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Olhar a lua

Vejo o mar e seu reflexo
A lua está em Minh’Alma
Como força motriz de meus sonhos
E por ela navego em mar perplexa
Quanto de tua força esta em cena
Nas noites de estrelas cadentes?
Oh, em ti minha Alma é plena
Em doces manhãs acordada
Sou mar em tempestades revoltas
Sou aquela no mar em sol quente
Em gotas suaves talvez
Pois o dia que cruzei seu olhar
As noites tornaram-se infinitas
E  os rochedos se desfizeram no mar
Surgiu em meu coração uma canção pequena:
Sou noite e dia nas tardes felizes
Aqueço as esperanças de lutas “vãs”
Não me acorde das poesias
Mas dá-me ocasiões serenas
Nas beiradas de tua luz que cintila
Nas odes das cantorias e oferendas
Porque partir sem teu Amor
É caminho sem luar apenas…

Ana Paixão – Bela Urbana, filosofa, pedagoga, palestrante e educadora que trabalha com treinamentos há mais de 10 anos

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O tempo e a memória: registros e interpretações!

Hoje encontrei fotos que tirei quando fazia ensaios fotográficos no Rio de Janeiro. Como o tempo passou e de lá pra cá muitas transformações, conexões, estudos, treinamentos construídos e realizados, trabalhos corporativos, relacionamentos, afastamentos e reconexões. Fiquei refletindo em como a construção de nossa história pessoal em nossa memória não é algo linear com uma lógica ascendente e previsível, apesar de ter uma lógica e fazer todo o sentido, parece que o tempo, como dimensão psicológica, passa de forma diferente para cada pessoa, e às vezes uma pessoa pode guardar na memória uma infinidade de caminhos lógicos para o mesmo processo vivido. Podemos escolher dentro de todas as possibilidades que nossa mente apresenta quais nuances e cores recolher de nossa história?

Quando estudei a matéria de Filosofia da história percebi algo parecido em relação a história da humanidade, onde pude entender que nossa trajetória humana guarda uma memória ancestral que pode ser contada a partir de variados enfoques, mesmo que o caminho percorrido tenha sido um só considerando apenas a lógica dos fatos, com ciclos de início e fim para grandes civilizações, mas deixando registros e evidências recolhidos e preservados. Se a narrativa apresentada ou escolhida já tem um enfoque que depende de diversos fatores, onde encontrar a memória ancestral que nos indique para onde estamos indo, que caminhos já percorremos e o que precisamos fazer para melhorar nosso futuro como grupo humano?

Essas questões me fazem buscar cada vez mais nos antigos ensinamentos das tradições que a filosofia me presenteou. Quando observamos a natureza com cuidado, podemos perceber a integração da vida que se reflete na percepção de unidade. Ao caminhar por uma trilha encontramos pedras, plantas, animais, e muita diversidade, mas nunca tive sensação de que algo estivesse isolado, na verdade, tudo parecia estar em comunhão.

Muitos sábios e filósofos apresentaram essa questão da unidade presente na multiplicidade. Desde os pré-socráticos dos séculos antes de Cristo até filósofos modernos, a busca da sabedoria esteve pautada na busca da Causa primeira, fundamento metafísico que por evidência lógica permeava toda a multiplicidade da natureza.

Os filósofos pré-socráticos chamavam a Natureza de Physis, e por isso foram chamados de físicos por Aristóteles, filósofo grego que se dedicou bastante em nos falar desses sábios da Grécia clássica. Se hoje não temos como ler seus textos completos, por causa da ignorância histórica que destrói o que não compreende, podemos ainda acessar seus ensinamentos através do olhar de Aristóteles. Esses sábios antigos tinham uma forma de ver a Natureza como algo completo, e mesmo escolhessem abordar um enfoque da natureza não deixavam de ter como fundamento sua totalidade, asim como percebiam que havia uma direção ou finalidade que se evidenciava na harmonia existente nas relações entre as diversas partes integradas na Natureza.

