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Nasci menina

Nasci menina. Bonita, sorridente, moleca. Era menina-menino sempre correndo, pulando. E na ingenuidade das brincadeiras de crianca de 5 anos já tive que aprender a desviar de lobos. Cruzou o meu caminho um tal Sr. João, avô da minha amiguinha. Na casa onde moravam era correr em volta dos móveis da sala e esbarrar nesse obstáculo gordo de nariz vermelho esparramado no sofá. Ele sempre dava um jeito de me puxar pelo braço e me apertar contra sua barriga enorme e com suas mãos velhas e gordas me puxar entre minhas pernas. Aprendi a driblar o velho.

Crescendo me tornei bela adolescente com quem todos queriam se relacionar. Ainda lembro o calor que senti em minhas costas, algo duro, quente parado ali, ele em pé eu sentada escrevendo. Na minha ingenuidade custei a entender. Mudei de lugar, calei. Assustada passei a fugir das ciladas, andar em bando. Comecei a perceber o que queriam de mim.

Vale ressaltar que sou filha de imigrantes guerreiros mas não tive orientação sobre sexualidade, outros tempos. Fui descobrindo sozinha.

Logo cedo casei, sonhadora, iludida. Traída dentro de casa, mudei tudo. Sofri muito mas continuei no sonho de “felizes para sempre”. Fui aos trancos.

Agora a lembrança me leva a um consultório médico com fortes dores abdominais. Deitada numa maca sou demoradamente apalpada, estômago, intestino, barriga toda. Então? Nada? Sim! Sai o medico de perto meio contorcido parecia que tinha encorporado minha dor. Qual nada! Ele escondia mal uma ereção. Percebi, calei com ânsia de vômito. Sai do consultorio com mais dores do que as tinha. Agora com a auto estima doida também.

E seguindo o caminho, amores, namoros, casos à toa. Bonitos, feios, bobos, inteligentes. Eu queria um príncipe, todas queriam.

Nessa busca mais uma porrada de leve. Entre conversas e cervejas o rapaz de familia rica me levou a marina no Iate Clube para me mostrar o barco novo. Claro que achei que íamos ficar juntos, beijos, risadas, carinhos e velejar.

Nao foi bem assim. Fui virada de costas apoiada num barco e estuprada. Dolorida de todo jeito, pouco falei. Lembro de dizer: isso não e assim! Acabou, fui embora na hora arrasada.

Espanto, no dia seguinte entra pelo corredor do lugar onde eu trabalhava, o sujeito com sorrisinho no rosto e bonbons na mão. Continuei calada.

E o tempo passa na minha memória, voando. Já com filhos criados e um a criar, vou levando a vida de divorciada e super-heroína. Sou boa nisso!

Já aos quarenta e tal me deparo com mais dessa espécie comum. Um amigo/parente, me liga com voz rouca de desespero pedindo que fosse a sua casa urgente. Éramos vizinhos.

La fui eu, short , camiseta, descabelada, estava descabelada, fiquei mais ainda quando ao descer as escadas o sujeito me agarrou a força e tive que usar a minha para empurrá-lo e sair correndo. Chorei de raiva e espanto. Afinal, eu era amiga da mulher dele. Não entendi nada ou entendi tudo. Em choque ainda cruzei com o personagem dias depois e ele todo sorrisos me perguntou porque eu não falava mais com ele? Porra! Como assim?

Hoje ao 67 passando um pouco a vida a limpo, trago essas grotescas memórias a tona. Feridas curadas, não esquecidas. Ainda sinto nojo de cada uma delas.

Menina sonhadora: caíram os panos, desfizeram-se os sonhos. A super-heroína esta aqui de pé, MULHER.

E bem longe os João, Marcelo, Carlos , Vidal, Jorges que nãoo ouso chamar de HOMEM.

Maria Nazareth Dias Coelho – Bela Urbana, jornalista de formação. Mãe e avó. É chef de cozinha e faz diários, escreve crônicas. Divide seu tempo morando um pouco no Brasil e na Escócia. Viaja pra outros lugares quando consigo e sempre com pouca grana e caminhar e limpar os lugares e uma das suas missões.

 

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Nós conseguimos!

Eu me chamo Pâmela Cristina Caris, nasci no ano de 1990.

Falar sobre relacionamentos abusivos é de fato um lugar de dor.

No ano precisamente de 2022 me reconheci como uma mulher negra e olhei para mim com olhos de amor. Por que me ensinaram a não me aceitar?!

Na vida adulta eu aprendi, a duras penas, a me reconhecer. Falo sobre a dificuldade de reconhecimento por vivermos ainda neste século em um país com grandes e imponentes traços de colonização.

Meu primeiro relacionamento abusivo foi com minha mãe (sei que ouvimos falar muito sobre repetição de padrão, mas este aqui não é o caso); meu primeiro abuso sexual foi aos 5 anos de idade com meu avô.

Minha mãe se mudava muito de casa e de relacionamento como se troca de roupa. Meu segundo abuso sexual foi também com meu avô, neste caso, com o pai da minha mãe, e esta fazia vistas grossas para a situação, pois éramos muito pobres e passávamos fome (este avô pedia esmolas na rua e trazia alimentos em troca de passar as mãos nas minhas partes genitais).

Aos 12 anos sofri um estupro, uma longa história; casei-me nova, aos 16 anos, pois minha mãe me expulsou de casa na primeira oportunidade (era menos uma boca para comer), resultando em um casamento frustrado e adquirindo mais traumas.

Lembro-me que, certa vez, meu pai me disse que eu seria igual a minha mãe, mas eu orava e, dentro de mim, sabia que eu seria diferente, que eu seria uma mãe amorosa, que jamais iria bater nos meus filhos de fio ou pau, que jamais bateria a cabeça deles na parede, que eles teriam um teto para viver e um lar, que, de fato, sempre foi o que sonhei.

Penso hoje ainda nas várias Pâmelas (crianças) que ainda passam por essa situação.

Eu estou aqui. Eu sou um milagre e vivo de milagres.

Hoje eu olho para minha criança interior e a abraço: “Eu estou aqui e vou cuidar de você, minha menina — a menina que ainda habita aqui neste corpo, alma e coração — e eu posso dizer a você, minha pequena criança, que nós conseguimos!

Pâmela Caris – Bela Urbana, mãe, esposa e empreendedora, uma “MULHER” e toda mulher sabe a “FORÇA” e “POTÊNCIA” que é.