Posted on

Olhando na janela, esperando voltar

De repente a escola estava vazia. Silenciosa e triste. Sem o coral de vozes habitual, sem o tilintar dos talheres na tão esperada hora do almoço, sem as bolas pulando, sem as cordas batendo, sem os “abraços surpresa” no meio do pátio ou do corredor… Sem as crianças.

Eu tenho certeza que todas as pessoas nesse mundo estão, nesse momento, sofrendo de alguma forma, e uma pessoa muito especial me disse um dia que todas as dores são importantes e por isso, incomparáveis. Mas hoje eu queria muito saber como as crianças estão. Elas e suas famílias. Todas.

Mais do que saber como ficarão os conteúdos, de que forma as aulas serão repostas, qual a logística que as escolas adotarão… como ficará o tão falado ano letivo. Não. Queria saber como as crianças e as suas famílias estão. Quero poder falar com eles. Dizer também da minha angústia e preocupação. Saber se estão comendo. Se estão nervosos, preocupados… Como estão digerindo tudo isso?

Eu estudei, eu li, eu sei a importância da escola, desse espaço, da construção do conhecimento, mas eu sei também que são seres humanos que vivenciam esse processo. Muito se fala sobre a educação, sobre a escola, sobre a formação dos profissionais que lá estão.

Mas não falamos muito sobre dois pontos fundamentais. Primeiro, sobre a vida que é vivida na escola. Sobre a troca que acontece desde que os nossos olhares se cruzam no portão até a hora do ‘Até amanhã tia’. É dessa vida que estou sentindo falta, da troca humana e de tantos aprendizados meus e deles que muitas vezes não constam em currículo. E segundo, do fato de que embora lecionemos “com” as crianças, cada criança representa uma família, e essa família é tão importante no processo educativo quanto as crianças. São importantes pra mim. São importantes pra nós professores. O que é dito, pensado, planejado, sempre levou em consideração esse conjunto de pessoas tão importante, e agora não seria diferente, não se trata de conteúdo, mas de vidas que são queridas.

Nós professoras e gestão temos nos reunido virtualmente, temos estudado, planejado, organizado, sonhado, dentro do possível. Foram criados espaços de aprendizagem virtuais para que o contato com as crianças e famílias aconteça. Um processo, que leva tempo até “todos” se organizarem pra isso.

A escola precisa se reinventar? Sim, há muito o que melhorar. Porém isso não se resume a tecnologia ou algo do tipo. Eu não vou entrar na discussão sobre educação remota ou educação à distância, primeiro por que preciso lembrar que a escola é só uma parte (muito importante) de um sistema que precisa funcionar melhor e talvez se reinventar em vários aspectos. E segundo, porque isso me lembra uma frase do Paulo Freire que alimenta muitos dos meus dias na escola (e tem alimentado agora fora dela também) “Se você não fizer hoje o que hoje pode ser feito, e tentar fazer hoje o que hoje não pode ser feito, dificilmente fará amanhã o que hoje deixou de fazer, porque as condições se alteram”.

Então, nesse momento, eu posso dizer que estamos fazendo o nosso melhor, hoje. Tenho visto colegas se superarem em tanta coisa para conseguir chegar mais perto das famílias de alguma forma, gravando vídeos, arrecadando mantimentos, produtos de limpeza, fazendo cestas básicas chegarem até a comunidade, tenho visto uma rede de apoio florescer nesse campo de incerteza.

Uma das últimas atividades que fizemos foi discutir a “saudade”. Nós lemos um livro que se chama Menina Amarrotada e eles me disseram que saudade é quando a gente sente falta, quando uma pessoa fica longe da outra, quando sente falta da pessoa e dói o coração, querer ficar perto da pessoa e não poder e eles estão cobertos de razão! Eu estou assim, sentindo tudo isso, “olhando na janela, esperando voltar…” E você?

