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Envelhecer e se transformar

Minha mãe tem 68 anos e eu 51, minhas filhas 13 e 15 anos, obviamente somos de
gerações muito diferentes, embora a diferença de idade entre minha mãe e eu não
seja tão grande assim temos um estilo de vida muito diverso, ao longo dos anos nossa
convivência passou por muitos momentos conturbados, ela me alimentou, me ensinou
os bons modos, me transmitiu seus valores, me ajudou e eu fui dependente dela por
muitos anos, me revoltei, discuti, reagi e depois voltei atrás e agradeci e conforme fui
crescendo nossa relação se inverteu e em muitos momentos fui eu a quem passou a
ajudá-la em vários aspectos e também a dar sermão, assim, com a idade as relações
próximas vão se transformando e isso está diretamente relacionado com nosso
envelhecimento enquanto seres humanos, nós aprendemos e depois transmitimos
esse conhecimento, agora sou eu a ser mãe e a minha mãe a ser avó e assim vamos
trilhando a caminhada da vida, nossos papéis são outros e com eles outras
responsabilidades, outros saberes.

Tenho sido abençoada em minha trajetória, eu vivi e vivo uma vida cheia de amor e
aventuras, amizades, sonhos realizados, grandes paixões e viagens incríveis e por
isso me sinto muito agradecida, entretanto, houve um tempo que não era assim, foi um
tempo de angústia, pequenas tragédias e muitos lamentos, um tempo que mais
reclamava do que me sentia grata e era o tempo da imaturidade, dos sonhos que não
se concretizavam na rapidez que eu queria, era o tempo da juventude, era o tempo do
desespero quando um namoro era desfeito, de sentir que nunca mais amaria com a
mesma intensidade, era o tempo de bater o telefone na cara dos amigos durante uma
discussão, era o tempo das intensidades, dos desejos vorazes, era o tempo das
longas horas no trabalho e estudar muito e dançar, beber e papear até de madrugada,
era também o tempo das paixões mais intensas do mundo, de amar tanto que o
coração sentia que não caberia tanto sentimento, era querer ficar magra, fazer as
dietas mais malucas e ter muita vaidade, muita energia física, era querer agarrar o
mundo com as mãos.

O tempo passou e já não tenho a mesmo energia, os sonhos mudaram e as paixões
suavizaram, veio a calma e uma alegria mais contida porém mais constante, vieram os
filhos para desconstruir tantas crenças, tudo se transforma com a idade e o lado bom
de tudo isso é que no meio de tantos desafios diários a vida vai explodindo, vai nos
empurrando para descobertas e surpresas que nem podíamos imaginar, obviamente
há perdas, sofrimentos e tragédias, o corpo também se transforma e quantas
mudanças ocorrem mas isso é viver: é doce, é amargo, luz, sombra, alegrias e
tristezas, ás vezes tudo junto, a criança que nasce, o pai que morre e quem tem o
privilégio de envelhecer é porque ainda está por aqui apreciando a beleza dessa
dicotomia. E para terminar cito Lulu Santos: “Hoje o tempo voa amor, explode pelas
mãos…e não há tempo que volte amor…vamos viver tudo o que há prá viver, vamos
nos permitir.”

Eliane Ibrahim – Bela Urbana, administradora, professora de Inglês, mãe de duas, esposa, feminista, ama cozinhar, ler, viajar e conversar longamente e profundamente sobre a vida com os amigos do peito, apaixonada pela “Disciplina Positiva” na educação das crianças, praticante e entusiasta da Comunicação não-violenta (CNV) e do perdão.
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Atravessando a rua

Desde a maternidade vinte anos se passaram… chegou o dia.

Atravessamos a rua, juntas de mãos dadas… essa hora fechei os olhos e era ela pequenininha, criança, pedindo para ficar… quanto tempo essa mão não se juntava com a minha.

Sim, atravessamos a rua e a deixei na porta do seu apartamento. Sim! No apartamento dela.

