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Terra molhada

Se tem um gatilho universal para a memória, é o cheiro de terra molhada.

Feche os olhos por um instante e imagine esse cheiro. Onde você foi parar? Vou falar por mim.

Uma janela, a luz difusa do sol promete um lindo dia, o sabiá cantando, a sombra das folhas e galhos na parede. Cheiro de terra molhada denuncia a chuva da noite. Fico deitada, só mais um pouquinho, ouvindo os sons, enebriada pelas sensações.

Um pomar, a liberdade de correr, sem medo de se molhar na chuva quente do verão. Ou pelas ruas do bairro, poças que refletem o céu.

À entrada da casa um tapete ou paninho, pois aos pés descalços só resta tentar limpar o quanto der.

Ainda chove? Talvez. O cheiro de terra molhada persiste ainda.

Um outro dia, a terra molhada, cadernos e apostilas, que desperdício de tempo. Uma pausa, cheirinho de café e pão de queijo e volta para os estudos. O diploma prova um tempo bem gasto.

Cheiro de terra molhada, uma taça de vinho para celebrar. Um toque macio, o cheiro de outra pessoa a me amar.

Terra molhada. Os filhos correm lá fora, foram ensinados a também reverenciar as dádivas da natureza. A vó acha que podem ficar gripadas, mas não, mãe, deixe que aproveitem.

A vó é tão divertida, gritam os netos – a vó agora sou eu – que comigo correm na terra molhada. Na entrada da casa do rancho, um pano, pois nossos pés descalços precisam limpar a terra e a grama neles grudados. O vô traz o pão de queijo e o suco para as crianças e, para mim, café com beijo quentes.

Uma luz difusa entra pela janela, a sombra de galhos e folhas na brisa, o sabiá está cantando e o cheiro da chuva que passou, terra molhada, anunciam um belo dia pela frente, com as memórias daquele lugar especial. Todo dia é especial, mas alguns são mais que outros.

Synnöve Dahlström Hilkner – Bela Urbana, é artista visual, cartunista e ilustradora. Nasceu na Finlândia e mora no Brasil desde pequena. Formada em Comunicação Social/Publicidade e Propaganda pela PUCC. Desde 1992, atua nas áreas de marketing e comunicação, tendo trabalhado também como tradutora e professora de inglês. Participa de exposições individuais e coletivas, como artista e curadora, além de salões de humor, especialmente o Salão de HumBelor de Piracicaba, também faz ilustrações para livros. É do signo de Touro, no horóscopo chinês é do signo do Coelho e não acredita em horóscopo.
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É tempo de se viver

O relógio nos diz sobre o tempo cronológico medido por horas, dias, meses e anos. Desejo falar sobre um outro tempo, o qual podemos viajar através das memórias, pois elas nos remetem há momentos desde a infância até os dias atuais.

Neste tempo a vida pode passar como um filme e pode-se revisitar momentos de dor e alegria em alguns minutos ou horas. Quando isso ocorre fico a pensar que a vida tem a ver com intensidade e eternidade.

Ao observar a natureza notamos que a semente de uma árvore, contém em si todo o potencial necessário para que se desenvolva e torne-se uma linda árvore, todavia a árvore ao morrer deixará sementes. Fico a imaginar o movimento da vida como as ondas do mar que avançam para retornar, retornam para avançar.

Na dança da vida as vezes erramos o passo, outra vezes perdemos o ritmo e o rebolado, mas tudo faz parte do aprendizado de dançar a dois. Ao acertar o passo podemos bailar, assim como um casal de amantes com a leveza e sintonia. É sobre esse instante que pode dar sentido a uma vida que chamo de eternidade.

No filme “PERFUME DE MULHER”, há uma cena inesquecível, em que um personagem cego, vivido por Al Pacino, tira uma moça para dançar e ela responde: “Não posso, porque meu noivo vai chegar em poucos minutos…” Responde ele: “Mas em um momento se vive uma vida” conduzindo-a num passo de tango.