Michelle Felippe – Bela Urbana, professora por convicção e teimosa. Apaixonada por doces, cinema, poesia urbana e astrologia. Acredita que ainda vai aprender a levar a vida com a mesma leveza e impetuosidade das crianças.
Posted on

Busca por soluções – Califórnia – USA – 2020

Dois anos atrás, quando começamos a planejar um sonhado período vivendo nos Estados Unidos, nunca poderíamos imaginar que isso ia acontecer juntamente com uma pandemia mundial. Se, na época, alguém tivesse previsto que o mundo inteiro iria parar, escolas e comércios iam permanecer fechados e as pessoas ficariam em isolamento social dentro de suas próprias casas, eu teria certeza que se trataria de um filme de ficção
científica. Mas não.

E foi um pouco antes disso tudo começar que cheguei em Berkeley, na Califórnia, junto com a minha família (marido, filho e meus pais), para passarmos 7 meses por aqui. Eu e um marido viemos para atuar como pesquisadores da University of California. Deu o maior trabalho conseguir conciliar nossos afastamentos nas universidades brasileiras que
trabalhamos, para que eles acontecessem no mesmo período, providenciar os documentos desse tipo de visto, planejar a mudança e deixar parte da família, os amigos, uma casa para trás. Mas, enfim, viemos. Com muitos planos.

Os dois primeiro meses foram ótimos. Pudemos conhecer a região, nos inserimos em diversas atividades da universidade. Eu e meus pais começamos a frequentar aula de inglês todas as manhãs. Meu filho ingressou na escola, no 2º ano do ensino fundamental. E a vida corria exatamente do jeito que havíamos imaginado. Mas, em março, tudo mudou. Fomos avisados de que tudo seria fechado e que deveríamos fazer o isolamento social. De repente, nos vimos sem acesso as todas as atividades da universidade (as mesmas atividades para as quais viemos até aqui), meu filho sem escola, tudo fechado. Estamos há mais de 1 mês nessa situação. E no país que tem mais casos de contaminação e de mortes no mundo!

Com o passar dos dias, fomos vendo a crise se instalar. Supermercados com
prateleiras vazias, produtos de limpeza esgotados, produtos de proteção (máscaras, luvas) sem previsão de estarem disponíveis em qualquer lugar, loja física ou online. Por sorte, a cidade em que estamos não tem apresentado crescimento dos casos. As pessoas têm se mostrado, em sua maior parte, bastante conscientes, permanecendo dentro de suas casas
ou saindo com todo o cuidado quando precisam.

E me vi questionando: puxa, mas justo agora? O que eu estou aprendendo com tudo isso? Que nem sempre as coisas acontecem do jeito que a gente quer. Todos os meus planos profissionais aqui provavelmente foram encerrados, ainda que a gente vá continuar na cidade até final de julho. Considerando-se que não há nenhuma previsão de encerramento do isolamento, todas as oportunidades que começamos a aproveitar, não
mais farão parte dessa experiência. Do mesmo modo, pensei que a oportunidade do meu filho frequentar uma escola aqui pudesse ampliar sua visão de mundo e seu domínio do inglês, mas isso só durou 2 meses. Ainda que parte das atividades tenham voltado a partir da segunda semana de abril, tanto as aulas de inglês quanto as aulas da escola do Miguel,
oferecidas por meio de plataformas online, não é a mesma coisa.

Por outro lado, estamos aprendendo muito sobre ficar juntos, nos aproximando mais da educação do Miguel, compartilhando sentimentos e percepções. Nesse momento agradeço por estarmos em cinco pessoas aqui e, principalmente, por estar com meus pais aqui junto comigo. Parece que fica mais fácil de enfrentar essa situação. Se eles estivessem no Brasil, e eu aqui, estaria medo por não saber se eles estariam se cuidando adequadamente, se estariam precisando de alguma coisa.

Junto a tudo isso, não posso esquecer que eu e meu marido somos psicólogos. Fica mais fácil por causa disso? Não! Nesse momento somos apenas mais duas pessoas com medo e em casa. Talvez a diferença que isso esteja fazendo envolve dois temas que trabalho: psicologia positiva e criatividade.

