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A esquina depressiva

Ao amanhecer geralmente penso como irei atravessar o dia, como se ele fosse exatamente uma rua disponível para mim, com todas as situações que se desmembram quando estamos caminhando em uma calçada. E o que não me impede de refletir trocando as palavras grafitadas por outras que recaiam sobre meu colocar.

Bem, estive fora de minha liturgia diária por vários motivos e vou salientar com palavras, exatamente como me senti. Não sou uma pessoa depressiva, mas sofro assim como o fosse. VAMOS FALAR DE AMOR E CAMINHAR COMIGO?

Amanhece e eu tomo rumo e venho para a calçada, que me aguardam vocês que aceitaram meu convite de viagem na esperança de me pontuar os limites de ultrapassagens. A calçada me parece longa e cheia de obstáculos, mas vamos indo e eis que a “ESQUINA” se aproxima e eu não sinto vontade de chegar até ela.

Temo e me acho sem forças, isso talvez seja o receio de transpor o novo que pode ser um abismo, um novo conhecer sempre nos afeta e nos trai as possibilidades de avançar para um novo caminho. E pode sem dúvida nos atrair para uma vida mais coerente… mais precisa e mais envolvente. E vocês que aceitaram esse momento de minha vivência precisam sentir o que sinto… Respirem e se deixem inebriar com a mensagem de que temos que usufruir de nossos passos marcados de forma fluente na calçada que transitamos. Vamos sentir os obstáculos como se fosse os mais intensos atributos que irão facilitar a nossa coragem, de nos dar maior prazer em conquistar novos horizontes.

Podem participar e falar de sua coragem perdida. É amigos, a depressão da calçada nos revela que as investidas para a sintonia com a “ESQUINA” de nossas vidas somente se revela comprometedora, quando nos arrependemos de termos amanhecido e viajado pela calçada ao encontro do desconhecido. Meus amigos vamos voltar? Por hoje chega esse arrombar de promessas. Amanhã em amanhecendo voltarei para a calçada prometida e com certeza alcançarei mais uma “ESQUINA” de minha vida!  “REFLITAM, PERCEBAM” as paulatinas e fortes conjecturas que permeiam o tilintar das campainhas que muitas vezes temos que pedir socorro.

E sentir a fé nada corrompida com o nosso devorador de sonhos, que se situa dentro de nossa mente carente. E que sem pensar transfere os nossos pensares para as sensações que investem na coligação com os nossos sentimentos! AVANTE… E podem se tranquilizar… TODOS NÓS TEMOS UMA CALÇADA PARTICULAR QUE LONGE DE MIM, PODE TER UMA ESQUINA DEPRESSIVA!

Joana d’Arc Neves de Paula – Educadora infantil aposentada depois de 42 anos seguidos em uma mesma escola, não consegue aposenta-se da do calor e a da textura do observar a natureza arredor. Neste vai e vem de melodias entre pautas e simetrias, seu único interesse é tocar com seus toques grafitados pela emoção.
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Chapéus

Primeiro foi o boné, verde-escuro, com a aba para frente. Enjoei, quis mudar, virei, aba para as costas.

Caminhei, cansei, hum, chapéu de palha, rústico… diferente, troquei. Mas, depois de um tempo, não combinava com a urbanidade que me rodeava e onde eu estava inserida. Passei para frente em um farol.

Um gorro de inverno, preto, para combinar com tudo, principalmente para me aquecer naquele show no estádio, na plateia, no chão. Show dançante tem que ser no chão. Me aqueceu… dancei…

Achei melhor algo meio alternativo para o verão, uma viseira. Tentei, mas não gosto de viseira. Deixei ali, na piscina, e caí fora.

Busquei um chapéu coco, esse lado teatral que vive em mim. Compartilhamos muitos momentos. Brincar de Charles Chaplin tupiniquim foi divertido um tempo, mas depois sentia necessidade de algo mais sério.

Me apaixonei por um panamá, tinha aquele charme irresistível. Paixão louca. Louca paixão. Não desgrudava dele, fiquei com ele muitos anos, mas o charme no uso direto foi indo embora. Eu nem percebi a decadência diária, só que um dia olhei e não dava mais para andar com ele. Me despedi e fui embora.

Um tempo com os cabelos ao vento, só sentindo o vento, na cidade, na praia e na montanha. E não é que lá, meus olhos brilharam por um chapéu cowboy? Aba larga… Copa alta… Quem diria que eu ia gostar? E olha que gostei.

