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QUEM SEREI QUANDO ELA SE FOR?

Eu acordei. Abri os olhos, mas não quis me levantar. Puxei o celular da mesinha de cabeceira e vi que muitas mensagens chegaram durante a madrugada.

Ninguém dorme? O sono é um opioide salvador e necessário. Mas, quem descansa? Quem tem paz quando se é refém do ar que respira? Quem relaxa por oito horas como se o amanhã fosse um lugar seguro? Quem se levanta da cama de primeira em 2021 sem antes refletir sobre todos os acontecimentos das últimas 24 horas?

Eu me perco nos meus pensamentos e quando, de fato, presto atenção no relógio, sobra pouco tempo para fazer as coisas de forma espaçada. Eu devo tomar o café em frente ao computador, permanecer com a câmera desligada enquanto o edema das olheiras não passa pelo choque do creme, filtro solar e uns beliscõezinhos nas bochechas que uma influencer sugeriu para parecer mais saudável.

Não me sinto saudável.

Há um ano não ando tranquila, não caminho no sol, não passeio, não abraço uma amiga, não consolo, nem sou consolada.

Há um ano os planos foram desprogramados e no horizonte não se vê uma probabilidade segura de realizar nada que envolva o tremular dos horizontes: as fronteiras estão fechadas, estamos cercados. Me sinto cercada, enclausurada, imobilizada.

Há um ano minha vida se desvenda entre muitos amanheceres nas janelas quadradas do meu apartamento, compartilhado com marido e dois filhos adultos. Ocupamos os espaços de um lar que foi pensado para momentos especiais, agradáveis, mas nunca para todos os momentos de 365 dias multiplicados pelos interesses e razões de quatro pessoas independentes.

Os sentimentos são assim dicotômicos, antagônicos e, apesar de toda carga de intolerância sobre as palavras escritas, há também uma dose cavalar e consciente de gratidão, porque o pulso ainda pulsa, porque a cabeça ainda gira, porque entre nós, reina um privilégio que sabemos que foi negado a tantos outros.

Essa luta de realidades verdadeiras e limitantes provoca um cansaço extremo, que beira a síncope do caos. A minha sensação é estar vivendo em uma maratona infinita, com a linha de chegada distante (quase utopia) e no percurso tem obstáculos e riscos permanentes.

A angústia é certa. Os sentidos estão todos sôfregos. Pelas telas vimos faltar ar e consciência, enquanto sobra medo e inconsequência…

A vacina seria para os maratonistas mais otimistas um aceno da bandeira. Mas, não é ainda acessível para todos e no ritmo que seguimos, muitos não terão a chance de avistá-la. Sinto raiva de quem desdenha da vida dessa forma, mais ainda de quem dificulta a cura e se entorpece com a morte dos outros.

Próximo a mim nunca faltam máscara e álcool em gel, não abro mão de cuidados que são antes de tudo, um gesto de respeito e carinho com a humanidade toda.

Guardei a esperança e o desespero na mesma gaveta. Organizo todos os dias, à medida que faço uso de suas propriedades, para que não se misturem, para que se preservem enquanto durarem os estoques. Torço para que o desespero acabe primeiro e reste ainda esperanças…

Na manhã de hoje, o pensamento que me segurou na cama foi de que eu sei quem eu era antes da pandemia chegar, mas não sei, nem tenho ideia, de quem eu serei no dia que anunciarem que ela se foi.

Dany Cais – Bela Urbana, fonoaudióloga por formação, comunicóloga por vocação e gentóloga por paixão. Colecionadora de histórias, experimenta a vida cultivando hábitos simples, flores e amigos
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