A psicologia positiva é um movimento que busca valorizar o que existe de melhor em cada indivíduo. Essas habilidades, como otimismo, esperança, felicidade, podem ajudar as pessoas a encontrarem qualidade de vida nesse momento tão difícil, entender e lidar com as suas emoções e se relacionar com as pessoas ao seu redor. Já a criatividade, pode funcionar como uma espécie de energia adicional que vai nos ajudar a olhar para a situação
por novos ângulos, na busca por soluções para os novos problemas do dia a dia, nos tornando mais abertos e flexíveis em relação ao futuro, nesse momento tão difícil que estamos vivendo. Penso que, mais do que nunca, uma atitude positiva em relação a vida e ao futuro poderá nos ajudar a superar essa fase e sairmos ainda mais fortalecidos. É nisso que acredito.

Tatiana de Cassia Nakano – Bela Urbana, psicóloga, mãe, apaixonada por fotografia, viagens e pela família. Professora do curso de
psicologia da PUC-Campinas.

Posted on 8 Comments

Crônica de uma Pandemia Anunciada

A realidade me fode, talvez por isso eu tenho evitado tanto sonhar. É difícil ter que acordar. Eu tenho me sentido inútil, desnecessário, como se o mundo me quisesse fora, antes ele só não se importava comigo, mas agora ele me nota e me deseja a morte. Mas como matar o que morto já está?

Dramático, né? Eu sei, mas é que tudo que não penso, sinto e eu sinto muito, sinto pra caralho, como um intelectual frustrado, como um escritor com o ego machucado, como profissionais da saúde constantemente ignorados!

Eu minto que tá tudo bem, pinto o quadro do sujeito isolado, mas eu queria alguém do meu lado para chorar, desabafar no ombro amigo, devidamente esterilizados, ambos mascarados, mas com isso eu já estou acostumado, como falei, eu minto, por que eu me sinto um otário quando ainda vejo bares lotados de retardados, alheios ao sofrimento alheio, bicho, eu to cansado…

De tudo e de nada, essa vida, esse dias mal dormidos, esse apocalipse que não chega, tudo é tão ínfimo e vazio, mas ainda assim me enche de medos, anseios, álcool com remédios, insônia e depressão, tesão reprimido, amores omitidos, tudo que eu não disse, tudo o que eu não fiz, tudo o que eu suportei, todos os sapos radioativos que engoli, todos os outros vírus que eu já matei, todas as vezes que eu morri!

Eu queria usar o humor como válvula de escape, mas até isso me escapou e foi pra puta que pariu! Volta aqui, me leva, qualquer coisa é melhor que morrer por conta da incompetência abissal do nosso líder nacional!

Quando tudo desmoronou que a gente não viu? Ou viu e preferiu não ver? É de foder, mas nem é de sexo que eu estou falando, é da agonia, da melancolia, da pandemia, da porra do presidente, da sua corja nazista, racista, machista, eu poderia continuar com muito mais “istas”, mas vamos falar de coisa boa? Vamos falar das lives no insta?

Eu sou hipócrita demais, quando você não entende a minha ironia, o burro é você ou sou eu? Talvez nós dois, de mãos dadas, dois burros alados, caminhando rumo ao precipício ou ao fundo do poço, mas relaxa, não seja pessimista, talvez a gente dê sorte, talvez a gente pule e já esteja transbordado com o gado afogado, eles servirão de ponte para atravessarmos até o outro lado…

Amigo, eu não quero ser um fardo, se eu começar a rir e delirar, me deixe aqui e siga sem olhar pra trás, siga até o próximo paradoxo, porque esse texto já tá muito extenso, eu lhe peço, por caridade, enxergue uma nova realidade, veja o nosso futuro utópico, num Brasil distópico, onde a loucura é a verdade, onde ciência é piada, onde homens grisalhos e de ternos amadeirados sugerem a morte aos menos afortunados, onde celebraremos e reviveremos todas as merdas do passado.

