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Envelhecencia

Quando abri os olhos naquela manhã e a claridade me envolveu, tive dificuldade de compreender o que via, eram luzes de múltiplas cores que passavam pela janela, percebia a variedade mas me faltavam as palavras para nomeá-las, respirei profundamente e aquele entrar e sair do ar se mostrava relaxante e energizante; percebi que estava deitada e meu corpo não me respondia plenamente, uma certa dificuldade em me mover e controlar todo meu eu; bocejei e não encontrei dentes na boca, a língua brincava solta naquela gruta chamada boca.

Sensações, muitas percepções  me invadiam despertadas por cheiros agradáveis que vinham do tecido da cama onde repousava e da roupa macia e delicada que vestia, percebi contrações no meu corpo e urinei num grande alivio e relaxamento incontido, e percebi que fui salva por uma fralda que prontamente absorveu os líquidos.

Incomodada, naquela situação me manifestei verbalmente e o som forte de minha voz ecoou longe, e logo veio alguém que com sua voz suave e carinhosa me acalentou e passou a me ajudar com minha higiene e em seguida me alimentou; hummm os sabores, que delicia são os sabores, que me invadem as papilas e fazem querer mais; quando fiquei satisfeita me manifestei verbalmente, no entanto aquela que me alimentava não me compreendeu,  mas  sorriu, tento explicar novamente e ela me olha tentando traduzir e compreender minhas vocalizações sem sucesso.  Ela se afasta e fico só no quarto com minhas percepções, sensações e admiração perante a vida. Cochilei.

Fui acordada para o banho, não consegui ajudar e fui despida, virada, molhada, ensaboada, hummm o perfume do sabonete e do shampoo me invadem e me relaxam, hummm a água quente envolvente faz o momento ser especial, mas chega o fim, e já seca ganhei nova fralda e roupas macias e cheirosas.

Com ajuda fui posicionada em uma cadeira de rodas e levada a sala social, pessoas me olhavam, alguns interagiam e aparentavam real interesse em minha pessoa, já outros me ignoravam, tive tempo de olhar e admirar cada ser ali presente, e assim amar a cada um em sua singularidade, amar cada gesto, admirar o local, ouvir suas vozes e os sons do ambiente; quantas melodias naquele ambiente, compreendi que a música me dá extremo prazer.

Viver é observar e escutar mais do que falar, não por acaso temos dois olhos e dois ouvidos e apenas uma boca; a linguagem silenciosa tem muito poder, a linguagem do olhar e do amor se faz nas sutilezas.

De repente, me posicionam junto a janela e mostram os pássaros, os animais da casa no quintal cão e gato, as árvores, flores do jardim e no céu vejo um lindo arco-íris,  presente da leve garoa com aroma petricor.  Vibro inteira, afinal a vida é viver cada momento com a consciência de que é único, um presente e me está sendo dado o privilégio de  desfrutá-la, não sei quanto tempo estarei aqui, se ao fechar os olhos tudo se acabará, mas posso dizer que sorver cada momento é vital. Se estou no fim ou início da vida não faz diferença, idoso ou recém nascido não conto o tempo, pois este se altera frente alegrias, tristeza e amores. Evito os medos paralisantes e me apego aos risos desenfreados. Respiro, me inspiro e não piro.

Thelma Carlsen Fontefria – Bela Urbana, psicóloga, mãe de Isabella, 2 cães, 1 gata, 1 afilhada, 2 gerbils netos, mora em Santos, tentando manter a sanidade neste tempos de um Brasil tão distópico.

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