Minha gaganta deu um nó, olhei para aqueles olhos, o mesmo olhar da maternidade assim que abriu os olhos. Nos abraçamos… coração apertado, me vi em prantos e disse a ela, a essa linda moça: desculpe por não ter sido. Mas sim! Sou sua mãe, sempre sua mãe.

E o que posso dizer a ela?

Que siga em frente, coragem que a sua estória está apenas começando e estarei contigo na jornada da vida, lado a lado te protegendo e te libertando. A vida é bela minha fofolete.

Macarena Lobos –  Bela Urbana, formada em comunicação social, fotógrafa há mais de 25 anos, já clicou muitas personalidades, trabalhos publicitários e muitas coberturas jornalísticas. Trabalha com marketing digital e gerencia o coworking Redes. De natureza apaixonada e vibrante, se arrisca e segue em frente. Uma grande paixão é sua filha.
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Mulher invisível

Hoje saí para caminhar de short verde alface e blusa branca, passei pelo meio da feira. Ninguém me notou, já foi tempo.

Esse mesmo já deixou marcas por dentro e por fora.

Sou da época dos contos de fadas e príncipes encantados em cima de cavalos. Cedo, cedo percebi que os príncipes são os cavalos.

Na primeira paixão, aos quinze anos, no primeiro encontro num belo cenário, uma praia, esperei ansiosa pelo beijo romântico e o que senti foi bem diferente e assustador naquele momento; algo quente em minhas pernas me tirou do feitiço… mal sabia que esse “algo quente” viria vida a fora travestido de bancários, banqueiros, artistas, pretos, brancos, chatos, interessantes, hora estúpidos, hora geniais… muitos, até chegar a grande paixão, achava eu. 

Iludida e feliz, fui ao longo de cinco anos. Duas filhas, por fim, apenas uma história de amor, mal sucedida para mim. Ficaram a experiência e dois verdadeiros amores.

Logo a vida se encarregou de colocar mais desencantados no caminho. E novamente me apaixonei por um ser complicado. Solitário, mais velho. Eu achava que iria transformá-lo com o meu amor. Como solitário era, entrava e saía da minha vida sem pedir licença, eu permitia, claro. Até um dia, um basta e resolver viver à toa. À toa no banco da praça, à toa na cama, à toa na grama. E num desses “à toa”, ele me flagrou e resolver se declarar na mesa de um bar aos prantos. Hora, hora, quem não cairia. Caí.

Mudei de malas e filhas para outra cidade atrás desse amor, como estava feliz. Vida seguindo, adaptação e logo percebi que ele conseguia apenas fazer uma coisa; seu mestrado. Eu, as outras 999, para vivermos aquela história. Claro, cansei e saí com duas filhas e mais um dentro da barriga.

Agora o tempo era para filhos, filhos e filhos. Era muito feliz, homens, só o que cortava gramas e os entregadores cruzavam apenas o portão. 

Ainda fui tropeçando com alguns pelo caminho até envelhecer e me tornar invisível aos olhos deles.

Há poucos meses atrás ainda dei uns suspiros ao encontrar numa trilha um ser bem apessoado, belo sorriso, simpático. Estávamos procurando uma pequena queda d ‘água e ali nos identificamos; natureza, caminhadas, divórcios, filhos, solidão. A conversa ia bem até que ele invocou um deus e eu falei da minha descrença, o resto dos vinte minutos desse breve convívio, foi o sujeito tentando me convencer do contrário. Terminou após encontrarmos um belo despacho de frutas e eu querendo pegar um maracujá. Não… não… eu compro um abacaxi pra você. Como? Suficiente.

As amigas me chamam amarga. Discordo, me chamo realista e respeitosa com todos. Os homens não são meu foco agora. A estrada foi longa com muitos bons e ruins encontros.

Continuo nas minhas caminhadas, cruzando olhares e aceitando que a minha invisibilidade para eles, hoje não me diz nada. Sou visível para quem me quer visível!

Maria Nazareth Dias Coelho – Bela Urbana. Jornalista de formação. Mãe e avó. É chef de cozinha e faz diários, escreve crônicas. Divide seu tempo morando um pouco no Brasil e na Escócia. Viaja pra outros lugares quando consigo e sempre com pouca grana e caminhar e limpar os lugares e uma das suas missões.