Não, não, não. Espera! Caralho, não era essa estrada, acho que a gente foi pro lado errado!

A verdade irmão, é que ninguém se importa, todos preocupados com o próprio rabo, mas é necessário, temos que sobreviver ao caos e se alguém me disser: “Vai ficar tudo bem”. Eu digo “você está bem? Ah que bom, eu também! :)”

Lucas Alberti Amaral – Belo urbanonascido em 08/11/87. Publicitário, tem uma página onde espalha pensamentos materializados em textos curtos e tentativas de poesias  www.facebook.com/quaseinedito  (curte lá!). Não acredita em horóscopo, mas é de Escorpião, lua em Gêmeos com ascendente em Peixes e Netuno na casa 10. Por fim odeia falar de si mesmo na terceira pessoa.
Posted on

coVIDA19

Muitos chamam de pandemia, eu chamo de limpeza. O planeta vomitando, eliminando tudo de ruim da face da Terra.

Um vírus desgraçado, mal caráter, inimigo, ignorante, sem escrúpulos, imundo, nojento, estúpido, sem noção, ruim mesmo, que estraga, polui, arrebenta, infesta, destrói tudo que vê pela frente.

Chegou a hora da limpeza!
Sobrarão poucos, 1/3, 1/4, 1/5 talvez?

Apenas as boas pessoas ficarão nessa nova Terra, contemplando o novo mar, os novos rios, sentindo a leveza do novo ar, tudo limpo de novo…

O planeta se curando do seu maior mal, o “Vírus Humano”! Simples assim…

Mauro Soares – Belo Urbano, publicitário, diretor de arte e criação, ilustrador, fotógrafo, artista plástico e pontepretano. Ou apenas um artista há mais de 50 anos.
Posted on

ISOLAMENTO

Temos uma  grande contradição,

o problema nunca foi a causa pequena,

focamos nas causas de maior dimensão,

mas o pequeno nos levou à quarentena.

Quase perdemos o nosso rumo,

igual barco à deriva,

como fica o consumo,

na restrição  à  nossa  vida?

Como tudo tem várias perspectivas,

começam logo as iniciativas,

mãe, pai, filho e filha,

juntos no almoço de família.

Que boa chance para nos unir,

mas sempre tem a diferença,

vi que a briga não compensa,

pois não tem para onde fugir.

A casa em ordem é rotina,

se lava até poltrona  e cortina,

mas dá vontade de bater “asa”,

com todo esse  trabalho  de uma casa.

Quem já morou num apartamento,

conhece  a brisa do vento,

 mas como alivia o “stress”,

um palmo de terra para os pés.

Na casa se vê mais defeitos,

pedreiros  deram aqueles  jeitos,

 até  casais apontam (entre si) manias,

que antes  sumiam na dinâmica dos dias.

Olhando todos os dias pela janela,

vemos  que a natureza está mais bela,

mas ainda não vamos  pra galera,

assim nos conformamos  sozinhos,

pois assim também vivem os vizinhos.

Acostumados a pisar fundo,

agora o limite é a esquina,

diferencial será a disciplina,

para continuarmos bem neste mundo.

Rainer Friedrich Hinnebusch – Belo Urbano, professor aposentado de Língua Alemã. Gosta de harmonia, inclusive na língua falada.
Posted on 1 Comment

Amor incondicional

No meio de uma pandemia, um adeus. Dolorido, chorado, de coração quebrado.

Minha Nina. Minha doce cachorrinha de quase 17 anos, uma idosa, um serzinho do bem, da paz, dorminhoca, já com dificuldade de se levantar, um pouco de falta de equilíbrio, um olho já com catarata. Um amor incondicional.  Humilde em seus pedidos . Companheira. Precisava de ajuda e de cuidados. Me ensinou tanto!  Deixou tanto em mim e levou grande parte do meu coração. 

Sou enfermeira aposentada, durante toda minha vida profissional trabalhei em hospital. Cuidando.  Ajudando.

O que não costumo comentar,  é que incontáveis vezes sofri, chorei escondido, orei em silêncio por aqueles que de mim precisavam.

