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VIDA

Pensei em escrever sobre a quarentena, sobre o medo, sobre o amor, sobre a solidariedade, sobre um papa idoso que caminha sozinho, por uma grande praça, levando consigo a fé de milhões, sobre os números do coronavírus, que sobem e descem nos noticiários, sobre a morte…. mas, no fundo, tudo se resume à vida. Tudo o que fazemos é para mantê-la, preservá-la, esticá-la. Como não sabemos muito sobre o além morte, penso no que sabemos sobre a vida, no agora. O imenso privilégio de tê-la, seja do jeito que for:

A vida, solteira, que está presa em quarentena num apartamento na cidade grande, escuta ressabiada o silêncio das ruas e, em contrapartida, encanta-se ao ouvir as aves (elas sempre estiveram lá, mas ninguém francamente prestava atenção); como quase não há conversa, a não ser as virtuais, a vida presta mais atenção nos sons internos (do corpo e da mente) e cria uma rotina dentro do casulo em que está vivendo. Ela compartilha com seus vizinhos idosos a compra do supermercado e se espanta com todas as lojas fechadas – como se ela estivesse em um filme de ficção científica, ao vivo e a cores. Ela pisa no acelerador e volta para casa, onde se senta no sofá e vê séries variadas.

A vida, casada, faz cabaninha na sala com os filhos e vez ou outra olha para o marido com cara feia, pois é a vez dele fazer o jantar e parece que já se esqueceu disso também: assim como das toalhas molhadas em cima da cama, de lavar a louça do almoço… A vida ama sua família, mas seu dia a dia é tão corrido, que ela não presta tanta atenção assim nem em si mesma.
Agora tem opiniões formadas e duradouras sobre o homeschooling (quem inventou essa barbaridade??) e está, aos poucos e na prática, ensinando o marido quarentão que não é um favor o homem lavar a louça e dar banho nos filhos. Agora ela senta na cama e conta histórias para os filhos dormirem.

No meio do mato, na pequena casinha caiada, não há espelhos, então a vida presta atenção nos rostos das pessoas que estão ali com ela. Todos os dias, a vida persegue uma bela borboleta amarela que insiste em botar seus ovos no pequeno pé de maracujá: a vida respira e separa as lagartas das folhas, sem violência, mas desejando que busquem outro lugar para se alimentar e não aquele pezinho combalido que só tenta crescer e deitar suas flores para o céu. Todos os dias, a vida persegue uma galinha meio branca e preta – como um sorvete de flocos – porque ela insiste em atacar os canteiros recém lavrados. A galinha sempre volta, no entanto: acho que se diverte com os gritos histéricos que a vida às vezes dá. Todas as tardes, ela recebe a visita de três cães das redondezas, os quais insistem em fazer xixi nos canteiros. E a vida segue gritando com eles também, porém os danados sempre voltam, talvez em busca de mais gritinhos histéricos. A vida monta uma rede embaixo de uma velha e grande árvore e se deita, nos dias quentes, matizada pelos raios de sol que escapam por entre as folhas.

Até onde a vista alcança é verde. Verde que se refaz em certos lugares pelo mundo. O céu é azul como deveria ser em todas as cidades (e alguns cidadãos têm redescoberto suas próprias cores porque a poluição diminuiu de maneira considerável). Agora chove lá fora, uma chuva mansa, dessas que lavam e levam o ruim embora. A vida reconhece o privilégio de estar
protegida no mato ou protegida dentro de um apartamento, neste momento, e sabe que há outras vidas perdidas, sem rumo, vivendo num fio que balança. Mesmo assim, essas vidas passaram a ser olhadas para além de pastorais e de ONG´s: pessoas comuns e extraordinárias saem para as ruas e simplesmente veem a vida no meio fio e dialogam com ela: se não há
abraços, há sorrisos; o calor do corpo é substituído pelo calor da comida que chega quente, afeto que vêm de outra forma. A vida se parece com a música Adágio for Strings: seiva poderosa em raízes velhas, o vento que nunca se cansa, o momento em que achamos que não dá mais e depois nos surpreendemos porque enquanto há vida, estaremos lá, seja do jeito que
for, à disposição dela. Ela pode ser feita de vento, sol, tempestade, areia… ela existirá enquanto houver esse pulsar dentro dos corpos, essa pulsão pelo conhecimento, essa luta por quem precisa, essa preocupação com o outro, esse desejo de sair e de ver o mundo… É a vida que se reconhece através de um outro olhar e que recomeça, hoje e sempre!

