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Memórias

Eu e uns amigos e colegas de trabalho criamos o hábito de uma vez por ano, sempre no mês de fevereiro ou março, fazermos um peixe na brasa regado a vinho (bem, o vinho a gente bebe) aqui em casa. Devido à pandemia, não fizemos em 2020 e 2021, mas fizemos em 2023. Desta vez estava somente dois amigos e familiares. Apesar de ser verão, não estava tão quente, a chuva deu uma trégua e tivemos um dia muito agradável.

Gostamos de filosofar sobre a vida, sobre o “ser” Humano e andando pelo gramado, tivemos uma conversa até que calorosa sobre… memórias. O que são memórias? Para que servem? Se vivemos de memórias, vivemos no presente ou do passado que se faz presente? E o futuro, criamos ou repetimos conforme as memórias?

Pois bem, memórias! Memórias são nossas experiências, positivas ou negativas, armazenadas em nosso corpo. A ciência diz que a memória celular, biológica, é feita somente em torno dos nossos dois anos de idade e que antes não é possível. Mas não fomos gestados na barriga de nossas mães? E até os dois anos, as experiências não se tornam memórias? Aí os cientistas denominam como memórias de consciência (sensorial, que faz parte das memórias implícitas ou inconscientes) e elas determinam muito dos nossos padrões comportamentais como adultos.

Uma amiga de longa data falou da sua preocupação e dificuldade com o seu filho Gabriel, de quase dois anos, em não deixar escovar os dentes e que já faziam cinco dias que não escovava. Ela o levou em dois especialistas que disseram que é mimo, que ele é manhoso. Ela em tom de desespero: O que fazer? Eu disse que achava que não seria manha não e aí eu perguntei: Mas ele não teve dificuldade em pegar o peito e a mamadeira? Ele não teve que fazer uma pequena intervenção (cirurgia) na língua? Ela respondeu: verdade, e com 25 dias após o nascimento. Bingo! Por isso não deixa ninguém mexer na boca dele. Qualquer pessoa que pense em mexer na boca dele, ele percebe como uma ameaça, um perigo e agora um pouco maior e com mais habilidades corporais aprendidas, se defende.

Essa memória do Gabriel o faz se defender do que tanto, uma vez foi invasivo, o agrediu. Ele ainda tem desenvolvido o cognitivo. Ele não consegue explicar, é impossível, só que o corpo sabe. E foi uma agressão para a mãe e o pai também. Eles disseram: Como que não dissemos isso para os médicos? Expliquei que tinha sido traumático para os dois também e que dores assim a guardamos para poder suportar e sobreviver. Eles sentiram, de imediato, um alívio e que agora (o que era Implícito, se tornou explícito) o Gabriel pode ser devidamente cuidado e o trauma, curado.

Todos nós temos memórias de rejeição, abandono, humilhação, traição, injustiça, desvalorização, assim como temos memórias de conquistas, experiências gostosas (comidas também, hum!), ainda mais quando nos sentimos seguros, amados, momentos prazerosos e de muita alegria com familiares e amigos. Quando faço café, ao sentir o seu cheiro, memórias sensoriais e emocionais de acolhimento, relaxamento e desfrute são ativadas. Quando bem criança, tive estas experiências positivas na casa de uma avó.

Hoje mesmo vi fotos e vídeos de Malta e Itália, viagem que um casal de amigos fizeram no mês passado. UAU! Que delícia foi vivenciar as experiências positivas, agradáveis que tiveram. E que agora, as memórias deles fazem parte das minhas. E essas memórias me fez relembrar a viagem que eu e minha família fizemos para a Itália, dez anos atrás. Momentos deliciosos. Lembro que em Siena, minha filha mais nova, com 07 anos, na Piazza del Campo corria por toda a praça, brincava feliz, livre, leve e solta e perguntamos para ela: Maria, como se sente? Ela respondeu: em casa, já conhecia este lugar! Pois bem…memórias precedentes.

Que futuro é possível criarmos? Depende das memórias que mais vivemos no presente. São mais as positivas ou negativas? Todos queremos a felicidade, amar e sermos amados e ninguém gosta de sentir dor, medo, culpa, sofrer e aí as afastamos, as deixamos guardadas (inconscientes) em nossos corpos, só que ao fazermos isso, o que acontece? Atraímos as pessoas e as situações não resolvidas que se repetem por meio dos relacionamentos abusivos, perdas, doenças físicas, mentais e emocionais.

E se ativarmos as memórias do amor e segurança, podemos aceitar e acolher as dores em nós, transmutá-las e vivermos um futuro com mais leveza e com mais momentos de alegria e felicidade.