Estudei quando não sabia,  corri atrás dos médicos para me ajudar nas soluções. Ensinei o quanto pude tudo que aprendi.

Mas havia conhecimento. Ações. 

Hoje não. Hoje penso nos meus colegas de profissão e rezo para que se faça a luz. 

Não há conhecimento suficiente para se enfrentar essa batalha com um mínimo de segurança na tomada de decisões.  

Angústia. Esse sentimento tão difícil fazendo parte de cada minuto no dia a dia dos profissionais da saúde.  Não há como não dizer: “Meu Deus!”

Respirar, aliviar, como? 

Há tantas “Ninas” todos os dias nos hospitais.  Devem existir tantos corações quebrados!  Mas com voz suave, riso esboçado e mãos carinhosas.

Meu Deus!  

Ruth Leekning – Bela Urbana, enfermeira alegremente aposentada, apaixonada por sons e sensações que dão paz e que ama cozinhar.  Acredita que amor e física quântica combinados são a resposta para a vida plena. Louca pela Nina  (na foto, já com 15 anos)
Posted on

O Corona Aqui e Agora – Suíça 2020

Hoje, 14 de Abril de 2020, faz um mês que não saímos de casa. Aqui na Suíça, não é proibido sair e também não é preciso autorização para tal, mas a situação lá fora faz com que fiquemos tranquilos e solidários com quem precisa sair para trabalhar e para com as pessoas mais vulneráveis. E assim é com a população em geral aqui, provavelmente, o resultado natural da responsabilidade e disciplina enraizadas neste país. 

Enquanto isso, muitos procuram quem são os culpados, outros fazem previsões para cenários futuros diversos, outros negam a realidade como uma forma de proteção e outros ainda tentam politizar ao máximo a situação, como é o caso no Brasil. Porém, todos estão tendo que, em algum momento, olhar para si mesmo. O olhar passa a ser mais interior que exterior. Antes, não havia muito tempo para isto.

Se o vírus surgiu no mundo animal, no laboratório, através da 5G, ou na própria Terra, aí está ele, com seu poder invisível, sem limites geográficos, étnicos, culturais, temporais ou espirituais. Porém, todos têm que colaborar segundo a coletividade, de um dia para o outro acabou a preponderância do individualismo. A solidariedade e o altruísmo passaram em primeiro plano.

Ele chegou sem pedir licença e exigiu que tudo fosse redimensionado: o tempo, o consumo, a economia, a alimentação, as viagens, as relações entre as pessoas, as famílias e as prioridades.

Analisando as suas consequências físicas no corpo humano, ele atinge principalmente os pulmões, órgão que, na medicina chinesa, está ligado à tristeza. Assim, podemos refletir, como estava a humanidade até então e a própria condição dos nossos recursos naturais.

Observando os centros de energia do corpo, conhecidos como Chakras, o pulmão é um dos órgãos ligados ao Chakra do Coração. Chakra ligado ao sistema respiratório, lembrando que a primeiro e a última coisa que fazemos, enquanto estamos visitando este planeta, é inspirar e expirar, respectivamente. Somos submetidos a pensar que não depende de nós a capacidade de inspirar e expirar e, por fim, nos perguntamos quantas vezes agradecemos o respiro que nos é dado e permitido para estarmos aqui e agora. 

Além disso, há outro órgão ligado à este Chakra, como o próprio nome diz, o coração, que representa o amor incondicional, o perdão, a compaixão. Mais uma vez refletimos, como andavam estes sentimentos na nossa sociedade, quanta escassez de tudo isso!

No nível dos sentidos, o Chakra do Coração está ligado aos braços e mãos, ou seja, o Tato e, de repente, não podemos abraçar…temos que manter dois metros de distância uns dos outros. Quando queremos bem e gostamos de alguém, naturalmente, queremos abraçar a pessoa, pois os corações se aproximam, acolhemos com o coração. Pensamos quantas oportunidades de nos abraçarmos que deixamos passar.