Natalia kuhl – Bela Urbana. professora, leitora entusiasta de diversos tipos de escrita, amante de músicas – nem sempre clássicas. Falante e com memória seletiva. Raivosa diante da injustiça e amiga de coração aberto. Escrevo muito para mim mesma e canto no chuveiro.

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Striptease na pandemia

Se deparar com o silêncio é enlouquecedor. O apartamento era chique, tudo milimetricamente no lugar.

Nos últimos dias ela estava só. Ninguém podia entrar. Dispensou a empregada doméstica e o personal trainer, a contragosto, mas no condomínio o pedido foi explícito: Liberem seus funcionários pelo bem de todos, precisamos controlar as entradas, temos 06 casos suspeitos aqui.

Solidão pesa, ainda mais para quem se engana. A filha mora em Brasília com o marido, se falam bem pouco. O ex casou faz 10 anos com uma jovenzinha, como ela diz, e até hoje não conversam.

Solidão pesa. Você tem que se olhar, quando tudo que te sobra é você mesmo. Sentir isso era uma facada no peito. Não tinha amigos para ligar, sempre implicava com todos. Era chata. Impecavelmente chata.

As pessoas se afastam de quem só enxerga problemas, só critica.

Sandra, esse era seu nome, mas ela nem se lembrava. A vida inteira foi Sazinhah, que ela escrevia com o H no final desde menina. Achava chique como os copos de cristais que ganhou no casamento há 35 anos e que continuam intactos, sem uso.

Sua vida foi cuidar da casa, mas sempre com ajuda de empregada doméstica. Cada ano uma. Ninguém durou muito ali. Ela implicava. Não era rica, mas tinha uma boa condição. Classe média-alta, casou bem. Fez um acordo no divórcio de uma boa pensão, afinal, ele tinha condição.

Hoje o incomodo foi enorme quando o som alto do vizinho chegou aos seus ouvidos, a música falava rezadeira…. ela se irritou, como sempre aliás. Ligou na portaria para pedir para abaixarem. O som vinha do vizinho, que ela nem sabia quem era. Evitava entrar no elevador com outras pessoas, odiava sentir outros perfumes além do dela. Era chata até o infinito.

A música não parava e se repetia. A portaria retornou e disse que ninguém atendia. Ela poderia bater no vizinho e pedir para abaixar, mas só de pensar sua mão gelava.

Engoliu seco, e foi deixando aquele som diferente entrar na sua mente, no seu corpo. Foi até o espelho, olhou uma mulher com a expressão dura, parada, pensou: deve ser o botox.., os vários preenchimentos. Nunca tinha percebido sua falta de expressão. Doeu, assim como doeu olhar para a cristaleira com aqueles copos de cristais esperando a melhor ocasião. Esperando há 35 anos!

Foi para a varanda, a música que falava benzedeira não parava. De irritada começou a se movimentar, olhava para as áreas do condomínio, todas vazias. Super irritada, começou a se soltar e a dançar. Devo estar louca, pensou. Jogou as almofadas no chão. Foi fazendo um striptease até ficar nua. Nua e só.

Nua e com os cristais. Nua dançando ao som do vizinho. Resolveu beber, por sorte tinha um vinho bom. Presente da dermatologista pelo aniversário, afinal, gastou um bom dinheiro com ela. Não gostou, nunca gostava de nada. Chata.

Nua, abriu o vinho, fez uso da taça de cristal, até que enfim, a ocasião. Dançou na varanda, nua, com o copo na mão ao som do vizinho. Bebeu a garrafa inteira.

