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Sonhos esmagados pela dor

Chegou calada na escola, fazia tempo que não se via o seu sorriso.
No canto da boca ensaiava um riso, mas a memória tirava o ensaio e trazia carregada uma lágrima.
Não interagia, fingia, temia, chorava escondida esperando ninguém ver, mas os olhos inchados denunciavam o que ela queria esconder.
Mas não importava, a vida continuava sem ela, continuavam as risadas e as resenhas, continuava a dor que ninguém sabia e que ela procurava esconder.

Em casa, o quarto impecável, as roupas dobradas e arrumadas cor por cor, a dor expressa em uma organização que não tem valor.
Nas noites o medo reinava, o ranger dos tacos ou a porta que se abria e tudo recomeçava novamente, ele não tinha dó.
Entrava sorrateiro, calado, colocava a mão nos cabelos dela e fazia ela tremer de medo, as lágrimas corriam caladas no canto do rosto, desgosto, esgotamento, não estava certo, se a vida era assim, não queria mais viver.
Na manhã a apatia, a mãe que fingia não saber, o cinismo de que nada tinha acontecido estampado nos olhos de quem vê e a pergunta que cravava a raiva em seu peito, “está tudo bem com você?”

Mais um dia, tudo igual, as resenhas, a escola e a dor que parecia permanente, a mente já cansada, dormente, triste, insolente, demente, escrota, pungente, morte indefinida, distante de ser gente, destrói a vida.
Tantos sonhos esmagados pela dor que não tem tamanho, não tenho esconderijo onde ele não possa me ver, não tenho mais sonhos, desisti de crescer.
Nos cadernos as notas que caíam, no comportamento a dor que não sumia escondia cada vez mais a beleza que era destruída nas noites que não dormia.
Encontrada por quem espreita, o giz que desfaz a dor, cai como uma luva, tudo fica colorido, ela tem mais força, nada mais é impossível.

E mais giz e mais força, agora não fazia diferença se a crença de quem estava à volta era duvidosa do que sentia, sentia que tinha encontrado um novo quarto na mente que o escroto pungente não poderia entrar.
Mas não bastava essa fortaleza, tenha que ter certeza de que ele irá desaparecer, desaparecer para o mundo, desaparecer para você.
Pega o cachorro do amigo que entrega o giz, vai para casa aprender a desaprender, giz, cachorro, choro e certeza, já sabe o que vai fazer.
A noite chega, o giz acaba, o cachorro na mão e a certeza, hoje isso termina, não vai mais ter volta, a porta abre silenciosamente e fecha, a tranca indica privacidade, um estampido forte e um pequeno sussurro, um cheiro de ferro no ar, um minuto de silêncio, e agora é minha vez, antes do bater na porta, outro estampido, tudo termina de vez.

André Araújo – Belo Urbano. Homem em construção. Romântico por natureza e apaixonado por Belas Urbanas. Formado em Sistemas, mas que tem a poesia no coração e com um sorriso de menino. Sempre irá encher os olhos de água ao ver uma Bela mulher sorrindo.

LIGUE 180 ao ouvir ou ver sinais de violência

 

 

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Agressões que ocultam segredos “tumulares”

O conheci numa reunião de trabalho. A bonita camisa, de manga comprida arregaçada, expunha sua virilidade masculina através da exposição daqueles punhos e mãos.

Trocas de olhares discretos e interesse mútuo o fizeram terminar um namoro de muitos anos e nos levou ao altar um ano depois, apesar de bem maduros.

Era o terceiro casamento dele, sem filhos, o que facilitava nossa relação.

Meses depois, em um desentendimento sem grande importância, ele revelou um ser irado, que eu desconhecia, gritando comigo, sem poupar os vizinhos.

Quando ‘a poeira assentou’, disse-lhe: “Eu nunca vivi situação semelhante e não a viverei. Se você não é capaz de se controlar, nosso romance termina aqui.”

Recado compreendido, ele passou a se controlar e não repetiu o espetáculo comigo, mas me era difícil ver seus tons agressivos e sórdidos com garçons, com o zelador e porteiros do prédio, com nossa auxiliar doméstica, com seus funcionários e outros.

Para amigos e familiares ele era tido como educado, gentil e muito sensível.

As agressões dele, comigo, eram outras. À cada saída de casa, ele fazia questão de testar sua virilidade, à minha frente. Trocava olhares com mulheres estranhas ou gracinhas com mulheres conhecidas, de amigas minhas a caixas de lojas e supermercados.

Eu passei a ver seus comportamentos agressivos e essas atitudes desprezíveis como expressão de sua frustração por suas dificuldades sexuais.

O recomendei a buscar um terapeuta especialista em sexualidade, cujo trabalho levou uns três anos.

Alguns anos se passaram e os problemas sexuais, de agressividade e de desrespeito continuavam vivos e fortes.

