– Moça, a senhora é escritora?
A pergunta veio de duas crianças. Um garoto e uma garota. Menino, o porta voz.
– Por que vocês acham?
– Você tá aí quietinha. Olhando e anotando. Os outros turistas estão almoçando e comprando. Sente fome não?
Risos.
– Sinto fome sim. E que doce vocês tão vendendo?
Disseram num unísono de boca cheia: – Cacau e chocolate da terra! E é muito bom! ( espanto – a menina sabia falar).
O menino continuou: – A outra mulher ali, aquela senhora branca que acho que é de São Paulo, só queria experimentar sem pagar. Eu disse não. Tem que pagar pra modo de abrir o pacote. Ela pagou. Comeu e não gostou. Queria o dinheiro de volta! Falou que era direito de consumidor!
– E você deu o dinheiro de volta?
– Dei não. Ela nos devolveu o doce. Você acha que se tivesse ruim estaríamos comendo ele? Tava não!
– Acho também não.
Riram de gosto.
– E moça, você não respondeu. Você é escritora?
– Não propriamente. Na idade de vocês, sonhava em ser. E vocês, o que sonham ser quando crescerem?
– Quero ser fuzileiro naval!
Olhei para a menina. Que de nada perguntava e pouco respondia. Tinha um pé com havaianas, outro descalço e machucado. Espécie diferente de Emília nos sapatos trocados. Muda, como a boneca de pano antes de tomar as pílulas do Doutor Caramujo.
– E você, o que sonha em ser quando crescer?
Ela me olhou. Sorriso tímido e açucarado. Olhos verdes e pele escura. Eu e as crianças três tons frutos do projeto de eugenia brasileiro. Antes dela verbalmente se manifestar, ele recomeçou a falar.
– Moça, ela não pensa nestas coisas não. E sabia que ela magoou o pé ali na praia. Pisou numa pedra e o chinelo escapou (…).