Se tem um gatilho universal para a memória, é o cheiro de terra molhada.
Feche os olhos por um instante e imagine esse cheiro. Onde você foi parar? Vou falar por mim.
Uma janela, a luz difusa do sol promete um lindo dia, o sabiá cantando, a sombra das folhas e galhos na parede. Cheiro de terra molhada denuncia a chuva da noite. Fico deitada, só mais um pouquinho, ouvindo os sons, enebriada pelas sensações.
Um pomar, a liberdade de correr, sem medo de se molhar na chuva quente do verão. Ou pelas ruas do bairro, poças que refletem o céu.
À entrada da casa um tapete ou paninho, pois aos pés descalços só resta tentar limpar o quanto der.
Ainda chove? Talvez. O cheiro de terra molhada persiste ainda.
Um outro dia, a terra molhada, cadernos e apostilas, que desperdício de tempo. Uma pausa, cheirinho de café e pão de queijo e volta para os estudos. O diploma prova um tempo bem gasto.
Cheiro de terra molhada, uma taça de vinho para celebrar. Um toque macio, o cheiro de outra pessoa a me amar.
Terra molhada. Os filhos correm lá fora, foram ensinados a também reverenciar as dádivas da natureza. A vó acha que podem ficar gripadas, mas não, mãe, deixe que aproveitem.
A vó é tão divertida, gritam os netos – a vó agora sou eu – que comigo correm na terra molhada. Na entrada da casa do rancho, um pano, pois nossos pés descalços precisam limpar a terra e a grama neles grudados. O vô traz o pão de queijo e o suco para as crianças e, para mim, café com beijo quentes.
Uma luz difusa entra pela janela, a sombra de galhos e folhas na brisa, o sabiá está cantando e o cheiro da chuva que passou, terra molhada, anunciam um belo dia pela frente, com as memórias daquele lugar especial. Todo dia é especial, mas alguns são mais que outros.