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Contra as probabilidades

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Adoro ser mulher. Mas sou de uma geração que cresceu querendo ser a mulher maravilha, lutar contra a injustiça, ser forte, bela, íntegra, doce e justa.

Me inspirava nas mulheres fortes da minha família que, sem medo (ou talvez por medo), seguiam em frente e davam conta das tarefas.

Ver a tia pular grávida de um trampolim, e eu lá com meus nove anos olhando admirada aquela mulher sem freios, corajosa e querendo ser igual. Nunca fiz isso, aliás confesso que morro de medo de altura, mas aos poucos tento superar.

Ainda menina, brincava que era uma das “panteras”, série de sucesso numa época que ainda não existia TV a cabo. Queria ser sempre a personagem Sabrina, a de cabelo tijelinha e preto como o meu. A menos bonita, mas a mais inteligente. Gostava de ser essa.

Já fui seguida na rua diversas vezes. No final da adolescência e no início da vida adulta isso acontecia muito, mas eu era esperta e percebia rápido. Atravessava para ruas que eram contramão para quem estava de carro.  Entrava em alguma loja ou padaria e lá ficava até o seguidor desistir. Fingia que ia entrar em uma rua e corria para outra. Fui criando técnicas para não ser abordada, incomodada e sabe-se lá o que mais.

Quando estava no terceiro ano da faculdade fui fazer estágio em uma multinacional. Meu trabalho era interno, porém uma vez fui convocada para acompanhar um colega – talvez uns 15 anos mais velho que eu – em uma tomada de preços. Achei bacana porque seria algo diferente da minha rotina diária.

Tinha 21 anos, eu e toda minha geração usávamos muito minissaias, bermudas e shorts. Mesmo para trabalhar, até porque nosso departamento era composto basicamente por estagiários.

Fomos no carro dele, eu estava de bermuda-saia que também era moda na época. Participamos daquela tomada de preços e, na volta, esse homem parou em uma rua e começou a me dizer que morava perto dali. Não me lembro das minhas respostas, não me lembro se entendia que aquilo era nitidamente uma cantada e que eu estava em uma posição bem vulnerável ou se, de fato, não percebia. Não sei, de verdade, excluí da minha lembrança.

Ele viu que eu não demostrava nada e foi me mostrando alguns álbuns de fotos que tinha tirado do porta-luvas. Até que em um momento ele simplesmente passou a mão na minha perna com uma dessas pegadas fortes e disse algo do tipo: que pernão.

Não sei explicar o meu sentimento: nojo, constrangimento. Acho que minha cara deve ter sido de alguém tão pasma que aquilo não passou dali, por sorte minha. Pedi que fossemos embora e fomos.

Cheguei na empresa com uma sensação ruim, com vergonha e só vim contar isso há poucos anos para uma amiga que trabalhou na mesma empresa. Ela ficou assustada com a história, mas sabia que o tal sujeito era cafajeste. Neste último mês contei essa mesma história para mais três pessoas e, agora, publicamente.

Por que não contar antes? Vergonha? Constrangimento? Não sei, o fato é que não quis compartilhar com ninguém e somente agora, mais de 20 anos depois estou escancarando isso em um texto e divulgando para onde for e para quem quiser ler, simplesmente porque acho que não devemos nos calar em situações abusivas como esta.

Não sou contra cantadas, e nem as tão famosas cantadas de pedreiro. Se não forem agressivas, ok, estão valendo. É gostoso ouvir um “fiu fiu” de vez em quando, mas do assobio à agressão verbal e física existe uma grande diferença.

Mulheres são ainda estigmatizadas pela sua aparência. Bonita, feia, gorda, gostosa, siliconada, loira burra e por ai entram em cena adjetivos animais, como gata, baleia, vaca, piranha, capivara, cachorra, cavala etc.

Tenho 47 anos e três filhos, um com 18, outro com 12 e a caçula com 10 anos. Contra as probabilidades da vida de uma mulher, continuei trabalhando. Sou fundadora e sócia da Modo Comunicação e Marketing há 23 anos, desde que me formei. Trabalhei até um dia antes do nascimento de cada filho, fiquei home office no período de licença-maternidade, mas amamentei todos filhos bem mais que os seis meses necessários.

Ao invés de chorar pela falta de oportunidades para as mulheres fui criando as minhas e elas foram dando certo. Cresci muito, hoje sei muito da minha área. Nessa altura, me permito criar que adoro, além é claro das demais funções que como sócia sou responsável.

Outro dia estava em um evento da área para sócios de agências de comunicação e percebi que eu era a única mulher – sócia de agência – que estava lá. Comecei a tentar lembrar as mulheres daqui de Campinas (interior de SP) que estão há mais de 20 anos no mercado a frente de agências. Temos muitas na cidade, mas só consegui  lembrar de mais duas mulheres nas mesmas condições que eu. É muito pouco.

Se tem uma palavra que hoje eu escolho para mim é coragem. As probabilidades não me assustam e nem me fazem recuar. É justamente por essa coragem de hoje que coloco a boca no trombone, conto essas histórias verídicas e sigo em frente gostando da mulher que sou.

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Adriana Chebabi – Bela Urbana, idealizadora do blog Belas Urbanas onde escreve contos e poesias, mas também e atreve a escrever no divã desse blog. Publicitária e empresária. Divide seu tempo entre sua agência Modo Comunicação e Marketing  www.modo.com.br e as diversas funções que toda mulher contemporânea tem que conciliar, especialmente quando tem filhos. É do signo de Leão, ascendente em Virgem e no horóscopo chinês Macaco. Isso explica muita coisa 🙂

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