Para esses sábios essa harmonia presente na multiplicidade da Natureza só era possível por que havia uma Causa primeira de onde todas as dualidades surgiam e para onde retornavam. Portanto outro princípio importante para os filósofos pré-socráticos era que a Causa e a Finalidade eram uma mesma coisa. Por isso muitos estudiosos destes sábios falam do eterno retorno. O que posso explicar mais a frente. Isso que era causa e retorno de tudo que é múltiplo que muitas vezes é chamado por vários nomes na história da filosofia e na história humana: Thales de Mileto dizia que era a Àgua que dava origem e vivificava toda a natureza; Anaxímenes afirmava que era o Ar como alento divino; Anaximandro atribuía a causa da vida ao Ápeiron; interpretado como o “infinito”; Pitágoras apresentava o Número como princípio de toda a multiplicidade; Parmênides chamava esse princípio de Ente; Empédocles considerava a mistura dos elementos terra, água, ar e fogo; Demócrito considerava o Átomo a partícula última que não se divide; Heráclito dizia que o princípio de todas as coisas era o fogo. Muitos comentadores acreditam que Heráclito desconsiderava o elemento metafísico da Natureza, porque seu enfoque principal era sobre o Devir, ou seja, o movimento que transforma todas as coisas que podemos ver através da alternância dos contrários. Heráclito também afirmava que no fundo dessa aparente guerra dos contrários havia harmonia, que vem do Logos, a lei universal da Natureza.

A questão é que cada filósofo da história da filosofia clássica se dedicou a dar um enfoque diferente ao fundamento metafísico que era causa e finalidade de toda a manifestação, “as coisas aparecem e desaparecem”; “do Ápeiron surge a primeira dualidade que dará origem à multiplicidade”; “Todas as coisas surgem em desequilíbrio e buscam se equilibrar” “Voltar ao seu equilíbrio é voltar à Causa primeira”.

Mas afinal o que seria essa causa primeira para os filósofos pré-socráticos?

Ana Paixão – Bela Urbana, filosofa, pedagoga, palestrante e educadora que trabalha com treinamentos há mais de 10 anos
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Relações abusivas, uma reflexão sobre autoconhecimento e autocuidado

Relações abusivas muitas vezes são acordos, permissões silenciosas, repetições de padrões inconscientes. Aquilo que em alguns momentos não percebemos ou fingimos não perceber.

Quando a permissão aparece fora pode ser que já estejamos vivendo muitas permissões dentro de nós. Platão, filósofo da Grécia antiga, chamava essa atitude de licenciosidade, o ato de permitir perder o domínio de si mesmo quando medos, frustrações, e outras sensações diminuem nossa capacidade de ser quem somos como seres dignos e valorosos. Perdemos a confiança em nós mesmos e passamos a nos apoiar e nos justificar em nossas debilidades e inconscientemente percorremos caminhos dentro de nós perdidos em um labirinto de sensações e hábitos que nos falam sobre nossa falta de valor. Assim, adoecemos e não lutamos dentro, mas em algum momento a necessidade de entrar em guerra se torna iminente quando percebemos a realidade estampada em nossa vida nos limites das relações adoecidas e sem amor! Como acabei nessa situação? Quem será o culpado? O que fazer agora? São muitas as questões que nos surgem no momento que abrimos os olhos e começamos a trilhar a senda do autoconhecimento.

Há um livro hindu chamado Bhagavad Gita que conta a história de uma guerra onde o herói, chamado Arjuna, sente o ímpeto da licenciosidade diante do seu dever como guerreiro de lutar por aquilo que é seu por direito, apenas porque seus inimigos são seus “familiares”. Este livro fala simbolicamente do homem dividido dentro de si entre o que carrega de luz e de sombra. Por um lado somos valorosos e corajosos para enfrentar as circunstâncias da vida e por outro lado temos as justificativas de nossas fragilidades para não fazer o que é preciso para garantir nossa dignidade humana. E porque Arjuna deve enfrentar seus familiares? Porque precisa matar nele mesmo as sombras que o impede de ver o que é Real, que o impede de amar.

