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Gosto, desgosto.

Gosto do calor, mas amei conhecer os flocos de neve.
Gosto do dia, mas adoro dormir e sonhar!
Gosto de banho quente, mas o gelado do sorvete me diverte.
Amo as flores, cores, mas é dificil o processo; requer dedicação. Todo resultado é um processo, gostando ou não.
O gosto amargo é o meu preferido, mas não digo o mesmo para as pessoas. Amargo na vida, só se for café, chocolate ou cerveja.
Gosto de gente, mas, pensando bem, as crianças são as gentes que mais amo. Ficar ao lado delas é minha escolha gostosa.
Gosto mais de salgado. E o doce deixo para o bolo ou docinho na festa. Adoçar o corpo é, na verdade, às vezes, acalmar a alma.

Gosto de viver.
Adoro viver!
Nem tudo é gosto. O desgosto nos acompanha em grande parte da caminhada na vida.
O desgosto é o gosto decepcionado.
Desgosto é o gosto frustrado.
Mas a vida é assim, cheia de antagonismo, e, pra quem gosta de viver, faz do desgosto o motivo para lutar e seguir!

Vera Lígia Bellinazzi Peres – Bela Urbana, casada, mãe da Bruna e do Matheus e avó do Léo, pedagoga, professora aposentada pela Prefeitura Municipal de Campinas, atualmente diretora da creche:  Centro Educacional e de Assistência Social, ” Coração de Maria “

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Botões

Eu e os meus botões.
Tem horas que da um aperto.
Tem horas que eles são apertados.
Tem horas que eles me apertam.
Tem momentos que vejo e
Tem momentos que eles são mostrados.
Botões aonde vcs estão?
Tem horas que escuto e Tem horas que só escuto o silêncio dos botões.
Tem horas que vem muito barulho.
Tem horas que vem uma paz
Será que apertei o botão certo?
Tem horas que vem a dúvida,
Aonde fui ou aonde os botões me levaram
Aonde estou
Sou um botão?
Sou a soma deles.
Sou o todo.
Haaa botões.
Eu e os meus.

Octavio D’Avila- Formado em Psicologia, terapeuta Ayurvedico. Quando nasceu seu filho, nasceu dentro dele um escritor que descreve detalhes da vida, captura momentos preciosos, momentos que muitas vezes passam despercebidos.
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Existe um eu sou?

Somos aquilo que pensamos ser? Será que me vejo a partir do meu próprio olhar
ou através do olhar dos outros — a começar pela família e, posteriormente, pela
sociedade — que nos impõe valores e comportamentos com a promessa de que
seremos aceitos e amados?

É verdade que nascemos num mundo factual, onde as coisas já estão dadas e
sobre as quais não temos o menor controle, como o lugar de nascimento, a
família, a cor da pele, entre outros. Somos frutos da nossa época, com a sua
historicidade, cultura e contingências.

A princípio, somos natureza in natura, expressando-se na sua potência de ser e
existir. Ao interagir com o mundo, experimentamos uma força de expansão e
criação — sobretudo de nós mesmos. Neste estado, onde o existir se assemelha
a uma experiência de comunhão com o mundo e com o outro, tudo se entrelaça,
favorecendo a continuidade do ser e tornando-nos uma versão inédita de nós
próprios.

Nesta perspectiva, o sentir e o pensar estão integrados, de tal modo que as
palavras não conseguem conter a linguagem dos afetos — são apenas pontes
entre a experiência partilhada e o indizível do mundo particular que compõe cada
um de nós.

Seguimos pela vida em busca de nós mesmos — ora vivenciando algo mais
próprio, ora nos perdendo em meio aos discursos e falatórios da cultura a que
pertencemos. Todavia, a doce e terrível angústia de ter de ser as minhas
possibilidades, num mundo fluido e dinâmico, convoca-me a transformações e
realizações.

Quando estamos abertos para compor com o fluxo da vida, renunciando à
segurança de um pertencer engessado — isto é, aceitando que não podemos
deter a vida, pois ela nos escapa por entre os dedos — somos então lançados à
aventura de nos criar e recriar na novidade de cada instante.

