O quintal lá de casa é assim um pouco igual ao quintal da minha infância e um tanto diferente de tudo. Tem um portão de madeira sem trinco e um muro azul bem baixinho que divide a minha casa com rua, tem um monte de árvore com fruta, tem fogão à lenha, tem grama, tem terra, tem pé no chão, tartaruga, pato, bolo quentinho no fim da tarde. Tem casa amarela toda caiada e uma cadeira de balanço na varanda. Tem jardim com flores e tudo que cabe na memória. Tem areia e tem água salgada. Tem vista para o mar. O quintal lá de casa só existe e faz tudo existir porque tem vista para o mar.
Lá no quintal de casa tem maresia que dilata os poros da alma. Tem pai, filha e filho descobrindo uma nova vida. Tem tatuíra, pés entrelaçados na areia, sorvete que escorre pelas mãos e lambuza tudo, milhares de idas ao mar pegar água com baldinho furado. Tem água viva, cabelo cheio de areia, água de coco. Tem alegria, birra de criança, ternura, castelo de areia. Tem olho no olho, emoção, tem paz e três pares de chinelos embaraçados embaixo do guarda-sol.
O quintal de casa, esse que é real e que tem dado mais vida a uma nova vida não fica em casa, fica logo ali e fica dentro de mim. O outro quintal, o do portão, das arvores com frutas e do jardim com flor também. Mas só brincamos nele depois de nos fundirmos nesse quintal de casa que tem vista pro mar. Deitados na cama, tem sempre uma história antes de dormir. Histórias do quintal da memória.
Quintal da memória, quintal com vista para o mar. Na cama, pai, filha e filho abraçados não resistem à sensação e deixam se seduzir pelo peso das pálpebras quentinhas. Antes de me entregar, no silêncio da noite, escuto o barulho do mar. A respiração do meu filho sopra tranquila sobre meu peito. A mão sonolenta da minha filha passeia leve sobre meu rosto. Aperto os dois junto a mim e meus olhos quase se afogam antes de transbordar.
O quintal lá de casa tem memória e é um pouco igual ao quintal da minha infância. O quintal lá de casa é acontecimento puro. Tem poesia. Tem amor com vista pro mar.
Gil Guzzo – é autor, ator e diretor. Em teatro, participou de diversos festivais, entre eles, o Theater der Welt na Alemanha. Como diretor, foi premiado com o espetáculo Viandeiros, no 7º Fetacam. Vencedor do prêmio para produção de curta metragem do edital da Cinemateca Catarinene, por dois anos consecutivos (2011 e 2012), com os filmes Água Mornas e Taí…ó. Uma aventura na Lagoa, respectivamente. Em 15 anos como profissional, atuou em 16 peças, 3 longas-metragens, 6 novelas e mais de 70 filmes publicitários. Em 2014 finalizou seu quinto texto teatral e o primeiro livro de contos. É fundador e diretor artístico do Teatro do Desequilíbrio – Núcleo de Pesquisa e Produção Teatral Contemporânea e é Coordenador de Produção Cultural e Design do Senac Santa Catarina. E o melhor de tudo: é o pai da Bia e do Antônio.