Quanto à seu nome e aparência, Corona, ou Coroa para nós. Mais uma vez, lembramos dos centros de energia do corpo e do Chakra Coronário, no topo da cabeça, ligado à nossa espiritualidade e transcendência. Nossa capacidade de despertarmos através do corpo fisico. Parece que é agora ou nunca…

Mais do que nunca, somos obrigados a aprender a estar no estado de consciência plena – conhecido como ‘mindfulness’ – estar no aqui e agora. O ser humano é escravo do seu sofrimento por estar nas lembranças do passado ou nas incertezas do futuro, esquecendo-se que a vida acontece no presente. Agora, sem muita opção de escolha, aprendemos a estar no momento presente, aqui e agora.

E é neste cenário que, virtualmente, eu e meus alunos, que em certos momentos passam a ser também meus professores, compreendemos o verdadeiro sentido da prática do Yoga. A palavra Yoga vem do sânscrito “Yuj” e quer dizer União, colocar junto, aproximar. Unir o corpo fisico e mental, o material e o espiritual, a energia masculina e feminina, em um equilíbrio perfeito. Mesmo através da distância, a lição continua sendo somos todos Um.

Viviane Hilkner – Bela Urbana, publicitária (PUCC) e Profissional de Marketing (INPG). Atuou na área, no Brasil, em agencias de publicidade e meios de comunicação, e, na Itália, em multinacionais no Trade Marketing e Brand Development & Licensing. Morando na Suiça, mudou seu estilo de vida e apaixonou-se pela prática de Hatha Yoga. Ansiando compartilhar esta prática e sabedoria milenares, forrnou-se professora.Atualmente, ensina no Centre Kaizen e no Club de Yoga da Associação de Esportes e Lazer da Nestlé.Organiza Workshops e Retiros de Yoga na Suíça e no exterior, principalmente, na Grécia.Sua profissão tornou-se hobby e seu hobby, sua profissão.




Posted on

Dona Alba, Frederico e Odorico

Gente, aqui na rua de casa já estávamos todos aguardando o falecimento da Dona Alba. Não era idosa ainda, beirava os 59 anos, mas já tava bem doentinha, tadinha. Tinha diabetes, pressão alta, trombose, diverticulite, gastrite, teve pancreatite, tendinite, bursite, frescurite, reumatismo, dor de dente, derrame, enfarte; fumava dois maços de cigarros por dia, era obesa, além de gostar de uma pinguinha. Bateu com as botas ontem, coitada. Nem fizeram autópsia, morreu dormindo e feliz. Foi pro céu, que Deus a tenha. Família foi pegar atestado de óbito e constava na causa mortis: Covid 19.
Todo mundo achou estranho, afinal estavam todos engaiolados há mais de 20 dias…vizinhos levando marmita… Mas acabaram ficando felizes. Na capa do jornal da pequena cidadezinha, pelo menos Dona Alba foi homenageada. Saiu até foto dela com os gatos! Tudo bem que morreu de outros “probleminhas”, já tava na sua hora, mas se não fosse o tal do “coronga”, não teria saído na capa do jornal. E esse era esse seu maior sonho: sair no jornal com foto dos seus bichanos, Frederico e Odorico.

Angela Carolina Pace – Bela Urbana, publicitária, mãe, tem como hobby estudar Leis. Possui preferência por filmes de tribunais de todas as áreas jurídicas.

Posted on 2 Comments

A MUDANÇA NA LINHA DE FRENTE

Acabei de terminar o turno na ala Covid-19. Olho-me no espelho: tenho um C no nariz pela máscara N95 que uso o tempo todo. Marcas profundas no rosto deixadas pelos elásticos; meus olhos parecem cansados, meu cabelo está úmido de suor. Não sou mais médico e ser humano – agora sou apenas médico, soldado na guerra contra o vírus.