Lembrou-se de quando era uma criança e de tudo que NÃO vivera até ali. Lembrou a pandemia. Lembrou da dor da solidão. Dançou até o último gole e jurou que se saísse viva daquilo, mudaria tudo, começaria convidando os vizinhos para um vinho e decidiu que todos os dias da sua vida usaria seu jogo de copos de cristal, até para beber água. 

Adriana Chebabi  – Bela Urbana, idealizadora do blog Belas Urbanas onde faz curadoria dos textos e também escreve. Publicitária. Curiosa por natureza.  Divide seu tempo entre as consultorias de comunicação e marketing e as diversas funções que toda mulher contemporânea tem que conciliar, especialmente quando tem filhos. É do signo de Leão, ascendente em Virgem e no horóscopo chinês Macaco. Isso explica muita coisa . 

Foto: @gilguzzo @ofotografico

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Lição do 20º dia

Este é o meu vigésimo dia sem tocar a mão, sem abraçar nem beijar alguém. Estranho, certamente, para todos meus companheiros de viagem nesta nave chamada Terra.

Hoje, passamos todos “por mares nunca dantes navegados”.

Em casa sozinha, afastada de meus filhos e netos amados, sinto um pouco de tristeza. Não reclamo, não lamento, reconheço que sempre recebi muito carinho e amor, tanto que tenho meu estoque cheio de carícias. Recebo o amor que me basta.

Passamos todos, agora, por uma fase de lapidação.

Difícil, no entanto, providencial para agradecer a Deus pela vida. Tempo de reconhecer os valores mais sublimes, de nos conscientizarmos da razão de estarmos neste planeta. Cada um no seu estágio. Escolhemos passar por esta experiência antes de pousarmos em nossos ninhos.

Vejo vantagens nessa tragédia mundial para a evolução do planeta. Não precisamos fugir dos perseguidores, das flechas, das lanças, das bombas de todos os tipos de materiais, ofensas nos combates inaceitáveis da espécie humana. A guerra agora é outra, não temos como fugir, ainda que nos recolhamos na alcova. O tiro é invisível e incontrolável e pode nos pegar em qualquer local.

O que fazer? Refletir e nos prepararmos para essa vida e a eternidade. Alerta divino de que a vida é muito mais do que aparências com exploração do outro e da natureza, desigualdade, inveja, vaidade, empáfia e cobiça desenfreada. Oportunidade inédita pra entendermos que a felicidade não está nas coisas da terra.

Aproveitemos para iniciar a paz, com serenidade para o resto de nossos dias e, assim, viver novo modo de estar no mundo após passarmos por sentimentos de abandono físico, a dor, o medo, a angústia. Tudo faz parte da lição mundial.

Não deixemos que o medo turve nosso olhar. Conforme Dom Quixote O medo é que faz que não vejas, nem ouças porque um dos efeitos do medo é turvar os sentidos, e fazer que pareçam as coisas outras do que são!”

Não existe maior aprendizado, maior evolução e transformação drástica do que o sentir, e ter consciência plena para viver intensamente para nos aperfeiçoarmos.

Assimilemos a mensagem que está diante dos nossos corações e mentes. Façamos primeiro nossa reforma íntima.

Amor, união e compreensão do próximo. Nada de novo, os profetas todos, representantes de Deus na terra, já deixaram sua palavra há milhares de anos, entretanto poucos aprenderam.

Conectemo-nos com a eternidade, sendo ponte de transmissão da mensagem do amor.