É sobre esse instante o qual pode dar sentido a uma vida que chamo de eternidade. Estar no fluxo da eternidade tem a ver com reconhecer a singularidade que cada um de nós somos no universo e no tempo. Logo cada um de nós expressa a diversidade da beleza que compõem a vida. Ao experimentarmos essa dimensão, tudo vai fazendo sentido e, passamos a nos implicar com cada decisão tomada durante a vida. É possível reconhecer que para cada decisão havia uma necessidade a ser atendida ou experimentada, a fim de se tornar que se é.

Movida por esse sentimento de eternidade, ao completar 60 anos, revisitei lugares onde morei especialmente da adolescência para frente, uma vez que a infância se passara em outra cidade. Foi uma experiência incrível; reviver as memórias de um tempo passado entrelaçado ao momento atual e, me reconciliar com todas as aquelas versões de mim, que me habitaram desde sempre. Reconhecer que sou somatória de todas elas, me preencheu de uma alegria, a qual fora bem descrita por Caetano, na música, Dom de Iludir: Cada um sabe a dor e a delícia. De ser quem se é.

Para terminar a minha reflexão te pergunto: E você já fez essa viagem no tempo? Sinta-se convidado.

Maria das Graças Guedes de Carvalho – Bela Urbana. Psicologa clinica. Ama a vida e suas dádivas como ser mãe, cuidar de pessoas e visitar o mar.
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Conselhos da Madame Zoraide – 32 – Memórias

Olá Consulentes

Quem tem aqui boa memória?

Já sei que  vem um consulente me perguntar o óbvio: O que é uma boa memória?

Seu desmemoriado, isso é óbvio e quase me recurso a responder, mas como tenho paciência vou responder para você e para todos de plantão com alguns exercícios. Vamos lá.  Responda rápido e profundamente:

O que sentiu quando pisou na escola pela primeira vez?  PS.: Podem pular essa questão os que foram para a escola antes dos 2 anos e 06 meses, o restante tem que  se lembrar.

-Lembre-se do que fazia no dia 11 de setembro de 2001. Dia do ataque as torres gêmeas.

-Lembre-se de algum dia/momento que seu coração bateu tão forte que você teve a sensação que os outros iriam ouví-lo.

-Consegue se lembrar do seu primeiro beijo e da sensação que sentiu?

-Consegue lembrar de um momento de comemoração/vitória da sua vida? Lembra o que sentiu? Lembra onde estava?

-Qual foi o dia que o pirulito foi inventado?

Consultente, você hoje é tudo que já viveu. Memórias são histórias e como todas as histórias, tem dores, amores, conflitos, abraços, conquistas, guerras, injustiças, sorte, música, comida, sonhos, sensações…

A sua memória é só sua e é ela que te atormenta ou te proteje, essa escolha é sua, só sua, mesmo que você não tenha essa consciência.

Ative as sua belas memórias, não as deixe partir, especialmente aqueles dias que são pra sempre. Guarde o que te leva para elas, mas nunca viva o hoje no passado. O hoje bem vivido é a memória de amanhã.

Entendeu o recado Consulente? Memória viva não quer dizer viva na memória. Memórias vivas é de quem VIVEU, com todas as letras maiúsculas.

Então o que posso desejar para você é que VIVA!

Até próxima.

Madame Zoraide – Bela Urbana, nascida no início da década de 80, vinda de Vênus. Começou  atendendo pelo telefone, atingiu o sucesso absoluto, mas foi reprimida por forças maiores, tempos depois começou a fazer mapas astrais e estudar signos e numerologias, sempre soube tudo do presente, do passado, do futuro e dos cantos de qualquer lugar. É irônica, é sabida e é loira. Seu slogan é: ” Madame Zoraide sabe tudo”. Atende pela sua página no facebook @madamezoraide. Se é um personagem? Só a criadora sabe .

 

 

 

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O primeiro monstro de nossas vidas é o Papai Noel

CENA 1

Uma mamãe no final da gravidez, mês de maio, indo para o hospital para acontecer o nscimento do seu filho!

Quando o bebê chegao ao quarto para ela que está junto com o marido ao seu lado e alguns da família, ela diz:

Ai! Ainda bem que ele nasceu antes do Natal!

Pois eu quero apresentá-lo ao “Papai Noel”, teremos uma bela árvore natalina em casa! Ao que o papai do bebê diz:

Já comprei meu amor a árvore e ela tem 02 metros!

Ei….

CENA 02

Chegando ao apartamento pais e bebê!

