Sou cartunista, mas não leio o futuro nas cartas. Desenho o presente com lápis e humor.
Minha formação acadêmica é em Comunicação Social, Publicidade e Propaganda e já trabalhei na área. Depois, aliando o mundo business e o meu conhecimento fluente em alguns idiomas, passei a dar aulas. Também trabalho com construção civil, junto com a família.
Porém, a minha grande paixão é a arte! Já sofri muito pela falta de tempo de produzir o que minha mente criativa pedia. Cores, tintas, lápis, papéis, dá até água na boca de pensar.
Juntando a arte com a veia de humor, que sempre esteve presente em mim, nasceu a cartunista. Há alguns anos tomei coragem e inscrevi uma ou duas caricaturas em salões de humor, que foram selecionadas e eu passei a amar esse novo mundo que se abria. Com o passar do tempo, o vício foi dominando e, charges, cartuns, até tirinhas foram surgindo. O Brasil é uma terra rica em matéria-prima para essa arte, seja pela homenagem às nossas
grandes figuras ou pela crítica à política do momento. E tem o mundo.
Nunca pensei ser a ‘mulher cartunista’, mas, aos poucos, acabei me tornando uma ativista cultural também. Fui percebendo a pouca representatividade feminina na área e procurei entender os motivos para isso, visto que o mundo do cartum é uma bolha masculina. Os grandes chargistas são majoritariamente homens – procure “cartunistas do Brasil” no Google – e nem mesmo eles parecem perceber esse círculo fechado em que vivem.
Sabemos que, há muitos séculos, existe um trabalho por parte de sociedades, principalmente as religiosas, para destruir a relevância do papel da mulher. O sexo frágil, a bela, que deve ser também recatada e do lar. No seu papel de procriadora, ela acabou sendo dominada e o seu
conhecimento ancestral foi chamado de bruxaria e queimado nas fogueiras da inquisição e outras semelhantes.
Quando surgiu o movimento feminista, toda a luta foi desmerecida. O que se buscava era a igualdade de direitos, como poder votar, trabalhar, ter direito à herança, sair à rua desacompanhada e sem ouvir bobagens. Mas denunciar o machismo é coisa de “histérica”, ela é feia, tem sovaco cabeludo, não gosta de homem, mal-amada, não conseguiu segurar marido,
a lista é longa… O humor que ela desenha é, também, desmerecido como arte inferior.
Uma vez, em uma feira de quadrinho, na Alemanha, Maurício de Sousa foi indagado sobre a falta de mulheres quadrinistas em sua comitiva. Ele respondeu que, no Brasil, “Mulher ainda não tem essa liberdade sem vergonha que homem tem, de trabalhar até tarde, tem que cuidar
da casa, dos filhos, quadrinho exige muito tempo de dedicação”.
A mulher, como protagonista de seus próprios desenhos de humor precisava ser resgatada e furar a bolha.
Na procura por essas cartunistas, salões de humor, exclusivos para mulheres, surgiram, como é o caso do “Batom, Lápis & TPM”, que acontece todo mês de março, em Piracicaba e que reúne artistas, que, mesmo espalhadas pelo mundo, são muitas e seus desenhos e mensagens são
impressionantes. Sororidade passou a ser um lema. Esse ano, 2021, houve a tentativa da secretaria de cultura de Piracicaba de cancelar o Salão. Quando tomei conhecimento de que não haveria uma edição inédita, entendi que era a hora de mobilizar os cartunistas e passei a enviar mensagens e e-mails mundo afora e, assim, conseguimos reverter a situação. Preciso dizer que também recebi algumas reações estranhas, de negação, como se o salão fosse realmente algo inferior e que não merecia atenção, por parte de pessoas que eu admiro. Não guardo rancores, mas guardo nomes…
Trata-se de um precedente perigoso. O primeiro corte é nas mulheres. Era preciso agir para que não houvesse corte (ou censura) a outras exposições de humor. O Salão de Humor de Piracicaba tem uma longa tradição de resistência política. Nasceu no auge da ditadura militar no Brasil e está em sua 48ª edição, em 2021. Todos os anos o Salão Batom, Lápis & TPM, abre a temporada, em março. Em seguida, sai o regulamento e as inscrições para o salão principal, que acontece em março. Muitas atividades são levadas às escolas da cidade, e existe o salãozinho, para crianças. Quem sabe o que mais pode ser cortado, alegando custos e organização, mas sabe-se que é política. E parece que a atual política é tendenciosa à censura do humor questionador.
Há 3 anos, eu fiz a curadoria da exposição “Humorosas”, que reuniu 20 artistas. A ideia original foi do amigo artista, o Robinson, para expor as mulheres artistas que fazem humor. Foi um sucesso, a abertura foi no MACC, Museu de Arte Contemporânea de Campinas, depois passou
por mais 3 locais, antes de encerrar. Estamos programando uma nova edição de Humorosas para logo, pois temos um problema recorrente. Hoje, nas páginas das redes sociais, que anunciam festivais de humor, pouquíssimas mulheres são mencionadas. Quando uma de nós levanta a questão, denunciando o clube masculino, a recepção é sempre fria e negado o machismo. Acabo de ver um cartaz com “cartunistas do Brasil”, com umas 100 fotografias. Não cheguei a ver 3 mulheres entre os grandes.
O trabalho de charges, cartuns e caricaturas que realizo, estão muito ligados a essas situações, de sexismo e política, basicamente. Recebo prêmios e críticas pelo meu trabalho. Prêmios no Salão Internacional de Piracicaba e, ano passado, 2020, o “Prêmio Destaque Vladimir Herzog Continuado”, junto com 110 cartunistas (6 mulheres), por uma charge continuada, em apoio a
um cartunista, ameaçado pela Lei de Segurança Nacional. Críticas vem nas formas mais variadas. Tem gente que acha que eu não devo criticar o governo, que acha que estou torcendo contra. Tem gente que pergunta se eu não tenho medo. Medo do quê, amigo?
Enquanto conto os números de mortos na pandemia, a cada charge ou texto que publico, nunca terei medo de expor as mazelas e irresponsabilidades de um governo genocida. Não é um prazer desenhar o terror que estamos vivendo e ainda tentar agregar humor. Para mim, é um dever. Estamos em março de 2021 e nadando a braçadas para os 300 mil mortos pela Covid-19.