Flailda Brito Garboggini – Bela Urbana, Pós graduada em marketing, Doutora em comunicação e semiótica. Dois filhos e quatro netos. Formada em piano clássico. Hobbies música, cinema, fotografia e vídeo. Nascida em São Paulo. 4 anos como aluna, 35 anos como professora de Publicidade na PUC Campinas. É aquariana (ao pé da letra).
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Gastroempatia em tempos sombrios…

Nesse momento tem sido muito difícil organizar os pensamentos e colocar em palavras aquilo que estamos vivenciando.
Quando resolvi trabalhar com gastronomia muitos propósitos e sentimentos se juntaram e cristalizaram na minha mente…
Juntar todos numa mesma mesa, mesmo com gosto, filosofias e propósitos diferentes…
Acolher as diferenças…
Mostrar que é possível ter um negócio e ao mesmo tempo fazer parte de uma corrente de conscientização em prol do nosso planetinha…essas foram algumas das coisas que nos guiaram.
Para um Chef de cozinha tudo importa, desde a procedência do ingrediente (nossa base), passando pela confecção de prato (a obra) à reação das pessoas (nosso guia).
Não poder ver nossos propósitos realizados dói, não ter as pessoas ao nosso redor para compartilhar das experiências as nossas mesas dói, mas sabe o que mais dói? Não saber o que esperar do futuro, ter que pensar se vamos conseguir manter nossos colaboradores, pensar quantas pessoas fazem parte da nossa rede e que se tornaram família para nós e não sabemos como garantir a subsistência de toda essa rede.
Trabalhamos lado a lado todos os dias…rimos, choramos, nos apoiamos, mas e agora?
Num primeiro momento nos reinventamos, passamos a não atender no restaurante … saímos na frente e começamos a produzir marmitas…estávamos vendendo horrores, mas … e o pavor de não saber se estávamos levando esse vírus para nossos familiares e clientes?
Optamos por parar…não sei se quando tudo isso passar terei um restaurante…mas a cada dia estou aprendendo mais e mais o que realmente me importa…e cheguei a conclusão que sempre será a vida.
Continuarei pagando meus funcionários enquanto for possível…quando não for mais, vou dividir meu pão… negócios vem e vão… a vida tem que continuar a qualquer custo.
Que ao final disso tudo tenhamos regatado nossa tão frágil humanidade.

Adriana Rebouças – Bela Urbana, formada em Publicidade. Cursou gastronomia no IGA – São José dos Campos. Publicitária de formação e Chef por paixão. Sócia do restaurante EnRaizAr em São José do Campos – SP.

Fotos Taine Cardoso Fotografia
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Teclar sem tocar

Pergunta… e eu respondo:

E temos outra coisa para pensar?

A palavra “viral” é séria não é?

E, se ela vem da palavra “vírus” qual a relação entre a a vida e a morte?

Pensando alto sobre essa onipotência humana, engolindo mentes relapsas, doentes e sem respeito algum pelo seu respirar, entre o respirar do outro.

Se o momento é teclar, e sem tocar o outro eu finalizo:

Esse não é o que está acontecendo em nossa vivência solitária?

Não podemos julgar, pois alguém se lembra do último abraço, toque que deu antes do vírus chegar?

Bem… então…

Respeite as teclas agora, tornando essa atitude viral!

Joana D’arc de Paula – Bela Urbana, educadora infantil aposentada depois de 42 anos seguidos em uma mesma escola, não consegue aposenta-se da do calor e a da textura do observar a natureza arredor. Neste vai e vem de melodias entre pautas e simetrias, seu único interesse é tocar com seus toques grafitados pela emoção.


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2020 – O ANO PERDIDO e A HISTÓRIA QUE NÃO ACABA