Antes de começar o meu turno, tenho que vestir o equipamento de proteção – é quando eu sinto a adrenalina: você está na sala com seus colegas, tenta contar uma piada, mas nossos olhos refletem nossa preocupação em nos proteger adequadamente enquanto realizamos todas as etapas do processo de vestir: luvas, avental , segundo par de luvas, óculos, gorro, máscara, viseira, sapatos, capas para sapatos. Me torno uma pessoa irreconhecível! Ainda preciso lidar com más notícias: outros profissionais da área da saúde morreram hoje em decorrência do COVID-19. Soldados mortos em batalha…..

Entrar na enfermaria é como entrar em uma bolha: todos os sons são abafados pelo equipamento pesado. Nos primeiros 10 a 15 minutos, você não vê nada, porque sua respiração embaça a viseira até que ela se adapte à temperatura e então você começa a ver algo entre as gotículas de condensação. Você entra, esperando que as capas dos sapatos não se soltem como de costume, e o turno comece.

Você segue as instruções de seus colegas exaustos no turno anterior: organizamos as tarefas e começamos a visitar os pacientes: o paciente jovem que você estava prestes a intubar no outro dia está melhorando, o idoso está morrendo, a freira ainda está brigando e a enfermeira do hospital não está indo bem … Você vê rostos que não conhece e outros que conhece muito bem, rostos de pessoas que trabalharam em sua ala até apenas algumas semanas atrás.

É incrível a rapidez com que tudo mudou. Sua rotina de pesquisa e clínica parecem coisas de um passado recente que não voltará tão cedo. As horas passam e seu nariz dói mais e mais, a máscara corta sua pele e você mal pode esperar para tirá-la e finalmente respirar. Respirar. É o que todos nós queremos hoje em dia, médicos e pacientes, enfermeiros e profissionais de saúde. Todos nós. Nós queremos ar.

Finalmente, chega o fim do seu turno, 12 horas cada vez mais longas e mais intermináveis ​​de sede, fome e necessidade de se aliviar, coisas que você não pode fazer quando está de plantão: beber, comer ou ir ao banheiro significa tirar o equipamento de proteção. Muito arriscado. E muito caro. O equipamento de proteção individual (EPI) é precioso, e retirá-lo significa ter que substituí-lo, reduzindo a quantidade disponível para seus colegas. Você precisa ser econômico, resistir e usar uma fralda que você espera que não precise usar, porque sua dignidade e seu estado psicológico estão comprometidos o suficiente, pelo trabalho que você está fazendo, pelo olhar nos rostos dos pacientes , as palavras de seus parentes ou quando você os chama para atualizá-los de acordo com as condições de seus entes queridos. Alguns pedem que você deseje um feliz dia ao pai, outros que digam à mãe que a amam e lhe dão carinho … e você faz o que eles pedem, tentando esconder de seus colegas as lágrimas nos seus olhos. Aquele paciente que estava mal falece nas suas mãos, independentemente dos esforços sobre-humano de toda a equipe. Sangue, suor e lágrimas. Bem isso mesmo!

O fim do turno chega, reforços chegam, outros colegas assumem. Você lhes dá instruções, o que fazer, o que não fazer. Você pode ir para casa, mas primeiro precisa tirar as proteções e deve ter cuidado – cuidado com cada movimento que fizer. A remoção do equipamento de proteção é outro ritual que deve ser realizado com calma, porque tudo o que você está vestindo está contaminado e não deve entrar em contato com a sua pele.Você está cansado e só quer fugir, mas deve fazer um último esforço, concentrar-se em cada movimento que fizer para remover todas as proteções. Cada movimento tem que ser lento. Você pode finalmente tirar a máscara e, quando a tira, sente uma dor lancinante pelos cortes sangrentos que ela fez no nariz. A fita era inútil – não impedia que seu nariz sangrasse ou doesse. Mas pelo menos você é livre. Você veste um uniforme e vai para o vestiário.

