Temos cada vez mais discutido as relações abusivas sempre dentro das relações entre sujeitos da relação, tanto aspectos dos abusadores quanto das vítimas, um debate urgente e extremamente necessário. Nesse sentido, observamos, discutimos e disseminamos características que nos alertam sobre como identificar, evitar, combater e denunciar atitudes abusivas que aparecem no abusador, perpassam a relação, atingindo o abusado, provocando toda sorte de traumas, prejuízos e sofrimento.
A questão que coloco aqui é adicional a esse debate. Quando não há um sujeito no lugar do abusador, mas sim uma instituição ou mesmo uma mensagem abusiva, o que devemos fazer? A ideia aqui é pensar: quando essa entidade que abusa não é um indivíduo, como devemos proceder?
Podemos usar exemplo claro: O corpo de discussão em torno da violência domésticas moveu e move a sociedade a compreender os sinais precoces dessa ocorrência, ajudando pessoas a evitar situações e pessoas, a buscar ajuda e, em última instância, debater ferramentas sociais que possam tipificar criminalmente esse tipo de violência, coibindo e punindo os abusadores. Assim, surgiu, por exemplo, a lei Maria da Penha, que por sinal homenageia a cidadã que militou fortemente nesse debate, após ser vitimada por esse crime.
Mas quando o abusador não tem cara definida, perdemos o referencial e a potência dessas ferramentas sociais de informação e justiça. Quando instituições ou uma enxurrada de conteúdo informativo surge, congregando indivíduos com comportamentos abusivos validados por esses conteúdos e instituições, temos condição de punir pontualmente individuo por individuo ou devemos agir contra essas instituições e mensagens nefastas?
É importante aqui definir o que são mensagens e instituições: Mensagens são ideias traduzidas em discurso, em texto, voz, ações, imagens, vídeos e qualquer suporte que possam disseminar e defender um comportamento abusivo de forma impessoal. Mensagens são construídas por pessoas que, muitas vezes fazem parte de instituições organizadas. Já as instituições são grupos de pessoas que se organizam formalmente em torno de algum objetivo em comum e que, por algum interesse particular, disseminam e validam atitudes abusivas.
Instituições usam de mensagens para disseminar seus ideais, objetivos e ações numa relação umbilical e, por não serem sujeitos passiveis de punição direta pelo ato, podemos responsabilizar seus autores ou líderes, as mensagens e instituições ainda podem continuar agindo.
Um meme, um vídeo, uma montagem ou postagem podem conter uma mensagem abusiva. Um grupo político, religioso, de assistência social pode validar ações coletivas de caráter abusivo. Mesmo um arranjo familiar é uma instituição, onde mensagens podem circular com a validação moral necessária para abusos injustificados. Mensagens e instituições são complexas, podem ser ambíguas, confusas e contraditórias, mesmo que, em seu discurso e atuação, demonstrem coerência e até boas intenções.
O objetivo desse ensaio reflexivo é colaborar com o debate sobre relações abusivas, extrapolando a análise dos indivíduos que compõe a relação abusador-vítima, entendendo que também nos relacionamos com instituições, mensagens, ideias e outras entidades que não personificam da mesma forma as estruturas abusivas que formam nossa sociedade, merecendo atenções específicas, combates específicos e ferramentas de identificação e coerção desses abusos, buscando, um efetivo progresso que garanta uma evolução social para todos.