Pois é, a vida é assim, cheia de chapéus. Troco quando quero, quando cansa, quando mudo o estilo, mas não mudo a essência. E o que vale é não se sabotar, e sim, experimentar.

Top, top, topo.

Adriana Chebabi – Sócia-fundadora e editora-chefe do Belas Urbanas. Publicitária. Roteirista. Escritora. Uma contadora de histórias. Curiosa por natureza.  Uma sonhadora que realiza.  Acredita que podemos melhorar o mundo. Talvez ingênua, talvez não. Desafios a instigam. Ama viajar, estar na natureza e experimentar novos sabores. É do signo de Leão, não tem mais certeza do ascendente, mas sabe que no horóscopo chinês é Macaco.

 

 

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Mãe on

Hoje olhei a estante onde juntei os livros que o filho que foi pra longe, deixou. Um me chamou atenção e resolvi pegar para ler: Zen e a arte de salvar o planeta.

Bela descoberta de leitura e de um lado das escolhas do filho.

Sai abrindo gavetas do passado onde esse menino que agora já vai nos 30, tinha 6, 7 anos. Aprendeu a ler, se agarrou aos livros e não soltou mais.

Todos os de Harry Potter lia e relia. Ficção, histórias reais, filosofia, política foram acompanhando seu crescimento.

Ao lado um grande incentivados, o pai. Livros de presente, sempre.

Ele entre aulas de jiu-jitsu, academia, surf, namoradas e amigos, um livro por perto.

Silêncio no quarto, livro na mão.

Café na padaria, na livraria, livro na mão. Aeroporto, avião, livros na mão.

Hoje ao ler o Zen me deparei com suspiros de alegria e enormes saudades de vê-lo no silêncio de um livro.

As estantes agora vazias, encheram as caixas de mudança.

Hoje ele está nas montanhas geladas trabalhando, vivendo.

A saudade se intensifica e vira esperança. Esperança de revê-lo feliz em cada escolha. Esperança que nossos caminhos se cruzem em algum momento e eu possa de novo admirá-lo num canto qualquer amarrado a um livro.

Maria Nazareth Dias Coelho – Bela Urbana. Jornalista de formação. Mãe e avó. É chef de cozinha e faz diários, escreve crônicas. Divide seu tempo morando um pouco no Brasil e na Escócia. Viaja pra outros lugares quando consigo e sempre com pouca grana e caminhar e limpar os lugares e uma das suas missões.

 

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Ainda tenho…

O tempo parece um menino…

ora soltando pipa, ora traçando o destino.

O tempo parece um mago, daqueles de festa de aniversário, que esconde os brinquedos da gente e desaparece…achando graça. Parece uma brincadeira de esconde-esconde. Envaidece.

O tempo passa…

Implacável, intolerante, imparcial, quase um delinquente.

O tempo tira sarro da gente

e anda depressa.

Outro dia era uma chuva fina acompanhada de bolinhos e ovos mexidos, e de repente, é uma saudade imensa do meu pai e da minha avó.

Tempo de cada cachorro que amei, tempo de tanta coisa que eu não vivi, tempo de quando carreguei minha filha no colo.

Às vezes, olho para o tempo e choro.

Fico buscando um tempo para me amar um pouquinho.

“pega leve comigo…ainda tenho pipas para soltar”

Siomara Carlson – Bela Urbana. Arte Educadora e Assistente Social. Pós-graduada em Arteterapia e Políticas Públicas. Ama cachorros, poesia e chocolate. @poesia.de.si
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Falo do eu que é hoje…

Guardo aqui dentro todo mundo que já fui.
Entre as farpas.. Entre os medos..
Entremeados, todos, entre as vidas que acolhi, e “mortes” que escolhi me dar.
Somos, nesse lapso, o que a soma conseguiu resolver de nós.
E tudo bem não aceitar.
Só não muda nada.
Nem o tempo.

Sem qualquer equilíbrio, empilho tudo em frente ao espelho..
É manhã de quarta-feira.
Já foram tantas.. Já fomos tantos..
Já fui tanto.
O que ele não reflete, vidrado, me mostra o que perdi, enquanto me esquadrinha a verdade cruel do tempo: vencer, as vezes, é extinguir.

Falo do eu que é hoje.. Dos que não são.. De validade.. Tudo.
Vitória ou derrocada?
É um momento de pouca paixão, sobretudo autoral.
Mas todo respeito.