Wlamir Stervid – Trabalha como Coach Somático e desenvolvimento de Liderança. Um dos coautores do Livro Precisamos falar sobre relacionamentos abusivos aqui do Belas Urbanas e adora atividades com amigos e familiares na natureza como caminhada, pedalar, fogueira e por aí vai.
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Sensorial

Brisa gelada
Redondo caminho
Algodão doce, maresia

Heidi na tela
Mar pacífico,
Gaivota no ninho
Carioca no carteado
Minha vó,
Com sorriso do lado

Melancia e um bom vinho.
Partiu? Pra onde?
Quintero, los enamorados
Pinheiros cercados
Vista à vista,
Um barco, o oceano…
Sempre…as memórias
Um bom ano
Cheio de histórias.

Macarena Lobos –  Bela Urbana, formada em comunicação social, fotógrafa há mais de 25 anos, já clicou muitas personalidades, trabalhos publicitários e muitas coberturas jornalísticas. Trabalha com marketing digital e gerencia o coworking Redes. De natureza apaixonada e vibrante, se arrisca e segue em frente. Uma grande paixão é sua filha.
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Meu relicário

Quando não sei o nome de algo, sofro para entender o que está acontecendo e a partir
daí construir sentidos. Não soube nomear muitas situações ao longo da minha vida,
nessas horas deixei que as emoções e sensações falassem por si só. Aos poucos, fui
conseguindo expressar melhor os sentimentos para assimilar melhor algumas percepções.

Tento, sempre que possível, fazer uma autoanálise para encontrar palavras escondidas
aqui e ali, e assim, entender melhor as experiências que vivencio no dia a dia.

Nas experiências da morte e do luto, busco recolher sentidos para compor meu relicário.
Para nomear as experiências, vou lembrando de histórias e assim, garimpando
preciosidades para guardar…

Minha bisavó dizia que eu nasceria no mesmo dia e mês que ela. Essa conjunção astral na
verdade não ocorreu. Escorreguei pelo ventre da minha mãe um dia antes da profecia da
bisa e um mês depois da sua morte. Esse fato marcou minha chegada ao mundo.

Quando eu nasci, fiquei sem nome por uma semana. Como meus irmãos tinham nomes
que iniciavam com a letra T, foram sete dias para encontrar algo que se encaixasse com
essa tradição familiar. Gosto, pois, silabicamente, é quase o mesmo nome de frente para
trás e vice-versa: Thalita – Talitha. Nunca entendi o efeito da letra H, mas compreendi um
elemento de força nele, por isso mesmo, vinte e quatro anos depois, repeti este enigma do
agá no nome do meu filho, Arthur.

Assim como o nome nos marca em nossa existência, compreender a vida pela imposição
da morte tornou-se um processo contínuo para mim. Minha lembrança mais marcante da
sensação de morrer foi quando vi minha avó pegar um cabo de vassoura e ir decidida até
o galinheiro no fundo do quintal. Estranhei ela pegar uma galinha pelos pés e, agilmente,
prender seu pescoço no cabo de vassoura sobre o chão. A asfixia reverberou em batidas
de asas desesperadas e, ao fim, ouvi um som estridente e estranho. Um assassinato
acabava de acontecer! Eu senti um vazio no estômago e uma ânsia, fiquei zonza como se
me faltasse ar. Após isso, o corpo da ave foi levado de ponta cabeça para um panelão de
água fervente. Depenamos a defunta e depois, abrimos sua barriga e separamos os
órgãos. “Cuidado com o fel”, disse a minha avó, “pode azedar a carne e estragar tudo”. Essa
rotina era, para ela, algo mecânico e necessário para a rotina do lar. Minha avó diz com
orgulho que foi a primeira mulher a vender frango limpo em sua cidade e me mostrou que
canja com pés de galinha é a melhor alimentação quando alguém está doente. Com o
episódio da galinha, entendi melhor quando as pessoas diziam que “perdiam o chão” com
a morte de alguém.

Em meu relicário, guardei uma pena.

Certa vez, numa aula de matemática onde reinava um silêncio amedrontador, bateram na
porta, era a diretora que, com os olhos preocupados, sussurrou algumas palavras no
ouvido esquerdo da professora que, aos poucos, foi ficando estarrecida até que pôs as
mãos na boca. Percebi que algo não estava bem. A diretora chamou a minha melhor amiga
e pediu para ela pegar o seu material e ir se encontrar com a mãe que a esperava em sua
sala, lá embaixo. Minha amiga saiu da sala sem entender nada. Na porta, vimos que
começou a chorar e foi abraçada pela diretora. Soubemos depois que seu pai tinha
morrido. Pouco falamos sobre isso. Quando ela retornou, dias depois, percebemos que
Ponto Final
evitava conversar sobre o assunto e nós fingíamos que nada tinha acontecido.

Em meu relicário, guardei uma folha de caderno em branco.