O amor no contexto filosófico fala da capacidade humana de ver com clareza, de discernir o que é válido e agir em conformidade com a própria natureza humana, oferecendo o melhor de sua conduta nos relacionamentos. Não tem a ver com o que esperamos do outro, mas do quanto de amor podemos viver por nós mesmos utilizando nossos valores como ferramentas na ação de amar. Encontrar nossas próprias motivações, inerentes a nossa identidade para agir no mundo sem perder nossa integridade, sem nos deixar arrastar pelos apelos exteriores quando estes nos tiram o brilho de nossa vida. Por isso autoconhecimento e autocuidado são essenciais. É preciso conhecer nossas forças interiores, nossas habilidades para enfrentar os ciclos da vida, e imprescindível também, é conhecer nossas próprias armadilhas interiores: medos, fragilidades, escapismos da realidade, reatividades quando encontramos algo que nos causa contrariedades, porque talvez nos cause dor e não queremos lidar com a dor. Esse conjunto de sensações, hábitos e fenômenos afetivos são “familiares” ao nosso cotidiano, porque passamos muito tempo nos apoiando nessas características para nos proteger e nos defender, e são esses familiares que nos impedem de utilizar nossas verdadeiras armas que são as virtudes, verdadeiro exército que nos liberta dos condicionamentos e automatismos onde a consciência não está presente. Falta despertar nossas sementes latentes de coragem e amor para romper hábitos psicológicos e assumir as rédeas das nossas ações como protagonistas de uma vida iluminada por sentimentos mais elevados de confiança e vontade de ser e de agir com mais valor.

Acontece que muitos de nós vivemos relações tóxicas, onde ambos os pares são responsáveis por suas escolhas e por sua conduta. Contudo, vivemos em uma sociedade e um tempo histórico que não valoriza a educação formativa do ser humano que busca esse autoconhecimento verdadeiro para aprender a protagonizar sua história com fortaleza psicológica e a liberdade necessária para tomar decisões mais inteligentes, escolhendo atitudes que tragam equilíbrio e deixando de lado as que poderiam provocar adoecimento.

Também nossos pais, pertencentes a essa mesma sociedade, e por falta de algo melhor para nos oferecer podem ter nos levado a firmar acordos e permissões através de violência física ou psicológica e assim, o que aprendemos desde cedo através de relações adoecidas poderá ditar os acordos e permissões de nossas ações futuras se continuarmos inconscientes dos motores e gatilhos que nos conduzem. Como disse Jung em um de seus tratados, “Até você se tornar consciente, o inconsciente irá dirigir sua vida e você vai chamar isto de destino”.

Qual o benefício de manter uma vida inconsciente? qual será o benefício de escolher posturas que nos colocam no papel de vítima ou de predador? Pois, parece que no fim das contas todo predador é uma vítima e toda vítima é um predador em alguma circunstancia, pelo menos se olharmos essas interações na natureza, e porque formamos parte da natureza essas características também nos cabem quando nos deixamos viver sem consciência do que nos move, reagindo ao sabor das demandas cotidianas. Talvez esse lugar, esse papel, já tenha se solidificado de tal forma que nos traga o beneficio de certa comodidade, ou seja, desde esse lugar podemos justificar muitas atitudes, e o maior dos benefícios: não lutar contra nossas debilidades, buscar fora o que é apenas reflexo do que contemplamos dentro de nós. Como disse o filósofo e imperador romano Marco Aurélio, “A nossa vida é aquilo que os nossos pensamentos fizeram dela”. Porém, sabemos que muito do que pensamos vem do mundo que nos rodeia, ou das questões que fogem a nossa responsabilidade, já que foi o meio em que vivemos que causou essa distorção da realidade. Podemos assim ter argumentos para responsabilizar o mundo por nossa situação e continuarmos guiados por contratos e permissões inconscientes, e ainda nos achando conscientes disto. Porém, sempre temos como refazer contratos ou selar novos acordos conosco. Claro que não é nada fácil desapegar-se das couraças que nos protegeram até agora, nem tão fácil submergir desse caos interno as ferramentas necessárias para nossa independência e autonomia.