E ali, de volta, é esse próprio tempo quem me responde o aceno, rindo dos 2 pêlos brancos acesos no canto direito do bigode ainda preto, e da testa invadindo o telhado castanho mais desavergonhadamente pelo flanco esquerdo.
Já entendi.. Por igual, nem a velhice.
O caminho é mesmo muito mais tortuoso do que supôs minha inocência superada.

Ainda ali, retardado o tempo, me viu tentar, desesperadamente, não ceder aos caprichos de outros eus.
Outras eras, de outros “eras”.
Deixar me calçar os pés doloridos o que menos correu atrás de sonhos nossos, ou vestir meu sorriso desbotado o mais melancólico de nós.. Lágrimas, estranhamente mais livres, proibidas para o que mais conquistou, e até o silêncio, entalado, mudou-se de cada um que em mim foi grito, e canto, e voz.
Não hoje. Não, tempo.
Já conheço bem uma porção de equívocos para saber os que mais combinam com o meu dia.
Intercalar-me é tão certo quanto errar, só tenho prefirido inaugurar lambanças inéditas.

Olho o relógio aceso no celular a me dizer que é tarde para um tanto de vidas, e deixo a culpa bater a porta, guardando em casa meu cachorro e o tempo que não temos. Tudo embaralhado nas voltas da chave que não suspende o sonho.
Que não acende suspiros..
A rotina é feito doce diet para quem não pode o normal mas quer, e a gente segue fazendo o melhor que pode para iludir os prazeres e controlar as “glicoses”.
Meu tempo, meus temperos, né?
Ou o destempero total.

Na esquina da vida, entre a espera de ser e de vencer, vem o menino que queria ser feliz e, de um jeito meio destrambelhado, conseguiu, um pouco, em cada um que teve sua vez.
Não sem perder.. Não sem pesar..
Não sempre.. Mas muito.
E de verdade.
E se havia mesmo tão mais para ser menos, convém lembrar, em tempo, que há sorte, até mesmo, onde ainda não há gratidão.
Mas há tempo pra gente descobrir que aquilo que nos tornamos é vitória.
Dá tempo.

Escrito pelo pior poeta de nós todos, e que não faz a menor ideia do que está dizendo.

Bernardo Fernandes –  Um gêmeo canceriano, e um ingênuo que já passou dos 35 anos, nesse contínuo processo insano de se descobrir. Achou na Comunicação uma paixão e uma labuta, e vive nessa luta de existir além do resistir, fazendo diferente e diferença… Ser feliz de propósito, sabe? Sem se distrair desse propósito. E vai assim, escrevendo o que a alma escolhe dizer, tocando o que a viola resolve contar, fazendo festas com cachorros e amigos perdidos, e brincando de volei, de pique, e de ser feliz na aventura da sua viagem. Vai uma carona?

 

 

 

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Cedo demais

Você me acordou cedo demais.

Calma, não quero levantar ainda. Está escuro, não ouço os pássaros ainda.

Espere mais um pouco. Vou fechar os olhos me cobrir de novo e depois você volta.

Agora sim, vou levantar.

Mas calma ai vou devagar.

Você esta vendo que o dia esta frio, mais lento hoje. Nao espere muito de mim.

Certo, já coloquei a roupa, vou como sempre, tomar um suco rápido e sair. Você vai ficar ai me olhando? Vem comigo, uma hora está bom. Passa rápido.

Não disse, voou. Agora fique calmo o banho nãoo demora, um café e seguimos.

O elevador chegou, você não vem? Anda logo precisamos correr pra pegar o metro. Pronto perdemos um. Agora esperar.

Chegamos, ela já está nos esperando. Entra logo temos muito o que fazer, vai demorar.

Acabou, vamos embora correndo, tenho fome. Almoçamos e deitamos um pouco.

Nossa, a sesta foi muito longa, você me enganou. Precisamos refazer os planos. Vai ser tudo corrido de novo, mercado, fármacia, olha o sinal, rápido!

Fechou!

Eu disse: rápido!

E esse porteiro parece surdo, nos esperando trancados do lado de fora.

Sobe, vamos! Deixa tudo ai preciso ligar para os filhos.

A tarde já foi. Agora a noite.

Você sempre ao meu lado me lembrando que está passando. Apenas passando. Eu e você. Você e eu!