Num dado momento, uma atitude verbal e gesticular, muito agressiva, foi dirigida a mim e decidi pôr um fim àquele relacionamento, que me fazia mal e se mostrava sem conserto.

Um ano após o divórcio, ainda com grande parte dos pertences dele em casa, fui em busca de um documento e encontrei uma declaração de amor, de um amigo dele, que frequentava a nossa casa semanalmente, para ele.

Esta carta era antiga, o que indicava o tempo daquele relacionamento, e era a peça que faltava naquele enorme puzzle. Sua agressividade, dificuldades sexuais e outras atitudes disfuncionais, ganharam legitimidade, à partir daquela declaração de amor masculina, guardada cuidadosamente entre fotos e cartas significativas.

Mantive este fato comigo, pois sei que ele o pretende levá-lo para o túmulo, mas fui usada, tanto quanto sua atual mulher e todas as suas ex-esposas, que serviram de esconderijo para sua real identidade.

Muitos anos se passaram e eu ainda tento me recompor desse relacionamento abusivo, buscando compreender o porquê de incluí-lo no puzzle de minha vida.

Anônimo – Mulher, brasileira,  não quis ser identificada.

SOS – ligue 180

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Bem que se quis

No início dos anos 90 ele passou por mim. Era meio enigmático. Feio, sem nada que justificasse uma atração física. “Mas, quem irá dizer que existe razão nas coisas feitas pelo coração?”

Meses depois, nos reencontramos na contramão e a paixão explodiu.

Olhando agora, com distância e maturidade, não era para ter acontecido se tanto eu quanto ele soubéssemos respeitar nossas vulnerabilidades. Limites desconhecidos, tragédias anunciadas.

Ele era um cara mais velho, recém-formado, machista, inseguro e que pela primeira vez na vida tinha um salário digno que lhe proporcionava o contato com lugares e pessoas mais sofisticadas do que o habitual.

Eu, bem nova, carente, baixa autoestima, inexperiente, criada sob a crença das mulheres abnegadas, que não expressam descontentamento, nem interesse, mesmo em crise de dor.

Nossa primeira noite juntos foi num dia em que eu bebi até desacordar e quando acordei sabia que já não era a mesma, nem sei dizer o que senti.

Lembro de voltar a pé para minha casa, numa distância de uns dois quilômetros, com a sensação de que todos os maus julgamentos eram para mim.

Doeu muito, mas, ao mesmo tempo, me veio a satisfação ilusória de que talvez fosse o começo de uma relação que eu desejava tanto.

O namoro era escondido. Ele ia à minha casa e lá era o cara carinhoso, divertido e protetor que eu imaginava querer. Da porta para fora, ele me ignorava, ficava com outras na minha presença e adotava um comportamento que me fazia parecer louca.

Os nossos amigos eram comuns. Para eles, o nosso envolvimento era casual ou só existia na minha cabeça ou pior, só acontecia quando eu forçava a barra.

Eu me tornei a menina da janela, que esperava, esperava, esperava, para de vez em quando sorrir.

Cansada, pedi que ele tomasse uma decisão e foi então que ele se foi, sem caminhos para voltar. Eventualmente me ligava e se masturbava ao telefone. Me constrangia. Eu nunca contei para ninguém.

Foram meses de muito sofrimento e solidão. Eu definhei física e socialmente. Tive anorexia nervosa, não conseguia comer e, enquanto isso, os amigos se afastavam porque achavam o meu sofrimento exagerado.

Me humilhei algumas vezes na tentativa de reatar o que nasceu desatado, solto e incompatível.

Cheguei a pensar em desistir da vida. Por milésimos de segundos, mudei de ideia e fui lentamente, muito lentamente mesmo, me recuperando do luto de mim mesma.

Não foi o fim de um amor, foi a revelação de um caso de desamor que me marcou profunda e dolorosamente, afetando as minhas relações posteriores. Todas as relações: com minha família, com meus amigos, com namorados e, até hoje, 30 anos depois, casada e com filhos, sinto o peso dessa rejeição em meu coração.

Claro, tive tempo e terapia para ressignificar os abusos que me aconteceram. É como uma cicatriz que já não dói, pouco aparece, mas quando você olha sabe o tombo que a causou. É isso, uma cicatriz.

Sinceramente, não sei se ele sabe o mal que me causou. Na época era um comportamento muito comum entre os homens que precisavam se firmar como tais. A sensibilidade masculina era subjugada e a métrica da virilidade era a cafajestagem.

Hoje, se eu pudesse aconselhar a menina da janela, diria a ela para alimentar a coragem de dizer o que sente e não condicionar sua felicidade à chegada de alguém.

Porque para ser feliz depois de tudo eu descobri que amar-me é o meu superpoder!

Anônimo – Mulher, brasileira, mais de 50 ano, não quis ser identificada.

SOS – ligue 180