Quando meu pai fez quarenta anos, eu achei que ele ia morrer. Estava com nove anos e,
não sei bem o porquê, quarenta representava, para mim, o final da linha. Durante a sua
festa de aniversário eu ficava pelos cantos chorando, olhava para ele e achava que não o
teria por muito tempo. Minha mãe percebeu minha desgraça e conversou comigo. Ele
sobreviveu, passa bem e está hoje com sessenta e quatro anos. Exatamente dez anos a
menos do que a idade que meu avô tinha quando almoçou, foi dormir e morreu. Foi minha
irmã quem me avisou. Tinha acabado de voltar da escola, era final de tarde, ela olhou para
mim e, como se fosse um comunicado oficial, anunciou “o vô morreu, o pai e a mãe foram
lá para resolver as coisas”. Acho que sua confusão também era tão grande que ela soube
apenas voltar ao que estava fazendo e eu mergulhei à deriva em pensamentos confusos e
muitas lembranças. Perder alguém bem próximo é assim, acontece em um dia comum,
daqueles que você acorda, toma café, organiza a casa, vai para a escola ou para o trabalho,
volta e descobre que terá um velório naquela mesma noite.

Em meu relicário, guardei a lembrança de um pôr do sol.

Depois aconteceu com a Madonna, minha cachorra. Ao que parece o rim foi perdendo a
vitalidade. Pouco se falou da história. Ela foi levada ao veterinário e não voltou mais. Só fui
sentir o vazio dessa perda um tempo depois, ao rever uma foto dela, em que tive a
consciência de que nunca mais me aninharia em seus pelos ou dormiria aconchegada em
sua barriga. Não pude ritualizar uma despedida, talvez nem saberia o que fazer ou talvez
teria medo ou vergonha de expressar o que sentia.

Em meu relicário, guardei uma loba.

Ainda criança, minha avó sempre me levava ao cemitério. Quinzenalmente ela limpava os
túmulos dos conhecidos e levava flores frescas. Lembro dela praguejar àqueles que
deixavam flores de plástico por ali e me advertia que se fizessem isso com ela viria puxar
os nossos pés à noite. Me impressionava com o silêncio do lugar, com as fotos
descoloridas, os nomes e as datas. Exercitava os cálculos matemáticos para saber o tempo
de vida daquelas pessoas. Quando calculava uma existência com menos de cinco anos,
sentia um frio na nuca e uma tristeza desoladora. Acho que minha avó percebia e, para me
tirar do torpor, me perguntava se eu lembrava onde meu avô estava enterrado.

Em meu relicário, guardei mensagens de esperança.

Vinte e três de agosto é, para mim, uma data marcante. Foi quando meu tio/irmão morreu
de leucemia. O tratamento disponível possibilitou dezesseis dias para uma despedida que
jamais imaginaríamos fazer. Foi algo brusco! Ele fez parte daquela baixa porcentagem de
pessoas que apresentaram reações adversas por uma medicação. Tinha trinta e três anos.
Nesse dia, os médicos ligaram e pediram para a família ir até o hospital, minha mãe ficou
tão desolada que eu senti que precisava segurar a onda. Essa tensão gerou um epicentro
emocional e o tsunami me devastou, mas deixou o essencial para que permanecesse em
pé. Enquanto recolhia os cacos aqui e ali, me sentia navegando num singelo barco num
mar de águas profundas como se algo e não eu, controlasse meu percurso. Em pouco
tempo me casei, tive meu primeiro filho e um dia sonhei com meu tio/irmão onde me
abraçou e desejou paz, amor e luz. Foi muito bom!

Em meu relicário, guardei sonhos.

O tempo passou, mudei de cidade e sofri um aborto espontâneo. Perdi uma vida
intrauterina de dez semanas. Chamei-a de Catarina. Seu coração não bateu. Em meio ao
sangue e a dor das contrações de expulsão, fui arrumar o guarda-roupa e no silêncio
desse momento, encontrei apoio em meu companheiro e ao meu filho. Senti vergonha,
não sei por quê. Parecia que as pessoas próximas tinham medo de conversar comigo e o
que eu mais precisava naquele momento era de colo, de carinho e só fui conseguir
quando minhas avós me acolheram certo dia e narraram sobre suas experiências
abortivas. Com elas, eu pude entender que situações ruins acontecem e não temos
controle algum sobre elas, simplesmente fazem parte da Vida.

Em meu relicário, guardei o símbolo do infinito.

Como diz meu pai, coisas boas e ruins acontecem com todos. A cada nova experiência de
entrada ao mundo de Perséfone, a deusa grega do submundo e das estações, uma nova
marca na minha alma. Como tatuagens, tornam-se rituais de passagens que me ensinam a
estar à altura nesse momento tão misterioso.

Dizem que luto envolve luta. Mas quem, nesses momentos, tem forças? Para mim, tem
sido experiência solitária. Uma travessia constante por entendimento, uma jornada
noturna pelo silêncio.

Aos poucos encontro meu bando: pessoas que escolho compartilhar vivências e que me
acolhem como se estivessem bebendo água fresca com a mão em formato de conchinha.
Com respeito, me escutam sem julgar e me presenteiam, numa troca sincera, com as suas
histórias. Formamos círculos. Essas pessoas me apoiam e me fortalecem de tal forma que
me sinto aconchegada em uma colcha de retalhos macia e protetora.