E na portaria do prédio um caminhão de entrega da árvore com 02 metros do novo inquilino do 25º andar!

E foi aquela perlenga para a dita árvore de um natal daqui a 07 meses chegar ao 25º andar!

Ainda nem a festa junina foi saudada!

E o bebê chorando o tempo todo daquela anarquia entre sobe ou não a árvore em questão.

Chama o síndico!

E lá vem Tim Maia

CENA 03

Resolvido o problema da subida da  árvore que precisou ser podada no hall de entrada do condomínio!

Foi uma festa de serra aqui acolá… e o síndico foi a loucura!

E assim se passaram o tempo e o bebê mal esperava conhecer o  1° monstro de sua vida nesta terra gentil varonil!

Papai Noel está no Shopping! E lá vai a mãe do bebê levando a sua máquina registradora de momentos inesquecíveis!

E se coloca defronte o bom velhinho mostrando aquela cara rosada dizendo:

Veja meu filho ele que traz presentinhos!

Vamos sentar no colo dele?

O velhinho estica os braços olhando firme para o bebê que berra ao enlaço do fofo Noel sentado naquela cadeira que se parece com a sua cadeira do quarto…..

Mas… Santa Maria do Sininho!

A mamãe não diz, mas ela tem um trauma sobre isto… na cidade onde morava não tinha um Noel tão bonito.

Ela acalma o seu bebê e o coloca “de costas” no colo do fofo Noel!

E dá-se o clique bem rápido e ali está para o mundo a imagem do encontro do primeiro monstro social que ainda em estado bebê somos forçados a sentar e ainda sorrir para ficar bem na foto!

Reparem que a maioria de fotos de bebês/crianças na 1ª infância está de costas para o fofo Noel!

Entendem?

O gatilho? Ora, é o Natal e para ser bem precisa é o dito Papai Noel… O bom velhinho!

É Natal, que algumas mãezinhas esxpõem seus filhos diante de suas loucas verdades!

É um fuzuê!

Joana D’arc de Paula – Bela Urbana, educadora infantil aposentada depois de 42 anos seguidos em uma mesma escola, não consegue aposenta-se da do calor e a da textura do observar a natureza arredor. Neste vai e vem de melodias entre pautas e simetrias, seu único interesse é tocar com seus toques grafitados pela emoção.

 

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A rua dos vagalumes

Com o fim do primeiro casamento de minha mãe na metade dos anos 90 nos mudamos eu e ela para uma casa em um quintal compartilhado e também propriedade da Dona Carol, senhora essa que tinha alguns netos que viviam a brincar na rua enquanto a lua fazia a iluminação natural do local.

No dia que nos mudamos para lá, lembro de ter tantas caixas empilhadas pela casa que para minha sorte minha mãe não achava as panelas e tampouco talheres, por isso procuramos a padaria mais próxima de casa e enquanto ela pedia as gramas de mortadela e pães quentinhos aquele cheiro de “padoca” inebriava todo o espaço daquele lugar.

Nesta nova vida éramos somente eu e ela, e toda confiança que eu depositava nela voltava para mim quando ela me pedia para me trocar e colocar o uniforme da escola na primeira chamada do Sítio do Pica Pau Amarelo que começava ao meio dia em ponto na rede Globo, assim só lhe restava pentear meu cabelo enquanto dividia seu horário de almoço entre comer, me buscar em casa e levar-me para escola. Lembro de chorar apenas uma vez sentindo sua falta e ser consolada com massinhas de modelar e ser a escolhida do dia para ajudar a professora por uma tarde inteira.

Quando podia minha mãe me levava também ao seu serviço, um pequeno salão de beleza que ficava numa grande avenida. Ao final do dia uma barraca de alumínio era montada na frente do local e ali se criava mais um cheiro que eu nunca seria capaz de esquecer em toda minha vida. Um cachorro quente completo com direito a todos os ingredientes da época, salsicha, maionese, ketchup, mostarda e batata palha. A simplicidade do lanche tão perfeita em seu sabor não se compara nem de longe aos preparos gourmetizados de hoje.

Menos é mais.

