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Crônica sobre os prédios do centro da cidade

Pedaço 1
Hoje eu tive um sonho. Era um pedaço de caminho nebuloso. Em meio à névoa, como num filme do Fellini, surgiu a imagem de um touro numa intensidade do presente. O presente é futuro. Sempre converso com pessoas que acham que o pretérito é mais que perfeito, mas o sonho sempre é imperfeito. Imagens esparsas vão se tornando nítidas conforme se desenrola nas telas da madrugada bem dormida.

Pedaço 2
Ao volante do meu carro pela rua que leva à cidade, ao sol e aos devaneios vejo um jabuti atropelado no meio da pista. Estaciono, defronte ao cinema central. Caminho até o jabuti para observar a maldade que atropela animais pelo caminho. O jabuti imaginado não passava de uma luva largada no meio do caminho assim… como as latas e outras embalagens atiradas pelas janelas dos automóveis que transitam por aquela via.
De volta ao volante do carro a caminho do centro da cidade vejo os muros cinzas dos condomínios fechados e os cartazes que vendem liberdade aos moradores que habitam ali. À esquerda os bois e vacas andam uniformemente, brancos e prontos para o abate.

Pedaço 3
Agora vou falar a sério; vou falar umas verdades dos prédios vazios no centro da cidade. Fui fazer uma caminhada pela região central da cidade. Um deserto incontornável atrás da “Última Crônica” do Fernando Sabino. Entrei em algumas livrarias e sebos procurando alguma leitura para além da minha zona de conforto: a representação da vida em movimento na época contemporânea. Em algumas das prateleiras percebi que os livros não se encontravam organizados pelos critérios tradicionais por temas e ordem alfabética de autores e nomes de livros, mas pela vizinhança, meio que se encostando um nos outros pela sincronia de sua diversidade. Não encontrei o livro de crônicas que procurava.
Depois, andei pela rua vazia, ao longo de um novo muro cinza. Na praça, as crianças jogavam bola. Sentei para descansar perto das dúvidas dos sem-teto que estavam almoçando linguiça, arroz e rúcula e descobri que eles se organizavam para saber aonde iriam passar a noite, sem atrapalhar o público.

Parte 4 ou (Guisado de considerações)
Unificar aspectos humanos em si, independentemente do instante de seu acontecimento. Mas se tudo era um sonho bom sobre o tempo que lento, não diz nada a ninguém, nem mais ilude a alma batida como as roupas que os moradores da rua lavam e estendem ali mesmo na grama da praça. Nada mais do que o ciclo dos dias em sua velocidade que roda nos raios da bicicleta e o sol que a segue mais uma vez completa seu arco e dá lugar a uma lua acompanhada de estrelas que mais uma vez vão se embora e vem o sol e vai-se embora.
Assim eu gostaria que fosse a crônica: um apanhado dos pedaços e anotações justapostes como num painel sobre o tempo presente. Caminhar por ruas e praças desconhecidas para ficar em silêncio e escutar o novo.

João André Brito Garboggini – Belo Urbano – é publicitário, ator e diretor teatral e tem três filhos.
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Você já apanhou? Gostou?

Eu sou de 1971, 43 anos, como muitos da minha geração, eu apanhei da minha mãe diversas vezes e também do meu pai (raras vezes), não me considero traumatizada por isso, ao contrário, por tudo o que minha mãe conta, se eu não tivesse apanhado talvez hoje fosse uma drogada, bandida ou uma vagabunda qualquer, perdida na vida, pois segundo ela eu era uma criança de temperamento difícil, muito questionadora, porém depois de já ser uma criança grande, a fera dentro de mim já domada, eu nunca questionei a minha mãe sobre se apanhar era certo ou errado, eu aceitava isso como verdade absoluta e inclusive tive muitas conversas com amigos e conhecidos e os relatos eram bem parecidos, comentários bem comuns e repetitivos sobre serem travessos e terem levado vários corretivos dos pais, ou seja, é mais comum essa situação, do quê ouvir alguém dizer: eu nunca apanhei dos meus pais, isso para mim significava: ou essa pessoa é uma santa, uma mosca morta ou os pais são santos ou não se preocupavam com a educação dessa pessoa, essa era minha crença até a bem pouco tempo atrás, eu nunca concebi a idéia de que alguém pudesse ser educado sem ter apanhado, eu sempre acreditei que eu mereci apanhar e que minha mãe me amou o suficiente para me bater e quando me dei conta do meu equívoco foi quando tive filhas e pela primeira vez li “Educar sem violência – Criando filhos sem palmadas” de Ligia Moreiras Sena e Andréia C.K. Mortensen, sobre esse não entrarei em detalhes mas foi crucial para que eu tivesse noção do quê não fazer com minhas filhas, esse me levou a outro livro maravilhoso e é dele que falarei agora, dito isso, vamos ao assunto.

