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CONFISSÕES “DA ÚLTIMA BOLACHA DO PACOTE”

Sim, sou a última bolacha do pacote e preciso urgente fazer minhas confissões, estou cansada de ser tão malvista, preciso me confessar, todos confessam, tem confissão para tudo. Confissões de adolescente, de mulheres de 30, de homens, tem até confissão de órgão íntimo, então nada mais justo que eu – a última bolacha do pacote – me confessar.

Sim, preciso urgente fazer essas minhas confissões, afinal a minha imagem, essa que está na boca do povo, não é justa, ninguém está vendo meu lado.

Confesso que, por causa de toda essa falação, fui fazer análise. A fama por um lado é boa, mas ser taxada de forma tão antipática me incomoda profundamente. Confesso que estou tentando entender de onde esse boato surgiu, mas não achei explicação para isso.

Vou compartilhar meu doce coração com vocês. Sim, sou a última bolacha do pacote, é certo que sou gostosa, chego a dar água na boca de alguns, tenho recheio, aliás, tenho dois, morango e chocolate. Melhor ainda, sou waffer, não é pouco, não, não sou qualquer uma, sinceramente sou uma delícia, mas é só dessa forma que os outros me veem, ninguém vê meu lado sensível, ninguém vê o conteúdo do meu recheio, todo este meu sofrimento. Incomodo porque sou gostosa?

Sim, eu sofro, e aposto que ninguém imagina o porquê. Alguém se atreve? Sofro porque sobrei. Sobrei, sou a última. Estou sozinha e não sei para onde vou, minhas colegas, todas elas já foram para sua nova vida, já se renovaram, transmutaram, já experimentaram a delícia de serem saboreadas até o fim, mas eu não, ainda continuo por aqui, somente sendo desejada.

Pode ser que ninguém me queira e que eu vá parar em um lixo qualquer. Discuto muito isso na análise, meu analista me incentiva a ter o foco mais voltado para minhas qualidades, para eu ser autossuficiente e esquecer esta necessidade urgente que sinto de ser saboreada, pois ninguém quer uma bolacha, por mais gostosa que seja, desesperada. Meu Deus, o que faço então? Finjo? Porque confesso que ainda não aprendi essa lição e espero urgentemente ser devorada.

A questão de ser a última bolacha do pacote nunca foi fácil, fui a primeira a ser embalada, só tive uma vizinha a vida inteira e – pior – era chatésima, se achava a mais gostosa do pacote. Exatamente vivendo como eu, só a primeira bolacha, mas nunca conseguimos ser próximas e falar dos assuntos em comum, porém a situação dela ainda era melhor, foi embora logo, foi a primeira, penso que deve ser uma grande sensação ser a primeira… E as outras? Todas tinham mais companhia que eu, sempre duas vizinhas… Quantas vezes chorei olhando para a minha embalagem, só isso me sobrava.

Essa fama que roda o país me deixa péssima, mas confesso aqui, bem baixinho, que também me ajuda no ego ferido, de alguma forma parece que sou eu que não quero nada e prefiro continuar nessa situação, escolhendo quem vai me levar, mas a verdade não é essa, confesso aqui agora, abertamente, para vocês, não é nada disso.

Pareço inatingível porque sei que sou “bonita e gostosa” e meu lema é “sei que você me olha e me quer”. Meu analista diz que tenho que parar de me inspirar na letra das Frenéticas, mas ele não entende que frenética estou eu, que preciso urgente de uma boca loca que me queira devorar, cansei de ter somente que me achar.

Confesso, por fim, e no mais alto e bom som, cansei de ser metida, preciso mesmo é ser comida.

Então serei direta. Que tal você aí? Não quer experimentar?

Da gostosa e última bolacha de waffer recheada de morango e chocolate do pacote.

 

Adriana Chebabi

Adriana Chebabi – Bela Urbana, idealizadora do Belas Urbanas onde é a responsável pela autoria de todos os contos do projeto. Publicitária, empresária, poeta e contadora de histórias. Divide seu tempo entre sua agência Modo Comunicação e Marketing www.modo.com.br, suas poesias, histórias e as diversas funções que toda mãe tem com seus filhos.

Desenho bolacha: Synnöve Dahlström Hilkner

 

12 opiniões sobre “CONFISSÕES “DA ÚLTIMA BOLACHA DO PACOTE”

  1. Adorei o texto, muito bem escrito, com muito sentimento e muito profundo.
    Na minha análise, a ultima bolacha do pacote é a mais disputada, pois a última é sempre a mais gostosa. Não se esqueça que esta bolacha do pacote tem um detalhe muito importante, sempre tem um gostinho de quero mais… e isso fica na mente sempre. Pode ser quebrada, esfarelada, faltando pedaços mas sempre será comida com muita calma pois é a última, de sabor inigualável.
    Todos somos carentes, mas essa culpa não é nossa, a culpa é da globalização, internet, sites sociais, quanto mais tecnologia aparece mais nos sentimos afastado das pessoas que amamos, ressalte-se, o fato de quanto mais juntamos a família mais percebemos que estão todos nos seus smartfones falando em whatsapp, twitter, agora temos até pau de selfie… Essa solidão é contundente, quando percebemos o famoso “selfie ou selfies” pessoas sozinhas mostrando uma ilusão da alegria.
    Bom finalizando, tudo o que está acabando seja quebrado seja esfarelado seja a ultima bolacha do pacote ela sempre será única em todos os sentidos. A última é sempre a primeira a ser lembrada, com o gostinho de quero mais, pois é a mais saborosa. beijos

    1. André, é isso mesmo, a última deixa sempre o sabor do quero mais. Obrigada querido, bjs

  2. Adorei!!!! 🙂

    1. :), que ótimo!!! Obrigada Mirian.

  3. Adriana, adorei!!! não conhecia o Belas Urbanas, parabens! Grata surpresa, bjao!

    1. OI Cris, que legal que gostou!!! Acompanhe as postagens, bjs

  4. Tive o privilégio de ler em seus “rascunhos” ainda.Ser sua fã é pouco!!!!Amei mais uma vez!!!!!

  5. Cris, obrigada!! Que legal que gostou, acompanhe as postagens, bjs

  6. Muito gostosa esta estória. Gostosa e comestível! A interferência do analista dá sustentação à dualidade do tema, pois pode ser você, ou eu, nunca mais uma bolachinha inanimada.A última bolacha é o ser carente, mas cheia de vida, cheia de sonhos, imagens, visões dos outros e de si própria, emitindo juizos de valor. Surpreendente. Beleza!!!! Este tema dá muito papo. Bjs.

    1. Ótima reflexão Marilda!!! Realmente, talvez todas nós tenhamos um pouco da última bolacha do pacote vivas em nós.

  7. Muito bom, adorei.

    1. Que bacana que gostou,semana que vem tem mais!! 🙂

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