Em busca de um santuário, vou para baixo de uma árvore. É ali que sinto saudades dos
que já se foram. Observo o farfalhar das folhas, sinto a textura do tronco e a magnitude
das raízes. O vento no rosto reverbera o voo dos pássaros… Esse relaxamento me conduz
para uma conexão profunda com a natureza, e ela me conduz ao encontro do infinito
daqueles que não estão mais aqui. Nessas horas, tenho a sensação de que as coisas
continuam e que a eternidade está na transformação. Vida e morte são apenas um “até
logo”.

Diante dessas e outras histórias, estou aprendendo a nomear minhas emoções. Quando
não consigo, empresto palavras dos outros. No mastro do meu barco imaginário, que faz o
percurso pelas águas da Vida, tem uma bandeira onde bordei uma provocação do
Nietzsche “Você vive hoje uma vida que gostaria de viver por toda a eternidade?”. Levo
também um diário de bordo, nele escrevo recadinhos, frases, pensamentos e sonhos. Um
amuleto que me lembra sempre de ir dormir em paz e de bem com as pessoas ao meu
redor, falar e expressar verdadeiramente o que sinto e estar presente nas coisas que faço.
E assim, vou compondo meu relicário da vida.

Thalita Jordão – Bela Urbana, é também professora e peregrina pelo mundo da leitura, arte e reinação. Gosta das paisagens geograficas, café com conversa fiada e sente uma atração imensurável pelos silêncios e mistérios da vida. Dizem que é estranha, mas ela se orgulha de ser amiga das bruxas.
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Memórias de um verão

Na correria dos dias de um ano intenso que estava quase terminando, os compromissos se acumulavam na mesma velocidade que os meses são contados em semanas, dias e horas.

Eram muitos detalhes importantes (paradoxo, eu sei) e uma lista quase infinita de pessoas que deveriam ser informadas sobre o acontecimento que se anunciava. Muita gente já aguardava, mas, para outros seria uma grande surpresa.

Para que nada desse errado, contratei uma cozinheira para comidinhas frugais, dessas de comer com as mãos e pedi à equipe de buffet para providenciar guardanapos floridos que deveriam ser espalhados pela recepção, evitando digitais engorduradas sobre o verniz natural. O cuidado é o pai da paz e o estresse não é camarada, por isso, tais observações foram anotadas numa lousa, em letras legíveis.

Comprei as bebidas com antecedência e deixei para gelar para que ninguém reclamasse da temperatura. Afinal, refrescar renova as boas energias e rejuvenesce até o céu.

Uma confeiteira foi trazida das Minas Gerais para que a doçura marcasse as bocas e as almas dos presentes.

Recomendei que a música fosse alegre e constante, mas que tocasse baixo, para que conversas melodiosas fossem as verdadeiras donas daquela festa.

Cada canto da sala deveria ter flores mistas e muita folhagem de alecrim e manjericão para que o visual enchesse os olhos enquanto o vento se incumbiria das profundas inspirações olfativas que aguçam os desejos e a fome.

Pedi que na porta dos banheiros houvesse bacias com toalhas quentes, para desinfetar as pontas dos dedos como se faz nos eventos orientais e, ao lado das bacias, tinas vazias para se depositar as toalhas usadas. Simbolicamente, a ideia era preservar o essencial e descartar o que arrisca a nos contaminar. Mas, sei que é uma interpretação sofisticada para a maioria das pessoas. Talvez seja o caso de repensar este conceito.

O salão foi projetado para parecer movimentado, com luz neutra, vários sofás redondos e mesas desiguais, de madeira verde, sem toalhas, nem vidros; mesas cruas e cadeiras fofas para os corpos cansados numa tentativa de mostrar um ambiente em construção, assim, toda a magia seria compartilhada com as pessoas.

Tudo aritmeticamente preparado para o clima de verão de um ano nem muito quente, nem muito frio, que jamais combinaria com algo morno. A intensidade deveria ser sentida visceralmente.

Uma ideia extravagante surgiu de última hora, provocando as mentes organizadoras, que, se fosse possível, atingiria o ponto alto do impacto que se desejava causar. Imaginei que no fundo da casa, numa edícula pintada de amarelo e lilás, ficariam duas tatuadoras à disposição dos que quisessem carregar uma memória vitalícia daquele dia ou daquela noite, conforme o momento da visita. Um longo estudo e muitas objeções.

Por fim, eu mesma deveria me aprontar para ser vista. Fiz questão de seguir a longa agenda feminina de cabelo ao natural, maquiagem bem leve em tons de saúde, unhas feitas sem nenhuma cor, apenas o básico de apresentação.