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Precisamos falar sobre ENVELHECER

Quase ninguém gosta de falar sobre o que incomoda, mas esconder o que incomoda não ajuda a lidar com o problema e ele vai ficando maior a medida que o tempo passa.

É justamente sobre isso que queremos falar. Sobre o tempo. Sobre a vida. Sobre essa passagem que nos leva para o envelhecimento e isso pode ter certeza, é a melhor das opções. A outra opção, vocês já sabem…. não teria tantas histórias vividas, sobrevividas e divididas.

Então, o assunto da vez é ENVELHECER.

Quando começamos a envelhecer? Dizem que é quando nascemos, mas eu não compartilho desse pensamento. Envelhecer é um processo de desgate do corpo isso é fato, mas será que precisa ser da alma também?

Será que mulheres e homens envelhecem da mesma forma? Será que existe um peso maior para um? Vamos descobrir nessas próximas conversas.

Aqui no Belas Urbanas, vamos falar sobre passagens, ninho-vazio, preconceitos, beleza, produtividade, mercado de trabalho, sexo, amor, solidão e família.

Convido vocês para participarem lendo nossos textos, comentando e se tiverem algo para dizer, nosso espaço é seu também. Fale com a gente, quem sabe seu texto entra na série.

Dedicamos “.. pra todos os que enfrentam e também afrontam. O seu medo de envelhecer..” , frase perfeita da música ENVELHECER do Arnaldo Antunes. Aproveito e convido todos dançarem com a música. https://www.youtube.com/watch?v=HFgi79BbrxI

Dançar pode? Claro que pode, sempre.

Adriana Chebabi  – Bela Urbana, idealizadora do blog Belas Urbanas onde faz curadoria dos textos e também escreve. Publicitária. Curiosa por natureza.  Divide seu tempo entre seu trabalho de comunicação e mkt e as diversas funções que toda mulher contemporânea tem que conciliar, especialmente quando tem filhos. É do signo de Leão, ascendente em Virgem e no horóscopo chinês Macaco. Isso explica muita coisa.

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Precisamos falar sobre palavras

Tenho um sonho de ser chamado para falar sobre palavras;
Não palavras, que desconsideram as emoções, quero falar sobre palavras unidades que formam frases que aceleram corações;
Tenho vontade de ser perguntado o como é, o porquê, que as palavras que são formadas na minha mente fazem minhas lágrimas descerem;
Tenho sonho de fazer parte do que já sou parte, de ser texto, de ser exclamação, de ser ponto, ou final ou de interrogação;

Tenho vontade que entre um bloco e outro, possamos ler uma poesia, que fale um pouco do que dizia;
Talvez estilo Jô, em seu programa, ou programa em sua poesia;
Poesia não cala, que não fala e que nem dizia, somente sente, imponente e muitas vezes incoerente;

E quem sabe em um outro dia, eu leia em uma mensagem “Precisamos falar sobre palavras, que compostas, formam poesia“.

André Araújo – Belo Urbano. Homem em construção. Romântico por natureza e apaixonado por Belas Urbanas. Formado em Sistemas, mas que tem a poesia no coração e com um sorriso de menino. Sempre irá encher os olhos de água ao ver uma Bela Mulher sorrindo
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Defina: Homem

O abismo parecia ser uma ponte para o infinito que contemplava uma vida íntegra e desprovidas de amarras tamanha era sua dimensão e liberdade. Chegar perto do precipício era uma atitude de coragem e contentamento. Uma coragem que antecipava a tal liberdade e a existência frente a um universo que desconhecia limites. O ingresso para uma nova vida estava a um salto de distância rumo à vermelhidão do deserto, do clima quente e do céu limpo que imprima um abraço para aqueles que ousassem se permitir uma nova experiência. O salto do precipício não era o salto da morte, mas o salto de vida, de libertação das amarras para conhecer uma possibilidade mais autêntica do que um mundo que emula uma realidade longe das expectativas da grandeza humana.

