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Ninguém perguntou se ela queria

 

Coitada da Torre Eiffel
Que faça chuva ou faça neve
Brilha
Todas as noites
Tem que estar sempre
Completamente
Inquestionavelmente
Impecável
Que não pode nem por um segundo
ser menos que perfeita

Ninguém perguntou se ela queria estar lá
Exposta
Nua
A todos os momentos da sua vida
Apenas seu exterior sendo admirado

Sem ninguém nunca questionar
Como ela se sente
De onde veio
Para onde gostaria de ir
Todas as noites
Não importa o que ela pense
Ela brilha
Pro mundo todo
Está sempre de cabeça erguida
Infalível
Brilhando

Sem ninguém sequer ter indagado
Se era isso o que ela queria
O livre arbítrio brutalmente
Tirado de suas mãos

E todas as noites ela brilha
Pontualmente
Não importam os rostos feios encarando
Ela brilha
Só se tem certeza da morte
E que de hora em hora ela estará brilhando
Para todos
Menos
para
ela
Seu destino irrefutavelmente fora do seu alcance

Apenas um objeto de admiração
Incontáveis
Turistas
Desconhecidos
Estranhos
Todas as noites
Invadindo seu espaço
Sem questionar
Sem pedir
Sem permissão

E mesmo assim
Todas as noites
Ela estará lá
De ferro
Encantadora
Prestativa
Pontual
Sem jamais se queixar
Brilhando

– este não é um poema sobre uma torre

Giulia Giacomello Pompilio – Bela Urbana, estudante de engenharia mecânica da UNICAMP, participa de grupos ativistas e feministas da faculdade, como o Engenheiras que Resistem. Fluente em 4 idiomas. Gosta de escrever poemas, contos e textos curtos, jogar tênis, aprender novos instrumentos e dançar sapateado. Foi premiada em olimpíadas e concursos nacionais e internacionais de matemática, programação, astronomia e física, além de ter um prêmio em uma simulação oficial da ONU
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Por fim e sem fim

PRECISAMOS FALAR SOBRE RELACIONAMENTOS ABUSIVOS SEMPRE, essa é a série que lançamos em agosto e que ainda não fechamos. A questão que fica é: Temos como fechá-la?

A resposta é não. Não temos como parar de falar sobre isso, mas não queremos falar só sobre isso, porque temos muitas outras questões que também precisamos falar.

Aqui no Belas Urbanas, para falar sobre algo, ouvimos. Sim, no processo dessa série e de outras, ouvimos e depois tornamos públicos os textos. Entendemos que além de falar, ouvir é fundamental para nos conectarmos.

Essa segunda série sobre o tema – para quem ainda não sabe, fizemos uma primeira série que deu origem ao livro Precisamos falar sobre relacionamentos abusivos – trouxe textos sobre abusos ainda não ditos na primeira, como nas relações homoafetivas, como casamentos com gays ou bissexuais, como questionamentos sobre os abusos que são vindos de instituições e muito abuso infantil… muito mesmo, incluindo estupros.

Foi dolorido ouvir essas histórias! Algumas histórias publicamos, outras (nesse momento) só precisavam de alguém para ouvi-las e, por isso, ainda não foram publicadas. O primeiro passo nesse processo de lidar com a dor é falar sobre o assunto, geralmente em conversas privadas. Expor publicamente requer estar em um segundo estágio,  porque mesmo escrito de forma anônima, é necessário coragem para lidar com o que vem depois, como julgamentos e críticas que aparecem no meio de comentários mais empáticos. É uma ferida que está aberta em busca da cura.

Vivemos em um mundo abusivo, composto por diversas relações abusivas, em diferentes graus e impactos. A pergunta que não quer calar é se a humanidade conseguirá dar um passo adiante e viver relações mais positivas e harmônicas. Hoje, dia 31 de outubro de 2023, a humanidade adoece, com diversas violências, entre elas guerras… O que podemos pensar da guerra?  Das diversas agressões e abusos de uma guerra? O que podemos pensar de ataques a escolas e assassinatos? O que podemos pensar sobre tantos números, que só aumentam, de feminicídios? O que podemos pensar de tantas e tantas relações de pessoas esgotadas, sobrecarregadas, invisíveis, quando precisam tanto serem vistas?

Enfim, não iremos colocar um ponto-final nessa série, mas um ponto e vírgula, para falarmos de outros assuntos e deixarmos essa série como permanente em nossa grade. O SEMPRE que ocorreu nessa continuidade veio a calhar para continuarmos mesmo sem a série fixa.

É preciso sermos muito conscientes e cuidarmos de nós, dos que estão a nossa volta e, principalmente, das crianças. Crianças têm poucas chances de defesas. Quando o abuso vem da infância, aquele lugar onde a pureza é quase todo o indivíduo, a crueldade nessa fase é uma ENORME violência. Por isso, a consciência e a atitude de estarmos sempre atentos e protegendo as crianças, sejam elas da sua família ou não. Precisamos de menos omissão.

A vida é uma grande preciosidade, repleta de belezas em meio a tantas dores. Tem um poema do Drummond que diz: “É feia. Mas é uma flor. Furou o asfalto, o tédio, o nojo e o ódio”.

Vamos plantar mais flores?

Adriana Chebabi  – Bela Urbana, sócia-fundadora e editora-chefe do Belas Urbanas, desde 2014. Publicitária. Roteirista. Escritora. Curiosa por natureza.  Divide seu tempo entre seu trabalho de comunicação e mkt e as diversas funções que toda mulher contemporânea tem que conciliar, especialmente quando tem filhos. É do signo de Leão, ascendente em Virgem e no horóscopo chinês Macaco. Isso explica muita coisa.

 

Link do poema: A flor e a náusea

A flor e a náusea [Carlos Drummond de Andrade]