Mas podemos começar com um passo pequeno de cada vez, aprendendo a respirar com mais calma diante das pressões diárias, conquistando estratégias inteligentes para vencer nossas inércias, e assim aos poucos vamos tomando conta de nós. Porque o pior abuso é aquele que cometemos contra nós mesmos, quando dizemos sim aquilo que nos paralisa, quando não percebemos que nosso tempo de cura é só nosso, e quando fechamos os olhos para ver as situações em suas verdadeiras dimensões. Porque a dor sempre vai existir. Buda dizia que a dor é veículo de consciência, pois nos ajuda a tomar consciência de suas causas para conseguir assim cessar a dor.

Platão também disse em seu livro Filebo, que “a dor mal canalizada se torna ódio, e o ódio se torna vício”. A palavra ódio no contexto não é simplesmente sentir raiva de alguém, mas trata-se de aversão e desejo. Queremos afastar a dor e buscamos alívio imediato. Queremos nos entorpecer como uma fuga irracional. Não há raciocínio inteligente, apenas respostas automáticas, como quando nos queimamos em uma superfície quente e automaticamente nos afastamos por proteção. Instinto de proteção é natural, mas quando se transforma em hábitos repetidos já não sentimos a vida, não apreciamos a paisagem. E na corrida para encontrar algo fora de nós que possa amortecer a dor que queima por dentro agimos sem pensar. Instala-se o medo da dor, evitamos sentir a vida para não doer, agimos no automático para esquecer, nos permitimos ser menos do que podemos ser…

Em nosso corpo podemos perceber que a dor avisa quando algo não está equilibrado e que precisamos dar atenção, entrar em ação para reequilibrar nosso funcionamento, nosso metabolismo, nosso fluir vital. A dor psicológica também requer atenção e ação consciente, mas nem sempre percebemos esses processos sutis. Negligenciamos nossos humores, nossos incômodos, e, no fim já não sabemos onde está a raiz das reações, explosões, implosões, etc. No livro O Pequeno Príncipe há um ótimo ensinamento sobre o autocuidado e autoconhecimento onde o principezinho diz que é preciso disciplina para manter o equilíbrio e por isso ao acordar ele costumava fazer a toalete do corpo e também do planeta, que pode representar os detalhes da nossa vida. Ele tinha dois vulcões e um deles era extinto, mas por precaução revolvia os dois e dizia “nunca se sabe”. Ele também cuidava de seu jardim, onde tinha uma bela rosa que representava muito para ele, por isso retirava qualquer erva que surgia, pois tinha receio que tratasse dos baobás, árvores que se tornam enormes, e que no caso do seu planetinha podiam causar estragos catastróficos. O grande ensinamento aqui é estar atento às ervas daninhas que surgem sorrateiramente e que no início parecem pequenas e inofensivas, mas que após um longo tempo de negligência crescem e tomam proporções muitas vezes insuspeitáveis.

Cuidar é um exercício de atenção diário. A natureza, por exemplo, nos ensina que o ritmo e a constância são fundamentais para que surjam as flores e os frutos através da lei que rege a planta. Se as condições são adequadas todos os dias ela realiza a fotossíntese necessária para manter a energia que possibilitará que cumpra todo seu ciclo de vida. Não há um dia em que a planta se recuse a realizar aquilo que é sua natureza, assim como o sol não decide ser outra coisa que não seja sua natureza solar.

Ana Paixão – Bela Urbana, filosofa, pedagoga, palestrante e educadora que trabalha com treinamentos há mais de 10 anos