A ideia de controle retira-nos do movimento da vida, reduzindo o ser a uma
representação daquilo que gostaríamos que fosse. Todavia, não há nada mais
real e potente do que sermos nós mesmos. A busca pela perfeição objetifica-nos
e rouba-nos a beleza do fazer-se e do tornar-se aquilo que se é. É interessante
pensar que um lindo vaso de argila, na sua origem, foi apenas uma massa
disforme; porém, quando moldada pelas mãos de um artífice, transforma-se
numa obra de arte. É possível imaginar a vida como movimento, de modo que
em algum momento, no tempo e no espaço, tal vaso possa retornar à sua origem.
Viver é um estado de permanente recomeço. Noite e dia ressurgem, a cada vez,
de modos diferentes e, assim, passado, presente e futuro encontram-se num
fazer contínuo. A bagagem do passado serve-nos de matéria-prima, que será
atualizada pelo presente, tornando-se a semente para um futuro que já desde
sempre começou. O futuro é um esboço de um amanhã que será preenchido, a
cada dia, ao seu modo. Somente ao final de uma vida podemos vislumbrar a
obra concluída — e não há nada mais sublime do que perceber-se coautor da
própria existência.

Somos complexos, múltiplos e diversos, pois, a cada instante, surgem inúmeras
possibilidades de novos arranjos e combinações com a experiência vivida.
Considerando, assim, as infinitas possibilidades que se apresentam diante de
nós e a finitude que nos constitui, é inevitável lidarmos com a dor de ser e deixar
de ser. Afinal, para que algo possa nascer como possibilidade vivida, outras
possibilidades precisam ser inviabilizadas — ao menos naquele instante no
tempo.

Considerando que somos uma metamorfose ambulante, como cantou Raul
Seixas, na origem de tudo encontra-se um existir vazio, mas potente de
possibilidades — um lugar nunca preenchido, de onde emana o ato criativo.
Podemos, assim, transcender a finitude da vida quando, ao contemplar as
infinitas possibilidades, damos o salto de fé — mergulhando na direção de
algumas delas, não com a pretensão de acertar, mas com o intuito de uma
expansão e autor realização.

O salto de fé projeta-nos para fora, levando-nos, paradoxalmente, a mergulhar
mais fundo em nós mesmos. Tal como as plantas que se estressam no outono
com a chegada do inverno, também aprofundamos nossas raízes para, mais
tarde, florescer com maior vigor.

Às vezes, devido às nossas inseguranças, sentimos necessidade de nos apoiar
em coisas — como a grife de uma roupa, o copo de cristal, um lugar turístico,
entre outros — em busca de garantias para um bom encontro. No entanto,
quando o bom encontro realmente acontece, tais coisas tornam-se irrelevantes.
A vida é assim: quando tentamos definir o que é dançar, perdemos a dança.

Pensar a vida fora da experiência vivida é um trabalho infrutífero — oferece-nos
apenas a ilusão de algo possível para além da nossa própria trajetória singular,
feita de dores e alegrias. Crescer envolve uma dor necessária, pois novas
estruturas estão sendo forjadas para que novas fontes de vida possam nascer e
jorrar do nosso interior.

Maria das Graças Guedes de Carvalho – Psicologa. Ama a vida e suas dádivas como ser mãe, cuidar de pessoas e visitar o mar.

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Cantar rima com vida!

Uma amiga me perguntou um dia…
O que rima com amar?
E imediatamente eu disse:
Cantar!
Porque cantar é minha paixão!
Jogo no canto toda minha aflição,
mas também jogo toda alegria
Que bom seria se a vida fosse toda musical!
Mas… pensando bem…
Nossa vida é com uma partitura!
Cheia de altos e baixos como os tons graves e agudos…
Se não canto…
Perco o encanto pela vida…
Me sinto perdida
É como se minha’lma aflita
Chorasse um pranto mudo…
Sem lágrimas…
Uma angústia sem fim…
Por isso…
Amar,
Rima com cantar…
Que pode rimar com vida,
Porque se não canto, não vivo!
Cantar rima com… respirar!
Se não respiro fico sem ar…
Então…
Se não canto… vivo por viver!
Cantar…
Amar…
Respirar!
Rima boa de se encaixar!
E se não tem rima propriamente dita nesse poema…
Deixe assim… porque é meu o tema…
É meu o sentimento…
Que tenho a todo momento de sentir até num simples vento… a música a me sussurrar!
E se saio da rima convencional…
Não faz mal…
Insisto em dizer:
Cantar rima com vida, sim!
Porque pra mim, cantar, faz meu coração disparar!
Então… um brinde à música!
Um brinde à vida!