O traje não foi uma escolha minha, mas fiquei satisfeita com a elegância que o ofereceram a mim. Uma camisola branca, de cambraia finíssima, com pespontos em vermelho e roxo, adornada por xale vermelho de tricô de linha. Uma combinação de conforto e delicadeza que me identifiquei por definição.

Antes, porém, de ver a engrenagem desta celebração em funcionamento, eu resolvi me presentear com minutos de relaxamento que duraram horas. Cochilei com os pés imersos numa banheira fria que fez meu corpo se ajustar ao colchão afetivo que me envolvia. Como costumam dizer: “tempo de sono dos justos”.

Às dez horas, sem despertador ou aflição, eu me lembrei de nascer.

Rompi a bolsa d´água, desci por um corredor úmido e estreito e respirei de uma vez só todo o ar do mundo. Chorei o mais alto que pude para sinalizar minha forte presença nua.

Enquanto isso, pessoas riam, conversavam, brindavam e davam boas-vindas à mulher que eu, um dia, haveria de me tornar.

Poucos segundos de olhares fixos em mim e uma eternidade de promessas e expectativas criadas por quem passou pela vida festejada recém parida na memória de um verão qualquer.

Dany Cais – Bela Urbana, fonoaudióloga por formação, comunicóloga por vocação e gentóloga por paixão. Colecionadora de histórias, experimenta a vida cultivando hábitos simples, flores e amigos. Iinstagram @daniela.cais
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Terra molhada

Se tem um gatilho universal para a memória, é o cheiro de terra molhada.

Feche os olhos por um instante e imagine esse cheiro. Onde você foi parar? Vou falar por mim.

Uma janela, a luz difusa do sol promete um lindo dia, o sabiá cantando, a sombra das folhas e galhos na parede. Cheiro de terra molhada denuncia a chuva da noite. Fico deitada, só mais um pouquinho, ouvindo os sons, enebriada pelas sensações.

Um pomar, a liberdade de correr, sem medo de se molhar na chuva quente do verão. Ou pelas ruas do bairro, poças que refletem o céu.

À entrada da casa um tapete ou paninho, pois aos pés descalços só resta tentar limpar o quanto der.

Ainda chove? Talvez. O cheiro de terra molhada persiste ainda.

Um outro dia, a terra molhada, cadernos e apostilas, que desperdício de tempo. Uma pausa, cheirinho de café e pão de queijo e volta para os estudos. O diploma prova um tempo bem gasto.

Cheiro de terra molhada, uma taça de vinho para celebrar. Um toque macio, o cheiro de outra pessoa a me amar.

Terra molhada. Os filhos correm lá fora, foram ensinados a também reverenciar as dádivas da natureza. A vó acha que podem ficar gripadas, mas não, mãe, deixe que aproveitem.

A vó é tão divertida, gritam os netos – a vó agora sou eu – que comigo correm na terra molhada. Na entrada da casa do rancho, um pano, pois nossos pés descalços precisam limpar a terra e a grama neles grudados. O vô traz o pão de queijo e o suco para as crianças e, para mim, café com beijo quentes.

Uma luz difusa entra pela janela, a sombra de galhos e folhas na brisa, o sabiá está cantando e o cheiro da chuva que passou, terra molhada, anunciam um belo dia pela frente, com as memórias daquele lugar especial. Todo dia é especial, mas alguns são mais que outros.

Synnöve Dahlström Hilkner – Bela Urbana, é artista visual, cartunista e ilustradora. Nasceu na Finlândia e mora no Brasil desde pequena. Formada em Comunicação Social/Publicidade e Propaganda pela PUCC. Desde 1992, atua nas áreas de marketing e comunicação, tendo trabalhado também como tradutora e professora de inglês. Participa de exposições individuais e coletivas, como artista e curadora, além de salões de humor, especialmente o Salão de HumBelor de Piracicaba, também faz ilustrações para livros. É do signo de Touro, no horóscopo chinês é do signo do Coelho e não acredita em horóscopo.
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É tempo de se viver

O relógio nos diz sobre o tempo cronológico medido por horas, dias, meses e anos. Desejo falar sobre um outro tempo, o qual podemos viajar através das memórias, pois elas nos remetem há momentos desde a infância até os dias atuais.

Neste tempo a vida pode passar como um filme e pode-se revisitar momentos de dor e alegria em alguns minutos ou horas. Quando isso ocorre fico a pensar que a vida tem a ver com intensidade e eternidade.

Ao observar a natureza notamos que a semente de uma árvore, contém em si todo o potencial necessário para que se desenvolva e torne-se uma linda árvore, todavia a árvore ao morrer deixará sementes. Fico a imaginar o movimento da vida como as ondas do mar que avançam para retornar, retornam para avançar.

Na dança da vida as vezes erramos o passo, outra vezes perdemos o ritmo e o rebolado, mas tudo faz parte do aprendizado de dançar a dois. Ao acertar o passo podemos bailar, assim como um casal de amantes com a leveza e sintonia. É sobre esse instante que pode dar sentido a uma vida que chamo de eternidade.