Você se veste, sai do hospital e respira fundo. Entre no carro. Quando você chega em casa, precisa ficar vigilante novamente. A entrada já está organizada como a área de roupas do hospital, porque você não pode arriscar contaminar a sua casa. Você se despe, coloca tudo em uma bolsa e toma um banho quente rapidamente: o vírus pode sobreviver até em seu cabelo, então você precisa se lavar bem. Muito bem! Somente depois deste ritual, posso enfim ficar ao lado de minha família. Ufa!

Acabou. A mudança acabou, a luta está apenas começando.

Dedicado á todos os profissionais da saúde.


Rodrigo Afonso Sardenberg – Belo Urbano, cirurgião torácico em São Paulo, corintiano, gosta de viajar, extremamente educado, um gentleman.
Posted on

Na vida uma trena é mais útil que uma régua

Há alguns anos eu recebi um presente de uma plataforma online: um livro (virtual) e a chance de presentear mais duas pessoas com o mesmo link de leitura.
O livro diz sobre o sagrado feminino, eu já li e acho a história digna de muitas releituras e estudos.
Fiquei feliz demais e na hora já pensei nas duas mulheres, amigas, que eu gostaria de presentear. Uma delas é minha contemporânea de maternidade, um exemplo de força e determinação e a outra uma mulher muito sábia que passava por um momento profissional difícil e vivia o ostracismo mais dolorido que eu já acompanhei.
Encaminhei o link com o coração pleno de certezas e liguei para comunicá-las em viva voz que eram minhas escolhas.
A primeira, Beatrice, recebeu como se fosse uma joia. Disse que devoraria palavra a palavra do que ela chamou de aventura da primeira leitura totalmente virtual. Conversamos e rimos por alguns longos minutos, num papo bom e cheio de gratidão.
A segunda, Marta, me deixou atônita com o telefone no ouvido e um nó no peito. Ela respondeu seca que não tinha tempo para esse tipo de leitura, que estava numa fase de cuidar do espírito e se detinha à literatura religiosa que, de acordo com suas palavras, acrescentavam luz à sua formação moral e lhe permitiam a evolução. Não digo que foi grosseira, mas, soberba. Agradeceu e eu me desculpei, me sentindo a inconveniente que leva chocolates para diabéticos.
Naquele instante dois pensamentos me cutucavam: joguei fora uma oportunidade, já que uma vez enviado o link, era irrevogável; e, como alguém que eu julgava inteligente, se prestava a esse tipo de limitação?
Por dias amarguei minha indignação.
Até que me lembrei de uma frase do Umberto Eco que diz “nem todas as verdades são para todos os ouvidos” e passei a olhar Marta e sua busca por evolução com outro ânimo.
A vida dela estava de ponta cabeça, os sonhos enterrados, a força minada, e a religião era o seu bote salva-vidas no meio do oceano.
Não tinha como ela desviar sua atenção para brisa ou para o céu… Sobreviver exige esforço total.
Assim, eu aprendi sobre o mundo possível.
Cada um tem uma trena do (seu) possível. Trena e não régua, porque a gente avalia quando esticar ou recolher à medida que vive. É maleável, programável e se vale da nossa disposição e autonomia.
Essa metáfora me confortou e abriu espaço em mim para continuar em contato com a Marta, sem ressentimentos.
Por que contar essa história em plena pandemia?
Porque eu me dei conta que estamos vivendo o nosso possível.

Vejo as pessoas discutindo sobre o que é melhor pensando apenas nelas e sensação do conflito entre a régua e a trena volta a me cutucar.
Esse drama de muitas vezes quando alguém defende algo que não concordamos nos fazermos reféns das nossas convicções (ou daquelas que nos parecem mais seguras), mas esquecermos de reconhecer as
impossibilidades que nos cercam.
Dentro das nossas contradições, queremos paz e fechamos os olhos, crentes de que estamos envolvidos e esclarecidos.
Deixamos de vislumbrar o que mostram outros pontos de vista de considerar o que vem a ser a medida do possível para cada um.

Dany Cais – Bela Urbana, fonoaudióloga por formação, comunicóloga por vocação e gentóloga por paixão. Colecionadora de histórias, experimenta a vida cultivando hábitos simples, flores e amigos.