Maria Nazareth Dias Coelho – Bela Urbana. Jornalista de formação. Mãe e avó. É chef de cozinha e faz diários, escreve crônicas. Divide seu tempo morando um pouco no Brasil e na Escócia. Viaja pra outros lugares quando consigo e sempre com pouca grana e caminhar e limpar os lugares e uma das suas missões.

 

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QUEM NUNCA?

A flecha de Chronos aponta apenas para uma direção, e nos conduz ao novo.
Kairòs, por sua vez, quando se manifesta é incontrolável, e nos mantém presos e impelidos à repetição.
A interação de ambos nos leva ao movimento e à estabilidade.
O crescimento advém das experiências de perdas e ganhos decorrentes destes estados.

 

“Me senti um peixe fora d’água”. Quem nunca? Eu, muitas vezes.

Final da década de 70, cidade pequena do interior, adolescência repleta de primos e amigos desde sempre, frequentemente nos reuníamos na praça a noitinha. Vez ou outra, alguém aparecia com um violão, naturalmente se formava uma dupla (primeira e segunda voz) e por horas se entoava os sucessos das duplas sertanejas da época: João Mineiro e Marciano, Matogrosso e Matias, Milionário e José Rico e muitos outros. Eu, além de desafinado, nunca gostei de músicas sertanejas. Minhas músicas prediletas vinham das rádios que tocavam, exclusivamente, os grandes sucessos nos Estados Unidos. Nessa época, não só ouvia as bandas americanas e inglesas que haviam surgido nos últimos anos, como passava madrugadas com os dedos nas teclas REC e PAUSE, e o ouvido colado ao aparelho para disparar a gravação antes dos primeiros acordes, e interrompê-la antes dos comerciais. Eram raras as madrugadas que não dormia frustrado, por soltar REC atrasado e perder a introdução de uma música do Queen, Pink Floyd, ou Led Zeppelin, ou ainda, por não ter apertado PAUSE antes do comercial, no final de Hotel California, ou outra música que estava no auge no momento.

Na década de 80 entrei na universidade, fiz novas amizades e ampliei minhas preferências musicais para além do Rock, com MPB e Blues. Voltei a me sentir um peixe fora d’água em diversas outras situações. As vezes é difícil ser a gente mesmo, mas, voltando no tempo, quem nunca ouviu a famosa frase dita pelas nossas mães — “VOCÊ NÃO É TODO MUNDO”. Um balde de água fria para aquela empolgação de fazer algo interessante com a turma, claro! Mas, talvez, mesmo a contragosto, são através dessas privações que aprendemos a seguir nossos caminhos, a valorizar nossas escolhas, em detrimento dos olhares e aprovações dos outros. O tempo e a idade ajudam a perceber o quanto é interessante estar a margem, não “ter que” para certas coisas e situações que não passam de convenções culturais de uma época e/ou lugar.

Júlio da Silva Junior – Nasceu e cresceu no interior do Estado de São Paulo. Psicólogo, Terapeuta Familiar,  Psicanalista, Escritor e Viajante. Tem, na trajetória acadêmica e profissional, interesse particular pela cultura patriarcal sua história e desenvolvimento, tema que deu vida aos personagens de ERA UMA VEZ NO INTERIOR, ESTÓRIAS NÃO CONTADAS, seu primeiro livro. E na vida pessoal,  por outros lugares, países, povos, hábitos, costumes, línguas e comidas, tendo visitado, até o momento 46 países.
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4 bilhetes sobre tempo

Primeiro bilhete
12:00h – Tempo é dinheiro
Fala mano véio! Tudo certo contigo? De tempos em tempos nos vemos, mas dessa vez ficamos um bom tempo sem nos falar. Escrevo pra você enquanto espero o uber. Esperar é tempo inútil para nós. Há controvérsias, mas a falta de tempo parece uma febre. Ontem eu encontrei no self-service um amigo sem tempo. Eu disse a ele: não se afobe, com tempo tudo melhora. Não tenho tempo e pronto, disse meu amigo ao encontrar comigo. Foi bom rever esse amigo apesar da falta de tempo.

Segundo bilhete
14:30h – Depois do almoço
No sinal fechado, flutuava um rio de trânsito. Nessas horas devaneios intercontinentais para passar o tempo no calor da cidade. Pra quem sempre perde tempo com ideias desconexas, o congestionamento é ótimo para ter insights. Quanto tempo leva para organizar ideias? Às vezes é preciso atravessar o dia, talvez dez horas a contemplar nuvens pra ter um insight. Nem sempre dá certo usar fórmulas para ter ideias e como já dizia um velho papo furado do passado: quem espera, é melhor esperar sentado, porque pode ser que demore.