Alê Torres – Atriz voltada para a comédia, mas sua paixão é cantar.  Também ama teatrar! Verbo inexistente… mas com um significado enorme! O palco a encanta! Ama flores, chocolate e o amarelo, acha singelo o cantar de um pássaro! Gosta de brincar com as palavras e transformar em versos e poemas! Quase morreu na pandemia, mas foi forte e sobreviveu, perdeu sua família, mas está aqui para contar sua história.
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Saudade da ausência futura

O marido de Laura viajou e ela ficou na cidade que mora com a filha adolescente, Liz, que em apenas alguns meses iria viajar e permanecer distante por um ano, a filha, de 16 anos se alegrou com a possibilidade de compartilhar a cama com a mãe por alguns dias e Laura se encheu de ternura por Liz ainda gostar de dormir com ela, esses momentos eram inestimáveis, as risadas, as conversas antes do sono, Laura ainda vive o luto da infância da filha que se foi, a adolescência traz muitas mudanças e mãe e filha sempre se deram muito bem, mas conforme Liz foi se tornando mais velha vieram os conflitos, os mal humores, as palavras atravessadas, a rebeldia, o relacionamento delas nem sempre era tranquilo e Laura tinha consciência que eram mudanças inerentes à essa fase da vida de Liz, nem por isso menos desafiadoras.

Em um desses dias Laura pediu para a filha arrumar a cama, Liz não gostou, respondeu rispidamente que não iria arrumar e que isso não era importante para ela, não queria perder tempo com isso, se para dormir com ela era o preço que teria que pagar, voltaria para seu próprio quarto, pegou seu travesseiro e edredom e revirando os olhos e pisando forte no chão, saiu batendo a porta do quarto de Laura, a mãe  tentou conversar, não compreendeu a ira da filha, Liz não quis conversa, Laura disse: “não vou aceitar que volte”, pronto, ponto final, não dormiriam mais juntas.

Laura sentiu uma dor quase física e chorou, chorou copiosamente como se alguém tivesse morrido, a filha estranhou essa reação tão intensa da mãe por uma simples discussão das muitas que tinham rotineiramente, a mãe seguiu chorando por muito tempo, horas depois Liz se aproximou de Laura e pediu desculpas, explicou que estava ocupada com seus afazeres e o pedido  para arrumar a cama veio em hora errada, se incomodou, e do alto de sua rebeldia adolescente veio a negativa, perguntou para a mãe como poderiam fazer as pazes e tentar resolver o drama, e por fim voltaram a dormir juntas e felizes na cama de Laura, Liz levou o edredom e travesseiro de volta, se abraçaram e se perdoaram.

Mais tarde em suas reflexões, Laura ainda comovida com a briga, a tristeza, a mágoa, o choro, a intensidade dos próprios sentimentos tentava entender e processar toda a “novela” que vivera, perguntava-se se a menopausa teria a sua participação em tudo isso, talvez sim, talvez ter ficado sozinha na cidade sem o marido, talvez um dia difícil e cheio de responsabilidades e desafios, talvez os pais envelhecendo e a vida que de constante, só mesmo a mudança, talvez a antecipação da saudade, essa que doía mais que tudo da ausência que sentiria de Liz em breve, muito breve.

Eliane Ibrahim – Bela Urbana, administradora, professora de Inglês, mãe de duas, esposa, feminista, ama cozinhar, ler, viajar e conversar longamente e profundamente sobre a vida com os amigos do peito, apaixonada pela “Disciplina Positiva” na educação das crianças, praticante e entusiasta da Comunicação não-violenta (CNV) e do perdão.

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Máscaras

Quem sou eu escondido neste sorriso, brincadeiras e animação?
É fácil ver o quanto quebrado está meu coração, ansioso e perdido. Escondido na brincadeira junto da cerveja, a carapaça perfeita.
Você que vê de fora esquece que outrora já sorri, não como sorrio agora.
Uma trinca tão trincada que desmembra quem entra, retorce quem ousa tentar torcer .

Ser em si e de mim, dolorido, caro pelo amor genuíno, prisão de dor sem sentido. Leve certeza de que não tem conserto para os erros e medos que doem.
Ainda existo? Calado e sem gritos, que vontade confusa de chorar, cortar até exaurir o que existe dentro de mim.
Que sonho, os olhos inchados de lágrimas e o coração liberto dos medos que me envolvem.
“Ela se jogou da janela do quinto andar, nada fácil de entender”, será?
Para quem sente o vazio consumir o seu ser sabe o desafio de esconder o que tem dentro de si. Para suportar o que há em você.