Essa pequena narrativa foi criada por mim quando criança em momentos de dificuldades e frustrações. Acreditava com fidelidade que havia um outro mundo para além deste e que todo o sofrimento deixava de existir quando pulávamos rumo a essa imensidão do precipício. Existia, portanto, uma outra realidade melhor que esta que me acolheria e permitiria me exercer. Sempre fui assim. Um amante de histórias. Além de ter sido influenciado por muitas delas, encontrava a paz inventado aquelas que surgiam de ideias e de experiências que vivia. Entretanto, o que parecia uma forma de me integrar ao mundo e à socialização, foi a primeira porta de entrada para um caminho de questionamentos e dificuldades de me encontrar. Estou falando da minha própria definição como homem no mundo e como essa identidade foi (e ainda é) de difícil compreensão mesmo em tempos de lutas e formação de comunidades.

Me definir como homem em uma sociedade tradicionalmente machista e patriarcal foi o maior desafio que tive até o momento, pois me encontrar nesta sociedade me fez tomar caminhos de idas e voltas sem destino. Estive sempre sob o julgamento e o olhar penoso das pessoas que esperavam de mim uma espécie de “promessa cumprida”, de me tornar o homem considerado perfeito zelando por esse papel social tão “importante”.

Se assim como essas pessoas que fizeram parte da minha trajetória você espera que eu diga através destas palavras que hoje conheço a definição mais assertiva de ser homem e também da masculinidade, terei de pedir licença para, mais uma vez, fazer um pedido de desculpas oficial. Perdoem-me. Desculpe se não fui o macho alfa pegador, se não provi dinheiro suficiente, se não transmiti meu DNA ao mundo, se não me apaixonei pela mulher que iria me completar, se não tive um exemplo de masculinidade dentro de casa, se mostrei demais minhas fraquezas e sentimentos. Passei tanto tempo tentando me adequar a essas concepções da perfeição masculina que não me dei a chance de poder me conhecer e me encontrar na minha própria essência.

Tanta ineficiência na arte de ser homem formou uma dívida que, aos olhos alheios, nunca fui capaz de pagar e então terei que arcar com os juros que, no meu caso, consiste em ser excluídos das interações com outros homens de forma legítima e decretada. Afinal, qual é graça de se “eximir” de um papel social tão vantajoso como esse? Os homens são, de alguma forma, sempre perdoados pelos seus atos por mais desprezíveis que sejam sempre tendo um centro de apoio para lhe oferecer uma justificativa para suas atitudes. Soma-se a isso a posição de privilégio e poder que vem quase por serem considerados uma figura superior às mulheres e também aos outros homens que não alcançaram todos os requisitos. Eu nunca tive esse tive esse tipo de privilégio, e por muitos anos, me rotulei como alguém estranho que não fazia parte de um clubinho super valorizado que só ganhava a carteirinha caso esses requisitos tivessem sido checados. Mas atenção: precisa ser TODOS os itens. Se faltar um, não pode mais brincar com os meninos. Quando penso que fiquei do lado de fora da porta do clubinho, penso também como muitas mulheres sempre estiveram nesse lugar também sem ao menos ter uma chance de concorrer a uma entrada. A exclusão delas, entretanto, promoveu atos de mais sensatez e sagacidade, pois elas não se limitaram a uma brincadeira de criança. Ao contrário, se organizaram para poder participar de seus direitos. Elas não formaram outro clubinho só para meninas. Elas criaram um espaço de coletividade e permitiram, inclusive, que os meninos chatos e segregadores viessem conhecer suas ideias sem propagar o rancor e divisão que um dia as fizeram sofrer. Agora, aproveitam de um lugar mais adequado e justo que os escuros e infames clubinhos masculinos sempre carregando a certeza de trazer mais melhorias e paz encaradas de peito aberto. Atitude inteligente e admirável!