“Como falar para seu filho ouvir e como ouvir para seu filho falar” de Adele Faber e Elaine Mazlish, já me animou desde o princípio pois foi escrito por duas psicólogas com filhos e que trabalharam com  muitas famílias, elas tinham experiências positivas em como educar crianças e os comentários que encontrei eram todos excelentes.

 

Razões para lê-lo:

1- Se tem filhos e questionamentos sobre como educá-los.

2 – Se é professor ou avô ou avó.

3 – Se acredita que bater é somente para quem não tem argumentos adequados.

4 – Se quer educar seu filho de uma maneira amorosa, justa e mais tranquila dentro do possível.

5 – Se cansou de ler que criança tem que ter limites mas ninguém explica como dar os limites de uma maneira fácil, prática  e que funcione (eu já li vários livros sobre esse tema, inclusive Içami Tiba), mas nunca encontrei algo tão simples e com exemplos relevantes como nesse livro.

6 – Se você quer respeitar e ajudar seu filho a entender seus próprios sentimentos.

7 – Se alguma vez na vida já passou pela sua cabeça que todos deveriam ter um treinamento formal em Educação Infantil antes de serem pais ou mães.

 

Quero deixar alguns exemplos para que tenham um gostinho de como o livro é, mas somente do que eu já experimentei com minhas filhas ( 7 e 5 anos) e que funcionou:

Situação: Sapatos espalhados em lugares indevidos.

Eu costumava dizer (já em tom de irritação): Por favor recolham esses sapatos e ponham no lugar que vocês já sabem, será possível que eu tenho que falar isso quantas vezes???

Reação das crianças: Ás vezes elas iam no mesmo momento, mas muitas vezes elas ficavam fingindo que não era com elas, ou demoravam para recolher os sapatos, isso me deixava muito irritada e eu queria obediência no mesmo minuto e isso não acontecia, eu ficava uma pilha de nervos.

Agora eu apenas descrevo o que vejo (uma das habilidades que aprendi com o livro), eu digo com a voz mais calma que eu consigo (venho praticando muito para ter nervos de aço) eu digo tranquilamente: vejo sapatos fora do lugar e um milagre acontece no mesmo momento: elas não reclamam e vão retirar os sapatos e colocá-los no lugar correto, quando tentei isso pela primeira vez e funcionou eu nem acreditei, comecei a fazer isso com tudo o que posso, a luz está acesa, eu digo: luz acesa no banheiro, pronto, resolvido, no mesmo momento alguém apaga ou diz que não foi ela e a outra corre lá e apaga, criança não gosta de sermão e nem de tom de crítica o tempo todo, aliás ninguém gosta, o problema é que os pais perdem a paciência e com crianças é necessário ter paciência ilimitada.

Outra habilidade que o livro ensina é ajudar o filho a reconhecer os sentimentos dele, e com isso acalmar diversas situações que podem gerar uma birra ou fazer o pai perder a paciência, por exemplo: De manhã seu filho fica pouco colaborativo para se arrumar para ir a escola e diz não para tudo o que você quer que ele faça de boa vontade, você começa a ficar estressado porque sente que vai se atrasar, antes eu ficava muito irritada e

começava dizer que nos iríamos nos atrasar por culpa delas, etc, agora eu digo para elas com a voz calma: sei que estão com muito sono, eu também estou e é difícil fazer tudo isso com sono, mas sei que vocês querem ir para a escola (elas gostam mesmo de ir para a escola) então nós vamos conseguir e agora elas colaboram de verdade.

Mas de todas as situações positivas que já aconteceram até agora foi quando nós três, eu e minhas duas filhas resolvemos uma situação de conflito juntas, não fui eu quem ditou todas as regras, elas colaboraram e agora tudo melhorou.

Situação: como elas têm idades próximas as roupas não tinham dona pois os tamanhos são similares e eu utilizava as roupas da maneira que eu quisesse, mas conforme cresceram, elas começaram a reclamar e tive muitas discussões sobre isso antes de sair para um passeio, por exemplo, uma não queria emprestar para a outra a roupa que ganhou de aniversário mas nem iria usar, enfim, vários cenários de conflito em relação as roupas, recentemente apliquei a técnica que o livro ensina, nos sentamos com papel e caneta e a mais velha de 7 anos escrevia tudo o que pensávamos que poderia resolver as disputas, cada uma falava sua sugestão e no final escolhemos as melhores idéias e descartamos o que era inviável, o mais importante era ouvir tudo e anotar sem preconceitos, mesmo que fosse o mais absurdo que se possa imaginar,  as regras foram escritas e penduradas na geladeira, eu quase chorei de emoção, agora quando se inicia uma discussão sobre isso eu só falo para elas lerem o que está escrito no papel e imediatamente as coisas se ajeitam entre elas.