Terceiro bilhete
18:00h – Tempo e sono
Ao meu lado, algumas pessoas conversam sobre extraterrestres e medicina legal, enquanto isso, uma familia em trânsito passa e pede comida. Mudança de tempos climáticos e históricos. Ainda na conversa fiada ao lado o assunto agora é sobre sono:
– quanto tempo deve dormir uma pessoa;
– não perca tempo a dormir;
– durma tarde e acorde cedo;
– aluga uns dvd’s na locadora e fica das 24:0h às 5:30h a assistir filmes.

Quarto bilhete
21:00h – Tudo ao mesmo tempo
Vejo na rede social: in times of war! A naturalização da indiferença. As N guerras do século vinte e um seguem as regras da aceleração do tempo.
O tempo passou e Porto Alegre é uma cidade submersa. Tudo acontece ao mesmo tempo. Tempo esgotado. Finalmente o sono chegou.
Que nos encontremos em breve!
Boa noite!
Mano J.A

João André Brito Garboggini – Publicitário, ator e diretor teatral e tem três filhos.
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Associação livre: o tempo da sessão de terapia das 20h.

 

Boa tarde, como está?

– Passei bem essa se semana, e você?

– Também. O que traz você aqui hoje?

– Bem, estive pensando sobre o tempo que gasto com o trabalho. Sabe, meu contrato diz que trabalho 44 horas, mas para me manter empregado, trabalho bem mais. Mas acontece que ninguem me pediu que fizesse serão.

– Interessante, me diga mais sobre isso.

– … é como se um medo tomasse conta de mim e eu, automaticamente, meio que inconscientemente, passasse a antecipar demandas, assumir responsabilidades e me empenhasse além do que meu cargo exige para aplacar esse medo.

– Você sente que isso o torna alguem notável na equipe? Alguem produtivo? Como você percebe o resultado desse investimento pessoal?

– Sim e não. Porque ninguem me parabeniza ou me compensa por esse esforço. Da mesma forma com que ninguem me pede que fique até mais tarde ou assuma demandas que não são minhas, ninguem me compensa por esse fato. Sinto que faço isso por medo de ser demitido…

– Mas sua empresa está promovendo cortes, ou ocorreu algum fato que abalou sua estabilidade em particular?

– Pelo contrário, tudo está estável. Parece que não há risco, mas eu sinto medo.

– Vamos suspender um pouco a ideia do trabalho, e vamos pensar no tempo isoladamente. Se você não estivesse mais tempo no trabalho, o que você poderia fazer com esse tempo?

– Ficar no trânsito é uma resposta? (risos) Falando sério, se sair no horário, provavelmente ficaria preso mais tempo no trânsito, mas…

– Mas?

– Mas chegaria mais cedo em casa.

– E como soa isso para você?

– Chegaria em casa e ficaria sozinho. Meu companheiro trabalha até tarde sempre. Ele sente o mesmo que eu. Teria que pactuar isso com ele. Meus filhos estariam em seus computadores jogando… sinto que ficaria com as paredes.

– As paredes não te agradam, não é? E amigos, você não gostaria de estar com eles?

– Não os tenho mais. Só tenho contato por redes, eles estão trabalhando, sendo produtivos, diferenciais em suas carreiras e vidas. Vejo que suas vidas são perfeitas nas postagens, mas quando falamos, reclamam das mesmas coisas que eu em relação ao tempo.

– Sim, não fazem diferença. De fato, a vida é meio indiferente. Todos estão ocupando seu tempo com alguma tarefa que não é delas e ao mesmo tempo não é nossa.

– Diga mais sobre.

– Parece que perseguimos uma imagem que vemos dos outros, competindo para sermos melhores. Parece que precisamos de sucesso, iminente e total, a todo momento e assim, ao mesmo tempo que postamos as coisas bonitas que fazemos, não usufruímos delas para além da própria postagem, porque no momento seguinte, temos que dar conta de pagar as parcelas.

– Diga mais sobre…

– Parece que essa opressão invisível pega a gente por dentro e nos força a sermos produtivos, disruptivos, criativos, bem-vestidos e exemplares, enquanto não damos conta nem de preparar um almoço saudável.

– Interessante, diga algo mais.

