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Cadê eu?

Hoje me vejo me redescobrindo, como se tivesse me perdido por aí ( nem sei onde) e acabado de me achar. Me olho… não sei exatamente como funciono, como reajo, o que me falta, o que quero e o que tenho a oferecer.

Triste isso? Não é não… parece mas não é ! Na verdade estou encarando como uma conquista… uma libertação!

As pessoas falam de relacionamento abusivo como se resumisse em palavras grosseiras, agressão física ou algo muito escancarado que só a vítima não vê.

Pessoal, as agressões de todo tipo são horríveis e fazem parte da relação abusiva, mas vai muito além disso. Não é fácil se perceber sendo abusada ou abusado. Vamos abrir os olhos e principalmente nossa intuição.

Acabo de sair se um relacionamento abusivo de 10 anos.

Minha maior dificuldade é entender tudo que passei. Uma confusão mental horrível.

Me pego com culpa, saudade, raiva, medo… por anos fui tratada como inadequada, incapaz, dependente. A minha opinião não tinha muito valor porque eu era toda inadequada perto dele, um ser autosuficiente, autodidata, talentoso, que não precisava de médico, psicólogo, professor…nem de Deus. Qualquer coisa que eu precisasse eu podia consultá-lo que ele ia me dar as respostas corretas.

Uma pessoa extremamente inteligente e sedutora, que tinha o dom da palavra. Tanto tinha que não me deixava falar… quando ia expor minha opinião sobre qualquer coisa que não concordasse na relação, ele falava sem parar, me culpando, acusando, diminuindo meus sentimentos e raciocínio. E eu ficava perdida e irada com aquele jeito injusto de me tratar. Mas no fim acabava com dó dele… uma pessoa que tanto sofreu na vida e eu uma garota privilegiada, de classe média, com um passado totalmente inadequado… deveria sim procurá-lo para fazer as pazes. Eu não estava errada mas ele se perdia porque sentia muito ciúme de mim. Isso porque me amava muito, eu era única para ele. E isso me fazia sentir importante!

Somente ele me trataria de forma tão especial, mais ninguém no mundo.
Ganhei uma coleção de poemas, um mais lindo que o outro. Realmente muito bem escritos e que me faziam sentir uma espécie de deusa. Era como se eu tivesse achado meu príncipe encantado, uma pessoa que me via de forma única, me conhecia como ninguém, me realizava sexualmente, me protegia, me cuidava … e era só ele que fazia isso. Todas as outras pessoas, apesar de terem boas intenções, não sabiam o que eu precisava para ser feliz. Nem eu sabia. Só ele sabia. E este padrão se repetia com os filhos também. Todos nós éramos tratados com uma espécie de seguidores dele.

Era estranho as vezes, era doído outras, mas no final eu acabava fazendo as pazes, mesmo sem ter conseguido me fazer ouvir.

Começou rejeitando totalmente meu passado, eu fui desleixada, uma mulher que teve muitos namorados e não poderia ser valorizada por nenhum homem, a não ser ele, que topou ficar comigo e me mostrar uma vida diferente, mais respeitosa, mais contida, a vida de uma mulher de valor. Minhas amigas também era inadequadas, todas! Afinal fizeram parte de um passado meio fútil. Não teria como manter vínculos, pois teria que escolher entre elas ou ele. E ele estava me conduzindo para uma vida de família, mulher correta, mãe respeitável. Então, sumi da vida delas !

Minha família também era bem inadequada. Na verdade não era família. Eu mal convivia com alguns, então se era para ver só em festas e no Natal não eram pessoas que eu poderia contar. Quem estava do meu lado dia e noite era ele. Ele sim era minha família.

Minha mãe e minha tia, as pessoas mais próximas da minha vida, erraram muito comigo porque me superprotegiam e por isso não fiquei preparada para os sofrimentos da vida. Afinal, viver é sofrer, não é ? O sofrimento tem um valor muito grande porque viver sorrindo é coisa de gente vazia, fútil .

No trabalho eu era mediana, muito aquém dele. Deveria sim pedir dicas, conselhos para conseguir crescer e ter a visão dele. Ele, como gerente bem sucedido, era a única pessoa que ia poder me dar conselhos certeiros. Fui promovida algumas vezes e, por coincidência ou não, estávamos brigados e estive sozinha para comemorar comigo mesma as minhas conquistas.

Sozinha, engraçado como me sentia sozinha!

Nas brigas, que eram muitas, eu sempre estava muito errada, e no final, me sentia tão injustiça em não ser ouvida, em não ter meus sentimentos respeitados, que me enfurecia. E aí, além de errada eu era descontrolada.
Como posso falar em paz se eu não tenho paz? Como posso falar em Deus se sou tão desajustada ?

E assim fui me distanciando de Deus, de mim mesma, da minha família, dos meus amigos… me perdendo… e me achando inadequada pelas minhas escolhas.

Graças a Deus, algo dentro de mim pulsava e não me deixava entregar totalmente àquela situação. Não tinha consciência de tamanha manipulação, mas minha intuição me dizia para continuar com meus sonhos, com meus planos, com meu sorriso e com minha alegria nata.

Mesmo perdida eu continuava cultivando dentro de mim coisas muito boas e isso me salvou!

Hoje, recém separada, ainda me vejo muito frágil, por vezes me sentido inadequada ou errada, com pena dele, que tanto sofreu neste casamento… mas a lucidez tem me presenteado com momentos como este que consigo claramente enxergar a toxicidade da relação em que me encontrava.

Distante, vejo melhor. Como se me distanciasse da neblina.

Queria deixar um recado para as pessoas que se sentem confusas em uma relação tóxica. Esta confusão é a famosa manipulação e ela a responsável pela maior perda que se pode ter: a lucidez.

Não se deixe ficar confusa ou confuso. Medite! Respire! O amor é leve, não machuca, não vem cheio de exigências, não te diminui, não te cobra, não faz você ficar confusa e se sentir incapaz de nada. O amor também não te trata como deusa ou deus. Se sente algo de errado aí dentro, dê atenção a isso. Se escute! Se perceba!

A pior coisa que podem te roubar é a sua lucidez. Resgate-a.


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SOS – ligue 180
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