Foi no caixa do banco que o vi pela primeira vez. Eu bancária, ele cliente. Bem vestido, muito bonito e sorridente.
Sempre com elogios e brincadeiras. Eu apenas sorria mas desconfiava do assédio, até porque ele movimentava muito dinheiro e eu caixa de banco.
Um dia me deu um cheque para depósito e o preenchimento do valor era um convite para um chopp após o expediente. Fiquei muito surpresa e aceitei de pronto…
Poucos restaurantes próximos e ele escolheu o mais sofisticado e me levou para a parte de cima, mais reservada. Ali teve início uma torta história de amor.
Eram sempre almoços intermináveis ou happy hours, esquecíamos de tudo. Ele um cara culto, falando poesia, cantando bossa nova. Era pura diversão.
Dele sabia que morava no Rio e trabalhava em Niterói, sócio de uma Empresa de seguranca. Eu, morava com uma colega de trabalho e tinha uma vida bem animada. Todos os finais de semana ia pra Búzios onde alugava casa com amigos.
Os nossos encontros eram em motéis e eu não estava muito interessada em mudar nada.
Em um final de semana eu em Búzios, na praia, recebo sua visita inesperada. Sábado de manhã, ele de roupa social, sapatos em plena geriba me procurando, detalhe, não lhe dei endereçoo. Entendi como uma prova de paixão. Fomos pra casa, nos misturamos entre areia, sal, suor e tesão. Almoçamos e ele foi embora. Simples assim. Eu apaixonada, me sentindo especial.
O tempo foi mostrando o quanto era sedutor. Rosas, livros, discos. Me enchia de mimos e de paixão. Até que um dia ele me comunica que vivia uma história verdadeira e por força das circunstâncias, estava prestes a se casar. Sábado seguinte.
Me senti rejeitada, tola, ingênua. Passei o dia inteiro chorando. Ele se casou com namorada da vida toda, filha do dono da empresa. Ele manteria a sua posição social e seguia a vida.
Como pouco tínhamos, pouco ficou. Levei bastante tempo para me reerguer, mas tinha Búzios , era só agito, foi mais fácil seguir o caminho.
Estranhei quando se passaram um, dois, três meses e nunca mais o vi. A conta permanecia lá e eu achava que ele sempre iria entrar pela porta com aquele lindo sorriso que já tanto me fazia falta.
O reencontro se deu em uma rua próxima ao banco e veio junto um grande susto. Ele com o rosto deformado. Me contou que sofrera um grave acidente e ficara um mês em coma. E tinha mais uma novidade, iria ser papai. A vida seguiu, ele não fazia mais parte de mim.
Casei, tive filhos, me separei, casei de novo, filho de novo. Divórcio de novo. Agora sozinha vida reconstruída, bela casa em um lindo lugar um pouco distante do centro urbano. Em algum momento entrei no Facebook para acompanhar a vida da filha que se mudara para a Europa. E assim foi.
Em uma noite recebi uma solicitação de amizade e lá estava ele. JP, trinta anos depois. Morava na França e estava vindo ao Brasil em breve, queria me ver. Comecamos a trocar e-mails infinitos, divertidos. Toda noite era a hora de ficar no computador e esquecer da vida. Meus filhos desconfiaram dessa mudanca, mas ficaram felizes em me ver mantendo amizade com alguém, já que vivia exclusivamente para eles.
JP me chamava atenção para minha escrita, falou que eu escrevia bem e que deveria me empenhar nisso. Eu estava satisfeita, escrevia pra mim. Procurei saber mais de sua vida e soube que já se casara nove vezes, sim, nove vezes. Fazia doutorado na França, já morava há quase dez anos e se aposentara por invalidez após um acidente doméstico. Tinha pouco e vivia bem, diferente do menino rico que conheci.
Fomos nos contactando até o nosso possível encontro que se deu três meses após nosso primeiro contato. Veio a minha casa. Rosto envelhecido e ainda muito bonito. Chegou me chamou no portão e quando entrou eu fui rápido para abraçá-lo, ele estranho, frio, sem jeito não correspondeu. Essa atitude me colocou os pés no chão, era o que tinha.