Eu poderia dizer que essa exclusão que tensionou a minha definição como homem no mundo me fez ter uma atitude diferente fazendo com me aproximasse de outros tipos de pessoas em busca de uma comunidade própria. Isso não aconteceu. Cresci confuso e em uma eterna busca que nunca se concretizou. Posso dizer, no entanto, que essa busca hoje vem tomando caminhos diferentes e de uma reflexão mais madura considerando muitas experiências negativas que vivi. É verdade que uma parte de mim ainda busca uma semelhança aos homens típicos (cuja tipicidade venho questionando muito nos últimos anos) não por ser uma posição melhor, mas por ser uma posição mais facilitadora. Gosto de dizer que, neste período da história da minha vida, me permito julgar menos a mim e aos outros e posso de vez quando querer pegar caminhos mais suaves. Por que não? No entanto, também sei que parte de mim nunca alcançará esse objetivo talvez porque minhas “habilidades”, como a de imaginar histórias ou mesmo ser capaz de olhar para dentro mim, não sejam tão importantes e valorizadas na realidade que vivo. É mais uma rota que se inicia que eu não sei se vou ter que pegar um retorno para começar o trajeto de novo. Sigo caminhando longe da tipicidade e da definição de homem que fazem tanto deles, por assim dizer, felizes.

Nesse momento, só tenho confiança em um pensamento: prefiro me dar o direito de errar e seguir errando enquanto a vida me permitir do que ensaiar um homem de falsa empatia que finge estar vinculado ao século XXI. Esses são ainda mais obscuros do que eu: defendem o amor incondicional, formam famílias, afirmam compreender as mulheres e suas lutas, se exercem como pai (um tanto quanto duvidosos), mas que não fazem nada mais do que cumprir um papel superficial achando que estão mudando o mundo para as novas gerações. Imagino quantos desenganos esses homens terão se um dia acordarem de seu sono fantasioso. Não terão a coragem nem a força, tão comumente atribuídas ao homem de excelência, para lutar pela própria vida, pois as experiências que deveriam formar um caráter mais estruturado não encontrarão espaço para existir de maneira satisfatória. Prefiro estar onde estou. Mesmo como muitas ruínas ao meu lado, sempre fui do tipo que prefere tirar as vendas dos olhos à custa de dores quase insuportáveis. Se aos outros homens sobram poder, privilégios e caminhos previsíveis e sem pedras, faltam para eles a honestidade e a humildade que é um entroncamento no caminho da vida difícil de perceber. Essa rota não traz as atividades com a pesada energia do que é comum, mas sim um caminho onde é necessário deixar todo o pesado lixo acumulado na entrada, dar adeus às pessoas que um dia foram significativas e ter a coragem de andar frente ao céu aberto na paz da solitude.

Renan Gaudencio Vale -Belo Urbano. Professor, linguista, mestre em semântica e psicanalista, e interessa pela linguagem e pela mente humana como uma forma de entender ao mundo e a si mesmo.
 
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HOMEM NÃO CHORA

Quem foi que disse que homem não chora?

Muitos vão afirmar que homens não podem expor suas emoções em qualquer lugar, a qualquer hora. Estritamente reservadas para momentos de intimidade, as emoções masculinas devem ser moduladas em tom muito especial lá onde as normas sociais não alcançam nem censuram.

Eu sempre ouvi que homem não deveria chorar. Chorar é coisa de mulherzinha. Quando nós homens sentimos que lágrimas vão rolar ainda é indicado engolir o choro, respirar e fingir que somos fortes. Nada de exposição nem manifestações públicas de fragilidade.

Essa interdição ao choro masculino é só mais uma imposição ao comportamento para a autoafirmação masculina. Além disso, uma longa lista de estereótipos que, mesmo com o passar do tempo, continua fazendo parte de um manual de etiqueta dos que se entendem homens. Aí vão alguns exemplos:

– homem deve interessar-se por mulheres;

– provedor do sustento da família;

– homem detesta cor-de-rosa;

– lugar de homem é na churrasqueira;

– homem gosta de carro;

– abre vidro de azeitona;

– homem entende de economia;

– política é coisa de homem;

– homem se reúne com outros homens uma vez por semana;

– homem não vai ao ballet;

– homem quando vai pra cozinha é pra ser chef gourmet

Etecetera, etecetera. Uma parafernália de asserções imperativas numa lógica de “dever ser” que pauta a formação do caráter das criaturas concebidas com cromossomos XY, para o exercício da virilidade e que inclui gerações e gerações nascidas ao longo dos séculos. O homem é, também, o principal herdeiro da cultura patriarcal que oprime mulheres, tem benefícios, liberdades e privilégios que vão desde a circulação urbana até vantagens salariais na grande maioria dos cargos que ocupam – que chega, no Brasil, a 53%.