Ser fundação que suporte a sua dor sem se importar com a minha. Ansiedade que não termina, que consome e domina, dor que não termina.
Escolhe permanecer dentro de quem sabe escrever o que não sabe explicar.

Não são versos perfeitos, são lágrimas que destruíram o que se tinha dentro de si.

Não são poesias, são cartas de pedidos de ajuda que envolvem o que não sei dizer.

Não sei por que sinto e não sei se tem cura, bendito câncer que, descoberto, consome e some com você e com ele.

Aqui não, não tem quimio, não tem ressonância que encontre a frequência da ansiedade.

Que destrua com dor tudo que tem dentro de você.
É mentira, não vai passar, não passou. As drogas não quiseram resolver, o álcool não resolveu, o trabalho não resolveu. Ninguém resolveu porque não pode ser resolvido. Maldito brilho no olhar, fundação de areia movediça.

Engolindo bem mais do que deveria, doendo mais. Mais questões sem resposta postas às mesas que compõem os talheres e pratos prontos para servir uma bela montagem de mentiras sociais.

André Araújo – Belo Urbano. Homem em construção. Romântico por natureza e apaixonado por Belas Urbanas. Formado em Sistemas, mas que tem a poesia no coração e com um sorriso de menino. Sempre irá encher os olhos de água ao ver uma Bela mulher sorrindo.

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Mistérios e encantos

Hoje vi o Mar e me encantei novamente com suas ondulações radiantes, sua capacidade de refletir a luz do sol e se mostrar tão belo, límpido, tão espelhado!

Há detalhes escondidos por entre as pedras que resistem nas suas orlas! Vidas que persistem em seu entorno! Pequenos lugares propícios, esconderijos de vidas marinhas!

Mais além, há uma imensidão azulada, que tomou a forma do Céu e guarda nas profundezas escuras o segredo da Vida,

O eterno movimento dos contrastes.

Luz e sombra, calor e frio. Concentrar-se em seus antros inimagináveis e esparramar suas espumas na superfície.

Às vezes plácido movimento, outras vezes, furiosas tempestades, mas sempre entregando a Beleza que recolhe do seu interior!

Ana Paixão – Bela Urbana, filosofa, pedagoga, palestrante e educadora que trabalha com treinamentos há mais de 10 anos

 

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Lavando louça

Pia cheia, lavar a pia, o povo pia,

Berra, grita, esperneia…

Panelas seguem seu rumo, não são lavadas

São apavorantes… porque? Me pergunto? Porque?

Ah imagino que as mãos cansem e o cérebro derreta.

Sujou, lavou, lavou, ensaboou, ensaboa que tudo passa

Lavar a louça? Muitos não lavam, enrolam,

Outros, se encorajam, superam e até meditam…

Assim como a vida, você lava ou não lava a louça?

Macarena Lobos –  Formada em comunicação social, fotógrafa há mais de 25 anos, já clicou muitas personalidades, trabalhos publicitários e muitas coberturas jornalísticas. Trabalha com marketing digital e gerencia o coworking Redes, roteirista e produtora do podcast Maca Comunica. De natureza apaixonada e vibrante, se arrisca e segue em frente. 

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Mãe on

Hoje olhei a estante onde juntei os livros que o filho que foi pra longe, deixou. Um me chamou atenção e resolvi pegar para ler: Zen e a arte de salvar o planeta.

Bela descoberta de leitura e de um lado das escolhas do filho.

Sai abrindo gavetas do passado onde esse menino que agora já vai nos 30, tinha 6, 7 anos. Aprendeu a ler, se agarrou aos livros e não soltou mais.

Todos os de Harry Potter lia e relia. Ficção, histórias reais, filosofia, política foram acompanhando seu crescimento.

Ao lado um grande incentivados, o pai. Livros de presente, sempre.

Ele entre aulas de jiu-jitsu, academia, surf, namoradas e amigos, um livro por perto.

Silêncio no quarto, livro na mão.

Café na padaria, na livraria, livro na mão. Aeroporto, avião, livros na mão.

Hoje ao ler o Zen me deparei com suspiros de alegria e enormes saudades de vê-lo no silêncio de um livro.

As estantes agora vazias, encheram as caixas de mudança.

Hoje ele está nas montanhas geladas trabalhando, vivendo.

A saudade se intensifica e vira esperança. Esperança de revê-lo feliz em cada escolha. Esperança que nossos caminhos se cruzem em algum momento e eu possa de novo admirá-lo num canto qualquer amarrado a um livro.

