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Terra molhada

Se tem um gatilho universal para a memória, é o cheiro de terra molhada.

Feche os olhos por um instante e imagine esse cheiro. Onde você foi parar? Vou falar por mim.

Uma janela, a luz difusa do sol promete um lindo dia, o sabiá cantando, a sombra das folhas e galhos na parede. Cheiro de terra molhada denuncia a chuva da noite. Fico deitada, só mais um pouquinho, ouvindo os sons, enebriada pelas sensações.

Um pomar, a liberdade de correr, sem medo de se molhar na chuva quente do verão. Ou pelas ruas do bairro, poças que refletem o céu.

À entrada da casa um tapete ou paninho, pois aos pés descalços só resta tentar limpar o quanto der.

Ainda chove? Talvez. O cheiro de terra molhada persiste ainda.

Um outro dia, a terra molhada, cadernos e apostilas, que desperdício de tempo. Uma pausa, cheirinho de café e pão de queijo e volta para os estudos. O diploma prova um tempo bem gasto.

Cheiro de terra molhada, uma taça de vinho para celebrar. Um toque macio, o cheiro de outra pessoa a me amar.

Terra molhada. Os filhos correm lá fora, foram ensinados a também reverenciar as dádivas da natureza. A vó acha que podem ficar gripadas, mas não, mãe, deixe que aproveitem.

A vó é tão divertida, gritam os netos – a vó agora sou eu – que comigo correm na terra molhada. Na entrada da casa do rancho, um pano, pois nossos pés descalços precisam limpar a terra e a grama neles grudados. O vô traz o pão de queijo e o suco para as crianças e, para mim, café com beijo quentes.

Uma luz difusa entra pela janela, a sombra de galhos e folhas na brisa, o sabiá está cantando e o cheiro da chuva que passou, terra molhada, anunciam um belo dia pela frente, com as memórias daquele lugar especial. Todo dia é especial, mas alguns são mais que outros.

Synnöve Dahlström Hilkner – Bela Urbana, é artista visual, cartunista e ilustradora. Nasceu na Finlândia e mora no Brasil desde pequena. Formada em Comunicação Social/Publicidade e Propaganda pela PUCC. Desde 1992, atua nas áreas de marketing e comunicação, tendo trabalhado também como tradutora e professora de inglês. Participa de exposições individuais e coletivas, como artista e curadora, além de salões de humor, especialmente o Salão de HumBelor de Piracicaba, também faz ilustrações para livros. É do signo de Touro, no horóscopo chinês é do signo do Coelho e não acredita em horóscopo.
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A IDADE DA MULHER

AS 3 IDADES DA MULHER -KLIMT (2)

Era uma manhã de sábado! No caminho para a feira encontro uma conhecida que me diz: “De shorts??? Moderninha, hein?”

Como de costume, parei para pensar no que eu estava errando… Mas claro que o erro não era meu!

Na hora do almoço, a tia, no auge de seus 80 me diz: “Não queira ficar velha… É muito ruim!” e eu, horrorizada, respondo: “Se der tudo certo, ficarei velha sim, pois a única outra opção não me atrai muito…”

Então parei para refletir sobre idade, especialmente a idade da mulher!

Ainda tenho idade para andar de shorts? Calça jeans, saia curta?

Mantenho cabelo comprido, corto seguindo tendência ou acredito que cabelo curto rejuvenesce? Pinto? Estico? Assumo os grisalhos e ondulados? Plástica, botox, preenchimento, dietas?

Muitas dúvidas na vida de uma jovem de quase 52…

E como encarar o desafio no país líder de lipoaspiração e plástica? Onde silicone virou tão banal quanto colocar um brinco e é possível aplicar hidrogel logo ali na esquina?

Na verdade, simplicidade é a palavra-chave, pelo menos para mim.

Quero esclarecer que sou extremamente vaidosa e não tenho por hábito sair sem uma boa maquiagem e um cabelo arrumado.

Desde a mais tenra idade aprendi a investir em qualidade de vida para investir no visual… Investir em uma boa alimentação, equilibrada, com direito a excessos, para não deixar de ser divertido. Investir em protetor solar e cremes, não os mais caros, nem os últimos lançamentos, apenas manter a pele hidratada e bem cuidada. Investir em água – recentemente comprei um filtro de barro, daqueles de antigamente, bem baratinho, e descobri que a água fica com gosto e frescor divinos. Investir em exercícios físicos, não ficar parada… Investir em sonhos!

Mudar de ideia e opinião! Mudar até de carreira, se for o caso! Quantas vezes for necessário! Parafraseando Raul: Prefiro ser essa metamorfose ambulante do que ter opinião formada sobre tudo!

Ter bom humor é fundamental! Assim como se adaptar fisicamente aos desafios que surgem…

Quando ouço “Mas você não parece ter a idade que tem!” é claro que fico envaidecida, mas me pergunto, qual é a minha idade?

Vivi a experiência dolorosa e doce de me tornar madura, criei filhos maravilhosos, perdi entes queridos, arregacei as mangas quando a situação exigia, e agora, quando a vida está me dando a oportunidade de curtir marido e arte, posso dizer que “na minha época…” ainda é um tempo presente…

Pretendo continuar vestindo shorts e calça jeans enquanto eu e meu espelho gostarmos, não para me sentir mais jovem, apenas para ser eu mesma, sem idade definida, Forever Young!