Tudo isso já deveria ter sido superado. Pelo menos nessa reflexão sobre o assunto eu gostaria que já estivesse resolvido, assim como isso de homem não chorar já deveria ser uma construção ultrapassada. Hoje quando leio a frase “homem não chora”, fico pensando que ouvia isso quando era criança e que acho que não tem mais sentido pensar desse jeito.

Dá pra pensar: homem chora. Nem que seja internamente, nem que seja demonstrando uma agressividade derivada do medo de não satisfazer suas expectativas. Nos dias que correm é mais do que permitido aos homens expressar emoções por meio do choro. Independentemente de ser homem ou mulher, forte ou fraco.

Eu chorei quando nasci. eu sempre chorei, às vezes no canto do quarto trancado. Às vezes no trânsito. Outras vezes, em público. Recentemente fiquei sabendo que meu avô era um chorão também. Chorava em casamento; chorava quando encontrava a parentela ou quando passava por dificuldades financeiras, também. Não lembro de ter visto meu pai chorar. Suas afeições se manifestavam de outros modos.

Todas as emoções estão em nossa inteligência, mas, cuidado!  A caretice está sempre à espreita. Uma sensação reprimida na cabeça é um veneno que pode entoxicar mentalidades. Unir o útil e o indispensável: fazer afeto virar dia a dia. A solidão, o sexo, a morte são temas eternos; são jogos de espelhos. É um caminho sem volta. Chorar nos curar, nos abre os olhos, liga os nossos ouvidos. Mas, além de tudo isso é dever do homem desconstruir-se.

João André Brito Garboggini – Belo Urbano. É publicitário, ator e diretor teatral e tem três filhos.
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Vivemos numa sociedade estupradora… e precisamos falar sobre isso!

O homem é apenas o perpetrador voluntário de inúmeros abusos e estupros, mas a nossa sociedade como um todo, é estupradora!

Com o mais recente caso de estupro de repercussão nacional, o do ex-anestesista que dopava e estuprava mulheres no momento do parto, não pude deixar de pensar nessa rede de proteção que os homens tem, para se sentirem a vontade para cometer esse tipo de atrocidade.

O criminoso contava com a leniência de seus pares, suposta falta de provas, o acobertamento por parte do hospital e a intimidação a quem ameaçasse denunciá-lo, e após a repercussão, com um sistema judiciário que protege os homens quando se trata de crimes contra as mulheres.

Não fosse um grupo de enfermeiras (que a sociedade chamaria de histéricas!) ele seguiria cometendo seus crimes como se aquele comportamento fosse natural.

E assim, está provado mais uma vez que as mulheres nunca estão a salvo, nem mesmo em ambientes em que deveriam estar seguras, rodeadas de profissionais que estão ali para garantir sua saúde. Porque em pleno 2022, vivemos numa sociedade estupradora!

Estamos falando de uma sociedade que ainda enxerga o homem como superior pela força física (claro, ainda estamos nos tempos das cavernas, isso é muito importante) e que assim pode subjugar os ‘inferiores’, entre eles as mulheres. E ainda o enxerga assim, porque vivemos um cenário político advindo de um cenário religioso que está há milênios confirmando essa superioridade.

A mulher é um ser inferior, sujeita a ser posse do homem, ou seja, o homem estupra porque ele tem ‘direito’ a que essa mulher satisfaça seus desejos. Um homem que abusa, estupra, mantém em cárcere privado e mata, muitas vezes nem tem noção de que está errado, de que está cometendo um crime. Estamos falando de homens que não tiveram qualquer acesso à educação familiar, muito menos formal.

Mas quando nos deparamos com um estuprador com nível superior da área da saúde, que tem por profissão o cuidado com seu semelhante, a revolta é muito maior. Não tem a justificativa da ignorância! 