Desde o Natal do ano anterior vínhamos ouvindo no noticiário, sem dar muita importância, sobre uma estranha doença, que matava pessoas de pneumonia, em uma remota província da China. Ainda estava claro em nossas lembranças, aquela síndrome estranha que tinha vitimado
consumidores de cerveja, em Minas Gerais, então, a doença da China, acabaria se resolvendo por lá. O desenrolar da história todos já sabem.
No final de janeiro, eu e meu marido fizemos um cruzeiro maravilhoso, que passou pelo litoral brasileiro até Salvador e voltou. Foram sete dias encantados e nós comemorávamos nosso aniversário de casamento. A chegada foi tranquila, mesmo com o estranhamento daquelas pessoas usando máscaras, no porto de Santos.
Dois dias se passaram e eu dei entrada num hospital, não com gripe, mas com um nada glamouroso nó nas tripas, ou um mais elegante volvo intestinal. Cirurgia de emergência. No hospital, nenhum movimento que indicasse a preocupação com o tal vírus da China, que já se alastrava pela Itália e chegava a outras partes da Europa. Enquanto eu me recuperava em casa, as notícias passaram a se tornar mais preocupantes.
Logo eu estava bem para voltar ao meu atelier e às aulas de arte. Depois do Carnaval, minhas meninas de aquarela tiveram sua primeira aula do ano. Já nos preocupávamos em nos cumprimentar à distância. Na semana seguinte, todas as aulas foram canceladas e o atelier foi fechado por tempo indeterminado.
Eu já estava, há mais de um mês, em “confinamento”, para me recuperar da cirurgia, quando tudo foi fechado e o tempo parou. Parou para nós, os confinados. Para o Coronavírus, houve uma crescente a galope. Chamado de COVID-19, para distingui-la de outros coronavírus, essa doença trouxe uma aura de Surrealismo ao nosso cotidiano. Que cotidiano?
O isolamento social, voluntário para a maioria, tornou-se obrigatório em meados de março. O comércio fechou, incluindo os grandes Shopping Centers, as escolas fecharam, as academias de ginástica, os clubes e os restaurantes fecharam. As pessoas passaram a trabalhar em casa, ou melhor, os que podiam. Só ficaram em funcionamento, os serviços essenciais. Para uma crise econômica que já estava ruim, tudo piorou. Porém, um mal necessário, já que a opção era imensamente pior.
As ruas ficaram desertas enquanto os dias comuns, nos centros urbanos, lembravam domingos.
Agora estamos no começo de abril, ler jornais e assistir noticiários na televisão tornaram-se tortura. O número de contaminados aumenta, assim como o de vítimas fatais. Para piorar, estamos em um país em que um ser desprezível ocupa a presidência e faz tudo para sabotar as medidas de contenção do vírus. Parece que virou até chacota internacional. Será que a história irá perdoá-lo?
Estamos longe dos filhos e netos, a saudade dói. Meus sogros têm mais de oitenta anos e estão isolados. Nós estamos autoconfinados, pois optamos por poder assessorá-los. A cada dia que passa, uma sensação nublada desce sobre nós, por mais que o sol brilhe.
Por nós, por nossos filhos, por nossos netos e nossos avós e pais, por você, estamos confinados. Criamos uma rotina para lidarmos com o isolamento e seguiremos firmes no nosso propósito. Pelo bem comum.

Synnöve Dahlström Hilkner – Bela Urbana, é artista visual, cartunista e ilustradora. Nasceu na Finlândia e mora no Brasil desde pequena. Formada em Comunicação Social/Publicidade e Propaganda pela PUCC. Desde 1992, atua nas áreas de marketing e comunicação, tendo trabalhado também como tradutora e professora de inglês. Participa de exposições individuais e coletivas, como artista e curadora, além de salões de humor, especialmente o Salão de Humor de Piracicaba, também faz ilustrações para livros. É do signo de Touro, no horóscopo chinês é do signo do Coelho e não acredita em horóscopo.

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Desnuda – Brasil abril 2020

Desnuda de tudo
Do brilho
Da alegria
Do quintal cheio
Da vida corrida
Do cesto que transborda
Do cansaço físico
Das risadas altas
Abraços apertados
Amores antigos
Amigos espalhados
Da Cidoca gritando
Do corpo dançando
Da mente sonhando
Da grama alta
Do cheiro da segunda
Da preguiça do domingo

Desnuda de tudo!

( As tentativas de transformar a angustia em poesia, as olheiras e todas as marcas em histórias)

Carol Oliveira – Bela Urbana, chef de cozinha, mãe de 3 filhos. Adoro escrever sobre o dia dia real. Inspirada pelas fotos do meu marido… Sigo tentando ver poesia e arte nesse momento de tanta angustia e medos!

