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Ainda tenho…

O tempo parece um menino…

ora soltando pipa, ora traçando o destino.

O tempo parece um mago, daqueles de festa de aniversário, que esconde os brinquedos da gente e desaparece…achando graça. Parece uma brincadeira de esconde-esconde. Envaidece.

O tempo passa…

Implacável, intolerante, imparcial, quase um delinquente.

O tempo tira sarro da gente

e anda depressa.

Outro dia era uma chuva fina acompanhada de bolinhos e ovos mexidos, e de repente, é uma saudade imensa do meu pai e da minha avó.

Tempo de cada cachorro que amei, tempo de tanta coisa que eu não vivi, tempo de quando carreguei minha filha no colo.

Às vezes, olho para o tempo e choro.

Fico buscando um tempo para me amar um pouquinho.

“pega leve comigo…ainda tenho pipas para soltar”

Siomara Carlson – Bela Urbana. Arte Educadora e Assistente Social. Pós-graduada em Arteterapia e Políticas Públicas. Ama cachorros, poesia e chocolate. @poesia.de.si
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Aquele medo inventado

Tenho feito um caminho de volta à tudo aquilo que arrancaram de mim sem piedade, de
maneira brutal. Tenho lido minha história, arremessada em meus olhos, como se fossem
lanças que se perderam em algum lugar. Um retorno certo e nada frágil. Quero saber de mim.
Lembro muito bem de ouvir, diversas, inúmeras vezes, quando criança, que eu morria de
medo do mar, que me afastava dele e me virava para não vê-lo, em todas as viagens à praia.

Existem fotos antigas em que estou sentada de costas para o mar, brincando sozinha com
meus castelos na areia. E isso me bastou para acreditar que era um temor, sem nenhuma
explicação. Cresci acreditando em algo que nem me pertencia, e durante outras visitas à
praia, me colocava na defensiva, na imagem autoritária de que eu precisava evitá-lo a todos
custo, afinal, era como uma ordem não poder admirá-lo.

Nesse percurso de tirar todas as vendas que foram colocadas, algo apertava o meu peito e
me dizia:”vá ao encontro dele”. E eu fui, no final do ano passado. Fui diferente de tudo que
havia em mim, sem as ordens dadas, sem os comandos estabelecidos e cruéis. Fui livre!
Tenho estado livre! As mordaças estão ficando para trás.

Queria poder descrever em palavras o encontro que teve início com o som arrebatador das
ondas numa noite quente…Um som de monstro alinhando os pulmões e jorrando sangue de
águas. Pensei ficar surda por alguns instantes, mas fechei os olhos para ouvir aquela
imensidão adentrando os meus desejos mais indiscretos. Aquele som era meu, me pertencia,
cada gesto da sua onda aterrorizante e bela. Era eu, alí…inteira…

Ofegante, fui me aproximando e admirando cada detalhe. Deitei na areia, de roupa mesmo,
até sujar cada fio dos cabelos. Fiquei entorpecida, alucinada, estendida, embriagada do álcool
que não bebo. Que visão era aquela? Orfeu materializado no mar.

Quem foi o estúpido que me tirou o direito de amá-lo, perdidamente?

Algumas pessoas se autorizam a serem cruéis e fazem dos nossos melhores sonhos as suas
certezas mesquinhas e perversas. Eu sei quem foi, e nem caberia aqui dizer, pois o que me
importa é a verdade que existe em meu âmago e entre os meus ossos. O caminho agora é
todo meu.

Após a visita, tive que deixá-lo…trazendo cada quebra de sigilo das ondas entre as minhas
pernas e o ventre. Eu nasci naquele momento, eu pari meu amor secreto.

Trouxe a certeza de que um dia eu volto para ficar, coloco uma cadeira bem de frente para
ele, no escuro de qualquer noite quente ou fria, isso não importa, e fico olhando sem
descansar, fico ouvindo seu temor em meu silêncio de não morte, permaneço pálida de tanto
querer, me alinho como um colo, me entrego como eu posso. Afinal, somos amantes.
Vontade de olhar para o mar e dizer:”eu não sei nada sobre você, mas entendo a sua
imensidão”.

Vou morar no horizonte dos meus olhos.

Aquele medo inventado foi para judiar dos meus sonhos.

Hoje, ninguém tira mais nada de mim, muito menos me dopa de incoerências e flagelos. Só
a gente sabe o que carrega, ninguém mais.

Há mar dentro do meu coração machucado, um mar que me leva, me busca e me lava. Ando
lavando as feridas que nunca foram minhas…Ando ao contrário, na contramão.

Siomara Carlson – Bela Urbana. Arte Educadora e Assistente Social. Pós-graduada em Arteterapia e Políticas Públicas. Ama cachorros, poesia e chocolate. @poesia.de.si