FOTO PERFIL Synnove

Synnöve Dahlström Hilkner É artista visual, cartunista e ilustradora. Formada em Comunicação Social/Publicidade e Propaganda pela PUCCAMP. Desde 1992, atua nas áreas de marketing e comunicação, tendo trabalhado também como tradutora e professora de inglês, com ênfase em Negócios. Nascida na Finlândia, mora no Brasil desde os 7 anos e vive atualmente em Campinas com o marido, com quem tem uma empresa de construção civil. Tem 3 filhos e 2 netas. Desde 2011 dedica-se às artes e afins em tempo quase integral – pois é preciso trabalhar para pagar as custas de ser artista – participando de exposições individuais e coletivas, além de salões de humor, especialmente o Salão de Humor de Piracicaba, também faz ilustrações para livros.É do signo de Touro e no horóscopo chinês é do signo do Coelho. Contribui para o Belas Urbanas com suas experiências de vida.
 
OBS.: O quadro acima: As 3 idades da mulher/ de Klimt.
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CONFISSÕES “DA ÚLTIMA BOLACHA DO PACOTE”

Sim, sou a última bolacha do pacote e preciso urgente fazer minhas confissões, estou cansada de ser tão malvista, preciso me confessar, todos confessam, tem confissão para tudo. Confissões de adolescente, de mulheres de 30, de homens, tem até confissão de órgão íntimo, então nada mais justo que eu – a última bolacha do pacote – me confessar.

Sim, preciso urgente fazer essas minhas confissões, afinal a minha imagem, essa que está na boca do povo, não é justa, ninguém está vendo meu lado.

Confesso que, por causa de toda essa falação, fui fazer análise. A fama por um lado é boa, mas ser taxada de forma tão antipática me incomoda profundamente. Confesso que estou tentando entender de onde esse boato surgiu, mas não achei explicação para isso.

Vou compartilhar meu doce coração com vocês. Sim, sou a última bolacha do pacote, é certo que sou gostosa, chego a dar água na boca de alguns, tenho recheio, aliás, tenho dois, morango e chocolate. Melhor ainda, sou waffer, não é pouco, não, não sou qualquer uma, sinceramente sou uma delícia, mas é só dessa forma que os outros me veem, ninguém vê meu lado sensível, ninguém vê o conteúdo do meu recheio, todo este meu sofrimento. Incomodo porque sou gostosa?

Sim, eu sofro, e aposto que ninguém imagina o porquê. Alguém se atreve? Sofro porque sobrei. Sobrei, sou a última. Estou sozinha e não sei para onde vou, minhas colegas, todas elas já foram para sua nova vida, já se renovaram, transmutaram, já experimentaram a delícia de serem saboreadas até o fim, mas eu não, ainda continuo por aqui, somente sendo desejada.

Pode ser que ninguém me queira e que eu vá parar em um lixo qualquer. Discuto muito isso na análise, meu analista me incentiva a ter o foco mais voltado para minhas qualidades, para eu ser autossuficiente e esquecer esta necessidade urgente que sinto de ser saboreada, pois ninguém quer uma bolacha, por mais gostosa que seja, desesperada. Meu Deus, o que faço então? Finjo? Porque confesso que ainda não aprendi essa lição e espero urgentemente ser devorada.

A questão de ser a última bolacha do pacote nunca foi fácil, fui a primeira a ser embalada, só tive uma vizinha a vida inteira e – pior – era chatésima, se achava a mais gostosa do pacote. Exatamente vivendo como eu, só a primeira bolacha, mas nunca conseguimos ser próximas e falar dos assuntos em comum, porém a situação dela ainda era melhor, foi embora logo, foi a primeira, penso que deve ser uma grande sensação ser a primeira… E as outras? Todas tinham mais companhia que eu, sempre duas vizinhas… Quantas vezes chorei olhando para a minha embalagem, só isso me sobrava.

Essa fama que roda o país me deixa péssima, mas confesso aqui, bem baixinho, que também me ajuda no ego ferido, de alguma forma parece que sou eu que não quero nada e prefiro continuar nessa situação, escolhendo quem vai me levar, mas a verdade não é essa, confesso aqui agora, abertamente, para vocês, não é nada disso.

Pareço inatingível porque sei que sou “bonita e gostosa” e meu lema é “sei que você me olha e me quer”. Meu analista diz que tenho que parar de me inspirar na letra das Frenéticas, mas ele não entende que frenética estou eu, que preciso urgente de uma boca loca que me queira devorar, cansei de ter somente que me achar.

Confesso, por fim, e no mais alto e bom som, cansei de ser metida, preciso mesmo é ser comida.

Então serei direta. Que tal você aí? Não quer experimentar?

Da gostosa e última bolacha de waffer recheada de morango e chocolate do pacote.

 

Adriana Chebabi

Adriana Chebabi – Bela Urbana, idealizadora do Belas Urbanas onde é a responsável pela autoria de todos os contos do projeto. Publicitária, empresária, poeta e contadora de histórias. Divide seu tempo entre sua agência Modo Comunicação e Marketing www.modo.com.br, suas poesias, histórias e as diversas funções que toda mãe tem com seus filhos.

Desenho bolacha: Synnöve Dahlström Hilkner