– Sabe, sinto que o fruto do meu trabalho não chega para mim. Não digo o trabalho na empresa, mas o trabalho mesmo, o meu esforço de vida. Porque ele atende a imagem social que sinto que devo emitir, e as inseguranças que tenho em atendê-la.

– Agora não estamos falando de trabalho, nem de tempo. Estamos falando sobre autoimagem e medos, correto?

– Acho que sim. Me parece que todos são melhores que eu. Não convivo pessoalmente com eles, apenas pelas redes. Mas me parecem. E isso me soa ameaçador.

– Agora estamos falando de sociabilidade e da vida reduzida ao digital…

– Verdade. Alguem posta algo, aquele post fica gravado por anos. Aquele foi só um segundo de sucesso daquele pessoal. Mas toda vez que acesso seu perfil, só encontro esses segundos de sucesso e nenhum de fracasso. Sinto que tenho que fazer o mesmo. Porém, pensando bem, se todas as pessoas deixam gravadas e publicadas os segundo se sucessos escondendo as horas de fracasso, isso cria um mundo visível extremamente opressor, já que não conseguimos viver pessoalmente, presenciando as nuances de suas vidas. Se eu pudesse presenciar de fato que todos temos momentos de vacilação, me sentiria melhor com meus vacilos… pena que não tenho mais tempo para conviver.

– É interessante o que você traz. Começamos a falar do seu trabalho, passamos pelo tempo, pela autoimagem e pela imagem do outro, pelas questões da vida social precarizada e voltamos ao fator tempo. Não que estamos em uma conversa circular, mas sim, constatando a complexidade desse fenômeno que não é apenas seu, mas coletivo. O que você pensa sobre isso?

– O que penso sobre isso? Penso que infelizmente, de todos os pontos que falamos hoje, o único fator que não possui alternativa é o tempo. Quando perdido, não se recupera.

Ao meu trabalho, posso em algum ponto negociar. Autoimagem, preciso mediar frente a imagem do outro, me perdoar mais. Preciso investir mais na minha vida social real, com quem amo, repensando minha relação com as redes. Mas o tempo, o tempo não para.

– Pois é, a sessão foi muito boa, mas infelizmente já são 20h50. A sessões passam muito rápido, não?

– Se sinto que meus 42 anos voaram… quiçá 50 minutos. Mas foram proveitosos como em meses não sentia. Posso fazer uma última pergunta?

– Sim claro…

– Seria o tempo é relativo?

– Talvez… relativo ao que fazemos dele? Precisamos testar essa hipótese. Inclusive, hoje atendo até as 23h. Talvez eu precise pensar nisso também.

– Caramba… É… Até a próxima semana.

– Até.

Crido Santos – Professor, Arte educador e Psicanalista. De tudo que fez na vida, o que faz a mais tempo é respirar e pensar o mundo a partir do jogo de palavras e imagens, buscando o que é coletivo, belo, justo e solidário. As vezes falha nessa tarefa, mas insiste, buscando deixar um registro poético de uma tentativa de sobrepor o individualismo competitivo que traz tanta danação as gentes desse mundo.
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Cadê o Amor?

– Cadê o Amor?

– Morreu!

– Para com isso, fala logo…

–  É verdade, morreu.

– Não acredito, como assim? Morreu como?

– De fome.

– Mas era robusto, parecia tão forte…

– É, mas quando não se alimenta fica doente e nos piores casos, morre.

– Por que não comia? Faltou dinheiro?

– Dinheiro tinha.

– Anorexia?

– Também não era.

– Enjoou do tempero?

– Sabe que pensei nessa possibilidade, mas não era só o tempero não.

–  O que era então?

– As frutas apodreciam intocadas, o bolo ou embatuva ou solava, o doce sempre amargo, arroz e feijão carunchado, nada nunca agridoce… e aquela água na boca nunca existiu.

– Foi Amor romântico…

– se foi…

– Mas Amor pode ressuscitar.

– Pode, tem razão, mas Amor quando ressuscita é um novo Amor…  e com muita fome!

Adriana Chebabi  – Bela Urbana, sócia-fundadora e editora-chefe do Belas Urbanas, desde 2014. Publicitária. Roteirista. Escritora. Curiosa por natureza.  Divide seu tempo entre seu trabalho de comunicação e mkt e as diversas funções que toda mulher contemporânea tem que conciliar, especialmente quando tem filhos. É do signo de Leão, ascendente em Virgem e no horóscopo chinês Macaco. Isso explica muita coisa.