Enfim, ainda não consegui aplicar tudo o que li nesse livro maravilhoso, mas dentre todos o que li até agora, esse foi o que me deu mais ferramentas de ação com minhas filhas e resultados positivos, recomendo para todos os pais que como eu amam intensamente seus filhos e que não compram mais a idéia de que para educar uma criança é necessário a punição física, mas que sim acreditam em limites e em formar pessoas que respeitam os limites alheios e que também não acreditarão na violência como forma de educar seus próprios filhos.

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Eliane Ibrahim – Mãe de duas meninas de 7 e 5 anos, apanhou quando criança e não gostou, acredita que deve quebrar o ciclo de violência, já bateu em suas filhas e não gostou, também não funcionou, outras abordagens funcionaram melhor.
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Opinião: Livro ‘A Elegância do Ouriço’

Eu sempre gostei de ler, desde criança. De um tempo pra cá resolvi escrever um livro e descobri que o lado de lá é bem mais complicado. Agora, outra novidade: um convite do blog ‘Belas Urbanas’ para escrever sobre um livro!

No meio da proposta já pensava no romance ‘A elegância do ouriço’, primeiro livro da francesa Muriel Barbery, lançado em 2006 com grande sucesso lá na França, e em 2008 aqui no Brasil pela editora Companhia das Letras.

O romance conta o dia a dia de um prédio luxuoso num elegante bairro de Paris. Um livro bem francês, com um pouco de filosofia e toques de humor-negro.        As 352 páginas são divididas pelas narrativas de duas mulheres: Renée Michel, zeladora de meia idade que guarda segredos sobre quem realmente é e Paloma Josse, uma menina calada e revoltada que planeja o suicídio no aniversário de 13 anos.

Os capítulos são intercalados pela rotina de Renée e as escritas de Paloma em uma espécie de diário. A edição muda o tipo de letra quando cada uma protagoniza a história o que ajuda no entendimento, mas não torna o livro totalmente ‘fácil’.

Por conta de uma velha mania de sublinhar trechos e listar personagens, logo nas primeiras páginas me peguei fazendo o desenhinho de um prédio de seis andares, que foi sendo preenchido no avançar das páginas: os Pallières no 6o, os Josse no 5o, os De Broglie no 1o.

Os personagens são muitos, mas a concierge Renée é a minha preferida e provavelmente será a sua. Ela possui um mundo interno que vai muito além da percepção das pessoas que a cercam, e é assim que deseja que continue a ser. Tudo nela é singular. O gato se chama León em homenagem ao escritor Tolstói, porém essa associação simplesmente nunca foi feita no número 7 da Rue de Grenelle.

A amizade com Paloma rende uma troca fantástica de experiências e a chegada de Kakuro Ozu, um simpático senhor japonês, torna a história irresistível. É o Sr. Ozu que vai desvendar Renée e libertar o que há de melhor nela. A descrição do momento em que ele flagra a verdadeira personalidade da concierge através de uma citação de Anna Karenina é um primor.

Eu poderia descrever em alguns parágrafos o teor do livro, o comportamento das pessoas, mas não é isso que importa. É a forma como elas vem e vão e passam e ficam.

Experimente ‘A elegância do ouriço’! Confesso que nem todos os que leram por minha sugestão se identificaram de cara com o livro, porém os que chegaram ao final se encantaram e é por esse encantamento que eu continuo a indica-lo por aí.

Quando faltavam dez, quinze páginas para terminar a primeira leitura que fiz desse livro, eu me senti tensa, comecei a ‘economizar’ lendo devagar, desejando que demorasse um pouco mais para chegar ao fim.

Isso para mim, é a melhor sensação que um livro pode transmitir.

 

Título original: L’ ELÉGANCE DU HÉRISSON

Autora: Muriel Barbery

Tradução: Rosa Freire d’Aguiar

 Capa: Kiko Farkas / Máquina Estúdio e Elisa Cardoso/ Máquina Estúdio

 Páginas: 352

Selo: Companhia das Letras

Foto Carla Dias Young

Carla Dias Young, tem 44 anos é jornalista, (tenta ser) escritora e trabalha na empresa ‘Young.comunicação Consultoria em Comunicação e Licenciamento Ambiental’. Nasceu em Santos, mora em Campinas, é casada e tem dois cachorros e uma gata, todos vira-latas.