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Traque, treco, triqui , troco, truco

Viver é sonoro, faz Traque, Treco, Triqui, Troco, Truco, a vida não é de nenhuma forma silenciosa, ela é barulhenta, cheia de ruídos ensurdecedores e silêncios constrangedores.

Esta história é sobre sobre uma pessoa linda que teve sua vida mesclada com outros universos, leitora voraz, via e ouvia os personagens de seus livros, escutava cada palavra, cada ideia, sentia a brisa e viajava por entre cidades, países e reinos encantados, mundos fantásticos e seus personagens, aventuras e desventuras, acompanhou suas provações, amizades e amores avassaladores. Fez tudo que se pode fazer junto a literatura.

No cotidiano real foi esposa, mãe e vó, falava baixo, tinha voz suave e melodiosa que nunca proferia palavrões; teve uma vida humilde, honesta e correta, não conheceu tantos lugares, não teve o amor avassalador dos livros, seu homem abusou da regra três e partiu; mas ela veio nesta vida pra amar e o fez com maestria, construiu amizades sólidas e sinceras, e amou os filhos que a vida lhe deu.

Sua saúde não era das melhores, tinha um Triqui Triqui uma tal de bronquite, que a presenteou com seu gatinho interior que miava em certas estações e silenciava com as inalações; com o tempo, o Triqui Triqui virou um Treco chamado asma, e, como a vida e um agregar de experiências, após seis décadas convivendo e recebendo passivamente o Troco de fumaça dos homens de sua vida (seu pai e um marido eram tabagistas), foi quando em certo ano, o Triqui, o Treco e o Troco unidos, se tornaram ruidosos demais, deram seu golpe de Truco, e ela foi internada com diagnóstico de D.P.O.C. Doença Pulmonar Obstrutiva Crônica.

No Hospital, neste ano, pela primeira vez foi apresentada a Traque, devido uma longa permanência entubada na UTI precisou ser submetida a uma Traqueostomia , e após longos 50 dias pode se libertar da Traque e voltar pra casa pra conviver apenas com o seu trio da Triqui, do Treco e do Troco unidos , e claro , com seu gatinho interior que agora não se limitava a algumas estações, e vinha miar e ronronar diariamente, requisitando banhos de inalações e determinando que o ritmo da vida agora seria de Tartaruga, tudo bem lento, pra não chiar, pra não miar, pra não cansar.

Graças ao universos dos livros, a “Tartarugues” da vida real não a limitou, voltou a voar, amar, viajar e aventurar-se por mundos sem fim, a sua voz ecoava e fazia barulho e manifestava o infinito universo que havia dentro de si. Contou suas histórias, deu sua opinião, defendeu posições e declarou seu imenso amor. Amiga verdadeira, não desamparou em conselhos e afeto aqueles que a cercam.

Mas, apesar dos cuidados realizados, o seu trio da Triqui, do Treco e do Troco unidos deram um novo golpe de Truco e determinaram que voltasse ao hospital, onde junto com seus filhos completou seus 80 anos. Novamente o Truco trouxe a Traque de volta, aparentemente de forma definitiva, desvelou-se uma estenose de traqueia e um bócio mergulhante que tirou a luz de sua traqueia em 90 por cento , sendo agora a Traque vital pra sua vida.

A Traque veio pra casa e agora temos os novos ruídos provenientes desta união “ traque, treco, triqui, troco e truco”, com experiências sonoras de secreções que se movimentam e das técnicas de aspirações protetivas, sua voz melodiosa não está mais presente aos ouvidos de quem a conhece, surgiram novas formas de comunicação, uma campainha sonora que chama ao longe, o dedilhar das unhas , o estalado da língua como que um cavalinho a galope e os beijinhos estralados que nos chama o olhar pro seu lindo sorriso. Agora sua voz é silenciosa, que fala sem som, a nossa capacidade de fazer leitura labial preservou sua voz, ela fala em silêncio e nós lemos sua voz, seus lábios, seu olhar, seu sorriso e ela irradia amor.

Saibam e aproveitem ! O Viver é sonoro ! Traque, Treco, Triqui, Troco, Truco, serão sempre desafios; mas a vida não é de nenhuma forma silenciosa, ela é barulhenta, cheia de ruídos ensurdecedores e silêncios já não mais constrangedores. Amar faz muito muito barulho! Te Amo!

Thelma Carlsen Fontefria – Bela Urbana, psicóloga, mãe de Isabella, 2 cães, 1 gata, 1 afilhada, 2 gerbils netos, mora em Santos, tentando manter a sanidade neste tempos de um Brasil tão distópico.

 

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Esperar é caminhar

Há pouco tempo conheci o provérbio judaico “o homem faz planos e Deus dá risadas”. Na minha interpretação, acho que Deus dá gargalhadas!

Eu faço planos e traço minuciosamente o trajeto a ser percorrido. No entanto, a rota inicialmente traçada sofre alterações no decorrer da caminhada. São nesses momentos de mudanças que me deparo com as “gargalhadas divinas”.

Nasci e me criei na agitação de São Paulo. Depois dos trinta anos de idade, fui para o interior para acompanhar meu marido nas mudanças do trabalho. Morei em Bauru, morei em Campinas. Atualmente, voltei para São Paulo e estou penando para enfrentar o ritmo da minha cidade.

Eu já encarei a mudança de carreira profissional. Minha primeira formação é Administração. Por dez anos trabalhei ativamente em funções administrativas, mas minha grande paixão é ensinar. Então, quando tive uma oportunidade fiz o curso de Letras e depois de alguns anos comecei a dar aula, unindo minha paixão ao meu ganha-pão.

Desde pequena meu sonho é ser mãe. Segui o caminho conhecido tradicionalmente, que é namorar, noivar e casar. Estou casada há 13 anos, numa união cheia de paz e amor. Mas, os filhos como sonhados e planejados não vieram. Meu marido e eu fizemos tratamento de reprodução assistida e não deu certo. A vida é assim! Não temos controle sobre o fôlego da vida.

Meus planos foram desconstruídos e novas construções começaram a surgir. A vida apresentou o caminho da adoção. Começamos a jornada e estamos habilitados para recebermos nossos filhos. A qualquer momento o telefone vai tocar e a vida vai nos levar para outros caminhos. Enquanto esperamos, vivemos!

Eu poderia escrever muito e profundamente sobre cada etapa, mas por hoje só considero um provérbio bíblico que me acompanha “o homem faz planos, mas Deus dá a palavra final”. Continuo fazendo meus planos, com menos rigor, porque aprendi que a cada mudança eu me desenvolvo muito mais.

Viver exige escolhas e cada escolha apresenta um caminho que precisa ser trilhado. Esperar é caminhar.

Miriam Camelo de Assis – Bela Urbana, alguém sendo constantemente reformada pelas palavras. Formada em administração e letras. É professora de língua portuguesa por profissão e paixão. Ama artesanato e uma boa conversa.