Mas voltando ao título, quem são afinal os estupradores dessa nossa sociedade? Obviamente os homens! Mas por todos os motivos citados acima, as mulheres são estupradas diariamente por:

  • Juízes e advogados, que fazem de tudo para denegrir a imagem da vítima culpando-a (ela pediu, ela mereceu), para acobertar e obter o perdão aos seus clientes.
  • Policiais e delegacias totalmente despreparados para lidar com casos de violência contra a mulher de modo geral, desestimulando que ela denuncie e dê andamento às denúncias, porque elas serão achincalhadas no processo.
  • Médicos, além dos que cometem o ato em si, que tratam as mulheres como seres ‘histéricos’, cheias de problemas pelo simples fato de serem mulheres, que não as orientam em relação ao seu corpo, e quando se deparam com casos de estupro minimizam e a culpabilizam. Exceto quando resulta em gravidez, aí elas entram na categoria da santidade da maternidade e são obrigadas a amar aquela consequência (mas isso é assunto de outro artigo).
  • Administrações hospitalares que abafam os casos (acredite, tem muito assédio sexual e estupros dentro dos hospitais) para defender a boa imagem de suas instituições, às custas de enfermeiras e pacientes abusadas e trabalhando no seu limite.
  • Escolas que não educam para a igualdade, que não orientam meninas (e meninos também, porque não?) a não se calarem diante de abusos, que acobertam os abusadores para proteger o bom nome de suas instituições.
  • Empresas, que também acobertam casos de assédio, abuso e até de estupros, para proteger seus executivos, pois o principal é o resultado que ele gera, não importa quantas vítimas deixe pelo caminho. Também vimos um caso recentemente. Cada assédio não punido é um estupro potencial.

Preciso falar da igreja? Acho que esse assunto já se esgotou, mas houve (talvez ainda haja) uma cultura de estupro de crianças por décadas, também devidamente acobertada pela santa instituição.

Igreja essa, significativamente responsável pela sociedade ocidental cristã como a conhecemos, e infelizmente entremeada às instituições políticas, criando uma rede poderosa de proteção ao ser superior, o homem. Doutrinando inclusive mulheres para serem submissas e criarem seus filhos para serem superiores, e suas filhas para serem servientes. Quantas mulheres não acobertam seus filhos estupradores, quantas irmãs não protegem seus irmãos estupradores?

Muitos estudos já foram feitos, mas ter que conviver com esses comportamentos pré-históricos em pleno 2022 é que coloca em dúvida a evolução da humanidade e sua real capacidade de raciocínio, que afinal é o que nos diferencia das outras espécies.

Resumindo, não evoluímos em nada, e ainda institucionalizamos os piores comportamentos pré-históricos.

Quando iremos evoluir de fato?

Tove Dahlström – Bela Urbana, mãe, avó, namorada, ex-mulher, ex-namorada, sogra, e administradora de empresas que atua como coordenadora de marketing numa empresa de embalagens. Finlandesa, morando no Brasil desde criança, é uma menina Dahlström… o que dispensa maiores explicações. Na profissão, tem paixão pelo mundo das embalagens e dos cosméticos, e além da curiosidade sobre mercado, tendencias de consumo, etc., enfrenta os desafios mais clichês do mundo corporativo, mas só quem está passando entende.

 
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Aceitação dos novos papéis masculinos

Como escrevi em 2010, quero avançar e, novamente, refletir sobre o que aconteceu desde então, principalmente, estudando os gêneros, a publicidade e a sociedade.

O reflexo das mudanças sociais masculinas, que já começou desde os anos 1990, pode serconstatado, cada vez mais, na propaganda em que os criadores não hesitaram em misturar contrastes. As campanhas se livraram das velhas fronteiras armadas pela moral da geração anterior e ousaram na utilização de novos padrões aceitáveis e até incentivados na última década. Tudo porque grande parte da população não acredita mais nas normas e padrões
tradicionais, permitindo o pluralismo, o ecletismo e favorecendo o aparecimento de novos modelos, até pela existência de meios pulverizados, as mídias tradicionais e as diversas formas de mídia social, alcançando os mais diversos tipos de público especificamente.

