedade.
Hoje testemunhamos posicionamentos radicais, com antagonismos criados entre grupos da sociedade, em que só se enxerga a bondade do lado que se defende e a maldade do lado oposto.
Parece que ponderação e bom senso estão muito distantes, porque nossa tendência é usar a Luneta do Bem ou a Luneta do Mal, sem relativizar a própria noção de certo e errado.
Espero que, assim como acontece no livro, possamos evoluir a ponto de enxergarmos o outro e a nós mesmos com bom senso, entendendo que a essência de cada um é muito mais complexa do que uma visão superficial pode provocar com a dualidade entre o bem e o mal.