Eu já passara dos cinquenta e me via empenhada em organizar a vida monetária da filha que iria se mudar para a Europa.
Eu a primeira na fila da empolgação por essa mudança. Pai pouco presente e zero comprometido com as escolhas da filha. Eu sonhava alto, minha filha não era daqui, precisava conquistar o mundo.
Formada em moda ia pra Londres fazer um curso de especialização. Aqui no Brasil já fazia trabalhos de customização de roupas e acessórios em uma época em que poucos faziam. Eu era sua fã, participava com ela de feiras na Lapa no Rio de Janeiro, ajudava como podia: montava barraca, passava o dia em sobrados com calor e barulho ensurdecedor. Ia feliz, tinha ela ao meu lado.
Nesse caminho em busca de dinheiro, nos deparamos com uma situação dúbia; ela tinha feira em um sábado e uma festa rave, na sexta. Pensei, faço a festa e vou dormir. Ela trabalha no sábado inteiro.
E lá fui eu, o trabalho era vender tickets em uma bilheteria improvisada com mais três pessoas. Comecei a me dar conta na roubada que vinha pela frente. Me assustava a quantidade de bebida, bebados, dinheiro, sujeira, loucuras juvenis. Demais para os olhos? Não, tristeza talvez.
Não tinha tempo de beber, comer, xixi… o cansaço, o barulho, a fumaça era tudo demais para ver e sentir, mas sabia que dali iria sair com o dinheiro, pouco talvez, mas era para ela. Faria de novo e de novo.
Noite foi virando madrugada que virou manhã e chegou a hora de ir. Peguei um ônibus que me deixou há uns vinte minutos de casa. Fui caminhando morta de cansada e ainda atordoada com o barulho. Mal me dei conta de um carro passando com bêbados gritando e para fechar a noite, me atiraram uma lata de cerveja nas costas.
Como mãe, fiz tudo pelo seu sonho. Foi, não volta mais. Saudade e todo dia lembranças, as melhores.
Voou pra longe do ninho como deve ser.