Assédio não avisa quando vem. É aquela visita chata dos infernos que – quando você percebe – já tá dentro da sua casa. É aquela demissão que chega quando você já tá cheio de dívidas – e planos para fazer novas dívidas. É aquela gripe que invade corpo, alma e coração quando o final de semana prometia ser dionísico, de cima em baixo até o chão.
Mas o mais foda do assédio é quando ele vem – e muitas vezes é bem isso que acontece – de um figura que deveria ser teu parceiro. Porque assédio de desconhecido – na rua – também é uma merda, mas um pouco mais fácil de lidar. Pode-se, por exemplo: 1) ignorar – triste, mas tem dia que né, é a opção mais cômoda e segura; 2) numa atitude mais reativa, erguer aquele obelisco de protesto em forma de dedo médio – gosto desta quando é carro passando e não dá tempo de xingar de volta; ou 3) quando a gente tá se sentindo mega empoderada, parar na frente do boteco, do comércio, da construção e responder: “E aí, que foi, meu filho? Me chamou? Te conheço?” – a semgracisse do mané até pensar numa resposta é coisa linda de se contemplar. Já rendeu até pedido de desculpas a número 3. Mas, em suma, como assédio na rua é mais manjado que sessão da tarde e mais frequente que bater cartão de ponto, a gente aprende a tacar o “vida que segue” porque – daqui há pouco – já vem outro. E eu falava da desgraça do assédio que vem de alguém próximo. Relatos indigestos de mulheres que são assediadas nas situações mais improváveis a gente lê todo santo dia. O chefe, o parente, o professor, o médico. E sabe o que todos eles tem a comum? A covardia de quem pratica. Nada mais fraco e baixo do que se aproveitar da sua posição para constranger alguém que você deveria apoiar.
Agora pega essa: fui assediada durante um vôo de paraglider. Pelo instrutor que tava atracado nas minhas costas. Pelo cara que confiei de pular junto de um despenhadeiro. Numa situação da qual, simplesmente, não tinha pra onde fugir. No meio do vôo, o cretino me solta: “Pena que você namora, pra mulher solteira tem serviço especial.” Veja, eu paguei o ~profissional~ pra praticar um esporte radical, pra sentir adrenalina e desfrutar da paisagem – e não pra brincar de siririca nas alturas. Na hora, o máximo que consegui foi dar aquela risadinha sem graça e dizer que tava de boa. Por um tempo, achei que tinha levado na esportiva – achei que TINHA QUE levar essas coisas na esportiva – mas lembrar dessa história com um pouco mais de esclarecimento, me faz querer contá-la pra constar nos anais da babaquice. Hoje, sei que deveria ter exigido pra ele terminar o vôo imediatamente. E assédio tem essa coisa dupla – a gente é agredida pelo o que vem e ainda fica mal de não ter reagido de uma maneira mais incisiva depois. Mas é isso, você nunca tá preparada pra um assédio. E ali, eu tava – literalmente – na mão do babaca. Era a primeira vez que eu fazia aquilo, o bagulho é feito pra dar medo, tinha uma tempestade armando atrás da gente, e a minha segurança dependia das manobras do meu instrutor “safadinho” – aff, que nojo.
Mas pelo menos meu estômago reagiu. Comecei a sentir a pior náusea da vida – tipo de andar de barco, virada de costas, tentando ler um livro, depois de cachaçar. Nisso, o zé terminou o vôo loguinho com medo de tomar gorfo no pé. E como merecia. Desci, fui pro banheiro e vomitei. Enjôo passa.
Voar de paraglider e ser oportunista é fácil, mas tenho certeza que um tipo desse aí não aguenta um dia sendo mulher.
Camila Santos – Bela Urbana, formada em Psicologia, já foi cantora e professora de inglês. Já morou por três meses na Inglaterra e por três anos em Ilhabela. Entre uma ilha e outra, também passou um tempo como tripulante de um navio. De volta a São Paulo, escreve e dança forró para viver.