No filme “PERFUME DE MULHER”, há uma cena inesquecível, em que um personagem cego, vivido por Al Pacino, tira uma moça para dançar e ela responde: “Não posso, porque meu noivo vai chegar em poucos minutos…” Responde ele: “Mas em um momento se vive uma vida” conduzindo-a num passo de tango.

É sobre esse instante o qual pode dar sentido a uma vida que chamo de eternidade. Estar no fluxo da eternidade tem a ver com reconhecer a singularidade que cada um de nós somos no universo e no tempo. Logo cada um de nós expressa a diversidade da beleza que compõem a vida. Ao experimentarmos essa dimensão, tudo vai fazendo sentido e, passamos a nos implicar com cada decisão tomada durante a vida. É possível reconhecer que para cada decisão havia uma necessidade a ser atendida ou experimentada, a fim de se tornar que se é.

Movida por esse sentimento de eternidade, ao completar 60 anos, revisitei lugares onde morei especialmente da adolescência para frente, uma vez que a infância se passara em outra cidade. Foi uma experiência incrível; reviver as memórias de um tempo passado entrelaçado ao momento atual e, me reconciliar com todas as aquelas versões de mim, que me habitaram desde sempre. Reconhecer que sou somatória de todas elas, me preencheu de uma alegria, a qual fora bem descrita por Caetano, na música, Dom de Iludir: Cada um sabe a dor e a delícia. De ser quem se é.

Para terminar a minha reflexão te pergunto: E você já fez essa viagem no tempo? Sinta-se convidado.

Maria das Graças Guedes de Carvalho – Bela Urbana. Psicologa clinica. Ama a vida e suas dádivas como ser mãe, cuidar de pessoas e visitar o mar.
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Conselhos da Madame Zoraide – 32 – Memórias

Olá Consulentes

Quem tem aqui boa memória?

Já sei que  vem um consulente me perguntar o óbvio: O que é uma boa memória?

Seu desmemoriado, isso é óbvio e quase me recurso a responder, mas como tenho paciência vou responder para você e para todos de plantão com alguns exercícios. Vamos lá.  Responda rápido e profundamente:

O que sentiu quando pisou na escola pela primeira vez?  PS.: Podem pular essa questão os que foram para a escola antes dos 2 anos e 06 meses, o restante tem que  se lembrar.

-Lembre-se do que fazia no dia 11 de setembro de 2001. Dia do ataque as torres gêmeas.

-Lembre-se de algum dia/momento que seu coração bateu tão forte que você teve a sensação que os outros iriam ouví-lo.

-Consegue se lembrar do seu primeiro beijo e da sensação que sentiu?

-Consegue lembrar de um momento de comemoração/vitória da sua vida? Lembra o que sentiu? Lembra onde estava?

-Qual foi o dia que o pirulito foi inventado?

Consultente, você hoje é tudo que já viveu. Memórias são histórias e como todas as histórias, tem dores, amores, conflitos, abraços, conquistas, guerras, injustiças, sorte, música, comida, sonhos, sensações…

A sua memória é só sua e é ela que te atormenta ou te proteje, essa escolha é sua, só sua, mesmo que você não tenha essa consciência.

Ative as sua belas memórias, não as deixe partir, especialmente aqueles dias que são pra sempre. Guarde o que te leva para elas, mas nunca viva o hoje no passado. O hoje bem vivido é a memória de amanhã.

Entendeu o recado Consulente? Memória viva não quer dizer viva na memória. Memórias vivas é de quem VIVEU, com todas as letras maiúsculas.

Então o que posso desejar para você é que VIVA!

Até próxima.

Madame Zoraide – Bela Urbana, nascida no início da década de 80, vinda de Vênus. Começou  atendendo pelo telefone, atingiu o sucesso absoluto, mas foi reprimida por forças maiores, tempos depois começou a fazer mapas astrais e estudar signos e numerologias, sempre soube tudo do presente, do passado, do futuro e dos cantos de qualquer lugar. É irônica, é sabida e é loira. Seu slogan é: ” Madame Zoraide sabe tudo”. Atende pela sua página no facebook @madamezoraide. Se é um personagem? Só a criadora sabe .

 

 

 

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O primeiro monstro de nossas vidas é o Papai Noel

CENA 1

Uma mamãe no final da gravidez, mês de maio, indo para o hospital para acontecer o nscimento do seu filho!

Quando o bebê chegao ao quarto para ela que está junto com o marido ao seu lado e alguns da família, ela diz:

Ai! Ainda bem que ele nasceu antes do Natal!

Pois eu quero apresentá-lo ao “Papai Noel”, teremos uma bela árvore natalina em casa! Ao que o papai do bebê diz:

Já comprei meu amor a árvore e ela tem 02 metros!

Ei….

CENA 02

Chegando ao apartamento pais e bebê!

E na portaria do prédio um caminhão de entrega da árvore com 02 metros do novo inquilino do 25º andar!