Foto Ricardo Lima


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Diário de uma pandemia Catalunha 2020

Diário de uma pandemia
20/3/2020
8:30
É primavera.
Há uma semana declarou-se a crise COVID 19. Sentimentos e pensamentos poderiam ser resumidos nesta semana. Ação e o coração sofrendo. Ainda trabalhamos, damos serviços mínimos, porque o governo não nos colocou na lista de empresas que precisam fechar. Mas a pressão imposta pelo sistema de saúde é para fechar.

ficaemcasa.

Minha situação mental é estressante, ainda que ativa, adrenalina para administrar esse momento. Mas também muito sobrecarregada pelo de risco para nossa saúde, nossa economia necessária para nos dar suporte e os conflitos sofridos em nossas relações de trabalho.
É como ter sofrido um choque frontal entre dois trens: a equipe de direção e a de gestão decidimos o quê precisava ser feito e as necessidades individuais da maioria dos trabalhadores.
Esse confronto foi inevitável porque qualquer decisão tomada envolvia risco ou conflito em uma área ou outra.
Agora não sabemos se tomamos a decisão certa … Tudo será esclarecido em alguns meses e, honestamente, minha visão é de uma incerteza avassaladora.
Lidamos com muitos lutos de relance, aqueles que são realmente tristes pelas as pessoas que estão caindo com o COVID. De longe, este é o mais importante de todos e o que mais nos preocupa.
Mas há outros lutos que estamos vivendo e que devemos administrar em uma marcha forçada: o luto pela perda da normalidade, por não poder encontrar pessoas queridas, familiares, amigos, colegas que nos apreciam em vários campos. O luto por ter de interromper a atividade que, em alguns casos, é a nossa motivação e nos ativa todos os dias, o luto por sacrificar as férias para poder ter o meu tempo livre neste momento difícil.
Isolamento versus ter que trabalhar em tempos de isolamento.
E acima de tudo, o medo, a COVID, o sofrimento ou o sofrimento das pessoas que amamos, até o medo da morte.
E medo de fazer coisas erradas de um lado ou do outro.

E esperamos, todos os dias, as demonstrações de solidariedade, resiliência e respostas à emergência, ações de pessoas exemplares que aplaudimos desde nossas janelas todos os dias, e pessoas que não recebem esse aplauso explícito, mas que também nos dão suporte – muito obrigada! – reconhecimento a todas elas por favor.
Esta é uma reflexão resumida do que experimentamos atualmente. Existem muitas nuances, emoções opostas e o melhor e o pior de cada um de nós vieram à luz.
Proponho que nos reconheçamos nesse melhor e pior, que aceitemos diferenças em todas as áreas e que apostemos no exercício de nos colocar no lugar dos outros, agora é hora de nos encontrarmos novamente em espaços de solidariedade e cooperação que salve a todos nós com soluções coletivas que não deixem ninguém para trás.

Nati Yesares – Bela Urbana, vive em Barcelona, é formada em ciências ambientais e atualmente é chefe da área ambiental em Solidança, empresa dedicada a economia social. É motivada por tudo que ajude a construir uma sociedade sustentável e justa para todos.

Tradução Gisela Chebabi Abramides
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Qual nosso inimigo?

O ser humano cria uma corrida entre nações, entre empresas, entre institutos e pesquisas. Entre pessoas que não sabem que competem. Nosso paradigma é da competição. A competição por quem publica primeiro, inventa primeiro, vende primeiro, pensa primeiro, twita primeiro. Evoluímos com isso?

No início da nossa história, enfrentamos animais maiores, tempestades gigantescas e grande carestia. Era preciso nos mover de local em local atrás de sobrevivência. Muita energia para pouco resultado. Hoje temos conforto do delivery, conversamos a longas distâncias sem sair do lugar. Acumulamos energia em gordura e nossos inimigos são microscópicos, não os vemos. Apenas somos abatidos nessa competição pelo que não ganhamos, um tal mercado é quem lucra. Evoluímos afinal?