Saímos para almocar na praia e retornamos a casa. Ali a seu lado não sabia mais quem ele era. Meus filhos tinham saído e ofereci que ficasse, tinha quarto sobrando. E assim foi. Eu realmente esperava uma explosão no reencontro: beijos calientes, transas saudosas. Nada disso. Estranho, foi dormir. Cada um no seu quarto e mais tarde ele bate a minha porta, diz não ter sono, se pode ficar. Puxou uma cadeira, colocou ao lado da cama e ficou fazendo carinho em meus cabelos e eu dormi.
Já não sabia mais quem ele era. Foi embora, disse que voltaria. Eu realmente achava que tinha algo a mais. Depois percebi que talvez estivesse velha na visão dele. Ele acabara de se separar de uma mulher da idade de minha filha. Era isso. Já não interessava mais.
Continuamos nos falando até uns dias antes do seu retorno a França. Eu Andava as voltas com crises de pânico, ansiedade que me assolavam em plena menopausa. Mesmo assim enfrentei ônibus, barca, ônibus de novo e fui ao Rio encontrá-lo.
Casa bonita, bela cozinha e ele fazendo um ótimo Jantar para me receber. Tarde da noite e a cena se repetiu; eu deitada no sofá, ele puxou uma cadeira e fez carinho nos meus cabelos. Dormimos lado a lado, eu com vontade de socar ele… o que era aquilo?
Pela manhã, outro cenário, nos deitamos lado a Lldo num quarto escritório e ali o seduzi. Foi intenso, inesquecivel enquanto era ali. Resolvi voltar pra casa, ele se ofereceu para me levar e ficou, um, dois, três dias. No terceiro dia eu me preparando para dormir pedi um beijo de boa noite, apaixonada que estava, meio carente. Ele se levantou, surtou, disse tinha feito tudo por mim e ia embora porque eu estava cobrando algo a ele.
Foi a minha hora de surtar. Ele havia comentado a respeito de sequelas do acidente. Tomava remédios, não bebia.
Eu presenciei o descompasso e aceitei. É isso. Vá, boa noite, boa viagem. Antes de ir ele me disse que não se via morando ali naquela casa, naquele lugar, com aquela vida. Talvez tivesse lido os meus pensamentos.
JP voltou e era o mesmo de trinta anos atrás, agora com sequelas. E a vida seguiu.
Viajei, conheci outros paises, morei em outros lugares, mas nunca perdemos contato. Numa dessas viagens, me chamou para conhecer Toulouse onde morava e passar uma semana com ele. Gostei do convite pois nada conhecia da França. Lá fui eu. Ele morava num quarto e sala num ótimo lugar. Foi me buscar no aeroporto e foi muito afetuoso. Preparou o jantar, comprou cerveja para mim, me deu seu quarto para dormir.
Passeamos bastante, me levou a lugares incriveis. Nossa relação agora era de amigos. Não mais romances. Em um desses passeios, na volta deixamos o carro longe e eu reclamei que iríamos andar muito. Ele surtou de novo, começou a falar alto dizendo que tinha me levado a ótimos lugares e eu só reclamava. Eu tentava entender aonde tinha errado e me desculpava o tempo todo. Me dei conta que estava pelas belas ruas de uma linda cidade francesa discutindo nem sabia por que. Estava triste. Nada entendi.
Quis ir embora na hora, faltavam dois dias ainda. Ele pegou a bike e seguiu caminho de casa, eu resolvi sentar em uma linda praça e olhar a vida. Nada me importava, ninguém iria tirar a minha paz. Ali fiquei, comprei uma cerveja sentei num banco e só. Pensei, tenho apenas a mala no apartamento. Na bolsa dinheiro e documentos, dane-se vou dormir em qualquer lugar.
Vinte minutos depois, volta ele de bike: – Senta aqui mulher. Não, obrigada. Vamos embora! Me esforçei para ser adulta, sentei na bike e fui. Voltei para o apartamento que tinha arrumado, cuidado para nós e dormi.
No dia seguinte resolvi andar sozinha pela cidade enfrentar o medo de não falar francês e consegui, comprar presente para a neta, trocar dinheiro, livre. Voltei para o apartamento e nada tinha acontecido. O meu louco, amado e velho amigo ali estava de camiseta velha e cueca velha, detalhe, comprei uma cueca nova e lhe dei de presente.
Dia seguinte me levou ao aeroporto nos despedimos em um forte abraço. Hoje falamos pouco, mas temos muito amor um pelo outro. Ele se tornou um velho príncipe solitário e eu continuo aquela menina do caixa do banco esperando receber outro convite em um cheque!