E foi aquela perlenga para a dita árvore de um natal daqui a 07 meses chegar ao 25º andar!

Ainda nem a festa junina foi saudada!

E o bebê chorando o tempo todo daquela anarquia entre sobe ou não a árvore em questão.

Chama o síndico!

E lá vem Tim Maia

CENA 03

Resolvido o problema da subida da  árvore que precisou ser podada no hall de entrada do condomínio!

Foi uma festa de serra aqui acolá… e o síndico foi a loucura!

E assim se passaram o tempo e o bebê mal esperava conhecer o  1° monstro de sua vida nesta terra gentil varonil!

Papai Noel está no Shopping! E lá vai a mãe do bebê levando a sua máquina registradora de momentos inesquecíveis!

E se coloca defronte o bom velhinho mostrando aquela cara rosada dizendo:

Veja meu filho ele que traz presentinhos!

Vamos sentar no colo dele?

O velhinho estica os braços olhando firme para o bebê que berra ao enlaço do fofo Noel sentado naquela cadeira que se parece com a sua cadeira do quarto…..

Mas… Santa Maria do Sininho!

A mamãe não diz, mas ela tem um trauma sobre isto… na cidade onde morava não tinha um Noel tão bonito.

Ela acalma o seu bebê e o coloca “de costas” no colo do fofo Noel!

E dá-se o clique bem rápido e ali está para o mundo a imagem do encontro do primeiro monstro social que ainda em estado bebê somos forçados a sentar e ainda sorrir para ficar bem na foto!

Reparem que a maioria de fotos de bebês/crianças na 1ª infância está de costas para o fofo Noel!

Entendem?

O gatilho? Ora, é o Natal e para ser bem precisa é o dito Papai Noel… O bom velhinho!

É Natal, que algumas mãezinhas esxpõem seus filhos diante de suas loucas verdades!

É um fuzuê!

Joana D’arc de Paula – Bela Urbana, educadora infantil aposentada depois de 42 anos seguidos em uma mesma escola, não consegue aposenta-se da do calor e a da textura do observar a natureza arredor. Neste vai e vem de melodias entre pautas e simetrias, seu único interesse é tocar com seus toques grafitados pela emoção.

 

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A rua dos vagalumes

Com o fim do primeiro casamento de minha mãe na metade dos anos 90 nos mudamos eu e ela para uma casa em um quintal compartilhado e também propriedade da Dona Carol, senhora essa que tinha alguns netos que viviam a brincar na rua enquanto a lua fazia a iluminação natural do local.

No dia que nos mudamos para lá, lembro de ter tantas caixas empilhadas pela casa que para minha sorte minha mãe não achava as panelas e tampouco talheres, por isso procuramos a padaria mais próxima de casa e enquanto ela pedia as gramas de mortadela e pães quentinhos aquele cheiro de “padoca” inebriava todo o espaço daquele lugar.

Nesta nova vida éramos somente eu e ela, e toda confiança que eu depositava nela voltava para mim quando ela me pedia para me trocar e colocar o uniforme da escola na primeira chamada do Sítio do Pica Pau Amarelo que começava ao meio dia em ponto na rede Globo, assim só lhe restava pentear meu cabelo enquanto dividia seu horário de almoço entre comer, me buscar em casa e levar-me para escola. Lembro de chorar apenas uma vez sentindo sua falta e ser consolada com massinhas de modelar e ser a escolhida do dia para ajudar a professora por uma tarde inteira.

Quando podia minha mãe me levava também ao seu serviço, um pequeno salão de beleza que ficava numa grande avenida. Ao final do dia uma barraca de alumínio era montada na frente do local e ali se criava mais um cheiro que eu nunca seria capaz de esquecer em toda minha vida. Um cachorro quente completo com direito a todos os ingredientes da época, salsicha, maionese, ketchup, mostarda e batata palha. A simplicidade do lanche tão perfeita em seu sabor não se compara nem de longe aos preparos gourmetizados de hoje.

Menos é mais.

No rádio era lançamento de Pacato Cidadão da banda Skank, mas o que escutávamos mesmo eram as histórias contadas na rádio AM tais como, Papo de Boléia, Sérgio Bocca, Gil Gomes e Eli Correia, hábito que carrego até hoje e passo gentilmente para meu filho.

Na tv iniciava mais uma novela que seria maratonada com fervor. Com o final mais que esperado de A Próxima Vítima, agora nos renderíamos ao amor impossível de Dara e Igor em Explode Coração.

Capítulo por capítulo assistidos com a esperança de mais um final feliz.

As noites quentes inundavam a pequena casa de dois cômodos em que morávamos, era como um convite para ficarmos na rua na espera de qualquer brisa mais fresca para saciarmos o calor.

Minha recompensa era poder brincar na rua com os netos e netas da Dona Carol. A regra era apenas uma, era preciso levar uma sacola ou pote de vidro. O objetivo também era único, quem conseguisse pegar mais vagalumes vencia.