Acredito que se mandamos câmeras filmar astros distantes, ao passo que nosso olhar consegue detectar partículas sub-subatômicas para compreendê-las, porque não propor um paradigma oposto ao da competição, do lucro, da corrida pela dianteira? Porque não deixar fruir novos pensamentos que nos tornem mais unidos, solidários e colaborativos?

Ideias nos prendem conservando paradigmas de séculos atrás em áreas da ciência fundamentais como a sociologia, a economia, a cultura. Temos um preconceito (que nos é ensinado, lembre) que nos mantém presos a dicotomias, a oposições que competem, mas que não existem mais. Porque, então, não deixar a ciência humana tão livre como a ciência espacial para voar? Que banco (ou dono do mundo) que lucra com a covardia conservadora, apenas para não perder seu capital, num novo sistema humano de colaboração e partilha?

Acredite, pessoas estão pensando nisso agora e sendo caladas.

Não proponho a partilha do capital ou dos meios de produção (uma ideia de quase 200 anos atrás). Mas algo mais moderno: uma partilha da nossa vivência com a natureza, com os outros seres humanos, com o conhecimento que habita em nós em partículas, e que quando partilhado se torna a sabedoria divina. O conhecimento ancestral e fundante que é tão moderno quanto eficáz e que surge apenas nos seres desprovidos de competição e de lucro. Não há monstro gigante nem vírus microscópico que resista ao poder da união dos humildes. 

Comece você, partilhando nas redes o que tem de melhor. Faça uma live para sua rede e sorria para seus amigos. É simples ensinar o que você sabe e debater o que pensa. Comece e partilhe alguma cura. Nosso inimigo é nosso ego, que nos cega para o óbvio: Não temos, somos. E somos apenas juntos.

Pense nisso.

Crido Santos – Belo urbano, designer e professor. Acredita que o saber e o sorriso são como um mel mágico que se multiplica ao se dividir, que adoça os sentidos e a vida. Adora a liberdade, a amizade, a gentileza, as viagens, os sabores, a música e o novo. Autor do blog Os Piores Poemas do Mundo e co-autor do livro O Corrosivo Coletivo.

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Sobre o momento atual – Brasil março 2020

Não estou desesperado e não perdi a esperança. Talvez meu trabalho, minhas frequentes andanças pelo submundo de São Paulo e minha habilidade em lidar com mudanças me deixem relativamente tranquilo e focado em me cuidar, fazer a minha parte e ajudar como puder todos aqueles ao meu redor.
Sempre achei que filmes como Epidemia (1995) e Contágio (2011) estavam mais próximos da realidade que de entretenimento e que, mais dia, menos dia, viveríamos o que está acontecendo hoje – mais ainda depois de assistir à palestra de Bill Gates, no TED, em 2015 (https://bit.ly/2wk5Gzh). E olhar e argumentar sobre a taxa de mortalidade do vírus é no mínimo uma ingenuidade, já que 2% de todo o mundo é mais de 150 milhões de pessoas
(3/4 da população brasileira)!
O que mais me preocupa, contudo, é o que virá além do risco de ser infectado, que são os desdobramentos econômicos, sociais e políticos que, temo, serão ainda mais agressivos que o próprio coronavírus. Além do risco de perder entes queridos próximos e distantes, meu coração se aperta com a situação, hoje e amanhã, das pessoas mais vulneráveis econômica e emocionalmente. Tenho um amigo que paga a faculdade com o que ganha tocando e cantando no Metrô, uma amiga doente que vive sozinha e um amigo que não tem confortos como TV e Internet, em casa. Como essas pessoas passarão por esses meses de reclusão?
Por isso, apelo: quem tem um pouco a mais do que quer que seja, compartilhe com quem está em falta disso. A hora é de nos mantermos distantes, mas unidos!

Cássio C. Nogueira – Belo Urbano, psicanalista, coaching, marqueteiro, curioso, maluco com CRP, apaixonado pela vida e na potência máxima, sempre!