Maria Nazareth Dias Coelho – Bela Urbana. Jornalista de formação. Mãe e avó. É chef de cozinha e faz diários, escreve crônicas. Divide seu tempo morando um pouco no Brasil e na Escócia. Viaja pra outros lugares quando consigo e sempre com pouca grana e caminhar e limpar os lugares e uma das suas missões.

 

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O exercício de poder e o vocábulo indizível do que se sente

Achou que podia ser ríspido comigo, achou que podia ser displicente comigo, achou que podia me criticar por falhas que não cometi, assim fez.

Achou que podia exigir de mim o sexo que não consegui, achou que tinha mais razão e quando reclamei, achou que sempre recebia a culpa de tudo no mundo. Achou que podia me vigorar, vigiar minhas mensagens, meus eletrônicos, pós câmera escondida, criticou minha negativa, era amor. E de achar em achar, se criou o hábito, se perdeu o espaço e a vida.

Era para si o centro de tudo que era bom e tudo que era ruim. O resto orbitava. Me sentia o resto. E quando debatemos essa relação de centro e periferia, apenas eu tinha algo a fazer, mudar e repensar. Até o que no pacto era de sua responsabilidade, eu tinha que sinalizar. Eu era o servo.
Eu tinha a faca, o queijo, o machucado, a culpa do corte e o curativo para colocar, e apenas uma mão para fazer tudo isso. Não era queijo, mas minha queixa, meu problema, minha solução que me machucava e que não permitia atender a demanda de alguem. Tudo isso para resolver ao mesmo tempo, senão adeus. Pior solidão é aquela na qual quem está contigo te impõe. E impõe ao ponto de querer dormir numa noite fria com ventilador, apenas para sentir o abraço quente de um cobertor.

Que poder tem Narciso sobre seu espelho, se só o que ele vê é sua estonteante imagem? Apenas poder sobre aquele que lhe presenteia com espelho, limpa o espelho, carrega o espelho e mesmo assim, ergue o espelho no ângulo incorreto. Sobre esse serviçal recai o poder de quem só quer ver a si, sofre por não ter com quem se espelhar, chora de barriga cheia de si, de umbigo.

E quando se libertar? Quando ressuscitar meu narciso e lutar? Quando conseguir comunicar mercuriosa minhas vontades em uma negociação diplomática por território? Ou simplesmente aceitar que a vida é assim, uma condição rara de uma doença chamada amor que, aos desafortunados, aparece como lepra?

A cada um que sofre, uma solução. Mas de fato, belas palavras servem apenas para ampliar um vocábulo de sentimentos inomináveis que tentamos, de análise em análise elaborar. Um vocabulário que não serve a ninguem, a não ser ao que adquire. Individual vocabulário que não conseguimos comunicar. E por lógica, o vocabulário que não se usa para comunicar, não existe. Mas por que ele está lá, dentro de nós, como sentimentos indecifráveis?

E se o que sentimos, de bom ou ruim, reside em um vocabulário indecifrável ao outro, como negociar a paz? Se nossa necessidade é incomunicável, como ser atendido pelo outro? E se não podemos contar com seu esforço em tentar entender nossa arqueologia gráfica emocional? Capaz que uma boa relação se faz de pessoas que tentam decifrar um ao outro, sabendo da inglória tarefa de fazê-lo, abastecendo- se de perceber o quanto o outro tenta. E tenta para estar junto.

E nessa tentativa, o exercício de poder (exercido com o achar que pode) se esvai, pois encontra sempre uma demanda alheia que pode atender antes de trazer a sua, na certeza que será atendida ou mesmo tentada. Uma troca de gentilezas que tenta acolher e ler o outro de forma sincera. Capaz que seja isso. Capaz que não.

Esse texto vai ganhando ares cada vez mais contornos incompreensíveis e preciso aqui parar. Tentativas de expor meu sentimento indecifrável só irá confundir o leitor. Espero que apenas amplie o vocabulário interno, para que a capacidade de ler o outro seja uma vez mais a ode da vida em relação. Sem deixar de ser ouvido e compreendido para tornar-se nem servo nem capataz, mas sim, na troca de tentativas, ser mais nós que eu.

Crido Santos – Belo urbano, designer e professor. Acredita que o saber e o sorriso são como um mel mágico que se multiplica ao se dividir, que adoça os sentidos e a vida. Adora a liberdade, a amizade, a gentileza, as viagens, os sabores, a música e o novo. Autor do blog Os Piores Poemas do Mundo e co-autor do livro O Corrosivo Coletivo.