De forma global, o processo de ajuste às transformações sempre foi caracterizado como um período de confusão e incertezas para todos, em especial, para os homens que tinham um padrão cristalizado por séculos. Embora os papéis tradicionalmente masculinos já venham sendo substituídos, aqueles que se ajustam plenamente às novas expectativas ainda não estão, claramente, estabelecidos em muitas partes do mundo.

De qualquer forma, o que é bom, é que estamos passando por um processo que permite aos homens relacionarem-se com o lado mais humanitário e livre da sua natureza.

Com isso, há uma expectativa de que a nova masculinidade, que já vem sendo estudada há mais de três décadas, resultará em um maior grau de expressão emocional e de melhor relacionamento humano. Há liberdade para ser o que se é ou em que sente melhor.

Os novos papéis, já aceitos para o gênero masculino, é que estão sendo mais compreendidos, permitindo que possam, sem medo, demonstrar carinho, ternura e auto expressão, por meio da sua escolha individual o que proporcionará melhor realização pessoal.

Tudo isso, entretanto, vai depender da sua formação no âmbito familiar, escolar e social em que essa nova geração está se formando. Esses âmbitos deveriam atentar sempre para as dificuldades consequentes das fases de transição que aparecerão a cada nova geração.

Menciono algumas referências, informalmente:
ARILHA, M. : Homens e masculinidades; CALDAS D. Homens: Comportamento sexualidade e mudança;
GARBOGINI, F.: O homem no espelho da publicidade (tese) e O homem na publicidade da última década (artigo);
NOLASCO, S. O mito da masculinidade e A Desconstrução do masculino.

Flailda Brito Garboggini – Bela Urbana, aquariana. Formação e magistério em marketing e publicidade na PUC-Campinas. Doutora em comunicação e semiótica. Dois filhos e quatro netos. Hobbies: música, leitura e cinema. Paulistana por nascimento, campineira de coração.
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Mortos-Vivos

As vezes a cabeça fica tão cheia, mas tão cheia de tantos e diversos pensamentos… pensamentos que buscam saídas, pensamentos que começam frenéticos, mas cansados, vou entrando em um lugar que não tem lugar.

Sim, como se estivem no limbo… ficam lá quietos, não, na verdade não estão quietos, estão meio como mortos-vivos, porque já estão tão cansados que é melhor deixá-los assim, mortos-vivos.

Pensamentos tão cansados podem ser agressivos, depressivos e podem gerar ações assim, por isso, se estiver se sentindo dessa forma, deixe eles quietos, no limbo mesmo, até uma hora que você possa resgatá-los.

Eu muitas vezes me sinto um caos e é difícil explicar esse caos. Um caos que controlo, um caos que convivo, um caos que nunca desisto de arrumar, é isso, eu sou uma eterna arrumadora desse caos….. será que saberei viver sem ele?

Sim, é claro, porque a medida que arrumo e organizo, me livro desse, mas já invento outros… então, talvez ele sempre irá existir na minha existência… mas temos que conviver de forma amigável, sem que ele me engula, pacificamente.

Escrever com a cabeça tão cheia de vazio é um movimento de resistência, porque o vazio só nasceu de tão cansados que os pensamentos estavam e então, foram nesse momento para o limbo e lá estão como mortos-vivos. Escrever pode ser o remédio para que não virem zumbis sem volta.

The Walking Dead, acho que é isso que a Madame Zoraide indicaria nesse momento. É o que eu assisto nesses tempos, e devoro e adoro.

Adriana Chebabi  – Bela Urbana, idealizadora do blog Belas Urbanas onde faz curadoria dos textos e também escreve. Publicitária. Curiosa por natureza.  Divide seu tempo entre seu trabalho de comunicação e mkt e as diversas funções que toda mulher contemporânea tem que conciliar, especialmente quando tem filhos. É do signo de Leão, ascendente em Virgem e no horóscopo chinês Macaco. Isso explica muita coisa.

Foto: Gil Guzzo