As sacolas e potes iluminados pelos mosquitinhos brilhantes arrancavam gargalhadas da criançada e um certo orgulho de quem havia pegado mais vagalumes.

A inocência fazia parte do DNA de quase todo pupilo.

Ao cair da noite em que víamos os adultos recolhendo suas cadeiras postas na rua ouvíamos também nossas mães nos chamando para jantar. Era hora de soltar os bichinhos de volta à natureza e entrar em casa.

Mais um final de semana chegava e eu mal poderia esperar para andarmos de trem, comer amendoim torrado na lata de óleo e assistir Domingo Legal ao meio dia.

Com certeza não era só o domingo que era legal e sim o mundo inteiro que era muito mais maneiro e supimpa.

A saudade existe e a memória fica.

Que sorte a nossa termos vivido na mesma época que os vagalumes, sem medo de brincar na rua e ficar em rodas de conversas até altas horas da noite.

Criamos lembranças que jamais serão vividas novamente, porém lembradas com carinho e gratidão por termos sido uma criança ou adolescente dos anos 90.

Gi Gonçalves – Bela Urbana, mãe, mulher e profissional. Acredita na igualdade social e luta por um mundo onde as mulheres conheçam o seu próprio valor. 
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Na gaveta encontrei o Toninho num monóculo

Sempre fui cismado com a mania que muita gente tem – inclusive eu – de guardar coisas em gavetas para não esquecer onde estão as coisas mais
banais do dia a dia, mas também os objetos importantes, tanto no aspecto material, como no afetivo. Muitas dessas relíquias caem no esquecimento e quando as encontramos, ao acaso, elas mudam de significado. Algumas perdem o prazo de validade, outras ganham valor emocional e muitas delas podem ser apagadas.

Na última incursão pela minha coleção de gavetas explorei uma em que eu havia guardado uma variedade de coisas: chave reserva, retrato 3X4,
selos, pilha usada, cartão de visitas, abotoadura velha, palito de dente, baralho, relógio de pulso, corta-unha, bolinha de gude, parafuso, pen drive, além de toda aquela papelada para organizar ou rasgar.

Entre os inúmeros trecos perdidos na gaveta remexida, encontrei um monóculo de fotografias. Um objeto retrô, do tempo da infância. Conhecido
também como binóculo. É um objeto de plástico colorido em formato cônico, medindo poucos centímetros de comprimento. Tem uma lente em uma das extremidades e na outra uma tampa branca na qual é fixada uma pequena fotografia. Para ver um fotograma dentro do monóculo, a gente precisa fechar um dos olhos e ficar contra a luz. Algo de mágico e nostálgico ao olhar, por meio de uma lente pequena, uma fotografia do tamanho de um selo. O monóculo de fotografias permite que você guarde uma lembrança e, onde você estiver, será possível enxergar uma memória em um espaço menor do que a palma da mão.

No fundo do monóculo encontrado na gaveta uma foto tirada por um fotógrafo ambulante durante uma festa de padroeiro. A foto caleidoscópica que
estava no fundo monóculo era do Toninho, um tio-irmão. Naquele dia de festa, ele, um homem negro trabalhador surgia no centro da fotografia, vestindo um terno branco muito alinhado, gravata borboleta preta, sapatos pretos. Ao fundo da foto um banco de praça, a balaustrada que margeia o rio e mais ao fundo as casas e sobrados da pequena cidade naquele dia ensolarado.

Quando aquela foto foi tirada eu era um menino de 10 ou 11 anos talvez, e estava caminhando ao longo da balaustrada, em companhia de gente
adulta, provavelmente parentes e amigos encontrando-se num dia de festa. O rio estava denso, com muita correnteza e o vento levantava uns borrifos que chegavam até nós. O sol estava quente no início do mês de fevereiro.

Um fragmento de memória como esse de encontrar uma foto significativa num monóculo é um resgate de memória casual e revisita a movimentação de nossos valores, ao longo dos anos que passam. O fato desse fragmento ter sido encontrado dentro de uma gaveta cheia de recordações, novas, recentes, velhas ou não; também permite perceber como nossa memória pode ser seletiva e decidir entre o que tem relevância, o que pode ser apagado, deixado para depois ou simplesmente abandonado.

Memória tem pelo menos duas coisas: lembrança e esquecimento. A falta de compromisso com as lembranças pode deixar a memória menos
pressionada a fazer esforços desnecessários. Economiza a energia emocional e liberta a imaginação para entrar em contato com aquilo que pode ser mais genuíno em nossas lembranças. Voltar a ver os objetos mais prosaicos com importância e outros nem tanta; talvez indispensáveis em tempos anteriores, possíveis candidatos ao lixo da nossa história pessoal ou então como possíveis luzes acesas no final do túnel.

João André Brito Garboggini – Publicitário, ator e diretor teatral e tem três filhos.