No rádio era lançamento de Pacato Cidadão da banda Skank, mas o que escutávamos mesmo eram as histórias contadas na rádio AM tais como, Papo de Boléia, Sérgio Bocca, Gil Gomes e Eli Correia, hábito que carrego até hoje e passo gentilmente para meu filho.

Na tv iniciava mais uma novela que seria maratonada com fervor. Com o final mais que esperado de A Próxima Vítima, agora nos renderíamos ao amor impossível de Dara e Igor em Explode Coração.

Capítulo por capítulo assistidos com a esperança de mais um final feliz.

As noites quentes inundavam a pequena casa de dois cômodos em que morávamos, era como um convite para ficarmos na rua na espera de qualquer brisa mais fresca para saciarmos o calor.

Minha recompensa era poder brincar na rua com os netos e netas da Dona Carol. A regra era apenas uma, era preciso levar uma sacola ou pote de vidro. O objetivo também era único, quem conseguisse pegar mais vagalumes vencia.

As sacolas e potes iluminados pelos mosquitinhos brilhantes arrancavam gargalhadas da criançada e um certo orgulho de quem havia pegado mais vagalumes.

A inocência fazia parte do DNA de quase todo pupilo.

Ao cair da noite em que víamos os adultos recolhendo suas cadeiras postas na rua ouvíamos também nossas mães nos chamando para jantar. Era hora de soltar os bichinhos de volta à natureza e entrar em casa.

Mais um final de semana chegava e eu mal poderia esperar para andarmos de trem, comer amendoim torrado na lata de óleo e assistir Domingo Legal ao meio dia.

Com certeza não era só o domingo que era legal e sim o mundo inteiro que era muito mais maneiro e supimpa.

A saudade existe e a memória fica.

Que sorte a nossa termos vivido na mesma época que os vagalumes, sem medo de brincar na rua e ficar em rodas de conversas até altas horas da noite.

Criamos lembranças que jamais serão vividas novamente, porém lembradas com carinho e gratidão por termos sido uma criança ou adolescente dos anos 90.

Gi Gonçalves – Bela Urbana, mãe, mulher e profissional. Acredita na igualdade social e luta por um mundo onde as mulheres conheçam o seu próprio valor. 
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Na gaveta encontrei o Toninho num monóculo

Sempre fui cismado com a mania que muita gente tem – inclusive eu – de guardar coisas em gavetas para não esquecer onde estão as coisas mais
banais do dia a dia, mas também os objetos importantes, tanto no aspecto material, como no afetivo. Muitas dessas relíquias caem no esquecimento e quando as encontramos, ao acaso, elas mudam de significado. Algumas perdem o prazo de validade, outras ganham valor emocional e muitas delas podem ser apagadas.

Na última incursão pela minha coleção de gavetas explorei uma em que eu havia guardado uma variedade de coisas: chave reserva, retrato 3X4,
selos, pilha usada, cartão de visitas, abotoadura velha, palito de dente, baralho, relógio de pulso, corta-unha, bolinha de gude, parafuso, pen drive, além de toda aquela papelada para organizar ou rasgar.

Entre os inúmeros trecos perdidos na gaveta remexida, encontrei um monóculo de fotografias. Um objeto retrô, do tempo da infância. Conhecido
também como binóculo. É um objeto de plástico colorido em formato cônico, medindo poucos centímetros de comprimento. Tem uma lente em uma das extremidades e na outra uma tampa branca na qual é fixada uma pequena fotografia. Para ver um fotograma dentro do monóculo, a gente precisa fechar um dos olhos e ficar contra a luz. Algo de mágico e nostálgico ao olhar, por meio de uma lente pequena, uma fotografia do tamanho de um selo. O monóculo de fotografias permite que você guarde uma lembrança e, onde você estiver, será possível enxergar uma memória em um espaço menor do que a palma da mão.

No fundo do monóculo encontrado na gaveta uma foto tirada por um fotógrafo ambulante durante uma festa de padroeiro. A foto caleidoscópica que
estava no fundo monóculo era do Toninho, um tio-irmão. Naquele dia de festa, ele, um homem negro trabalhador surgia no centro da fotografia, vestindo um terno branco muito alinhado, gravata borboleta preta, sapatos pretos. Ao fundo da foto um banco de praça, a balaustrada que margeia o rio e mais ao fundo as casas e sobrados da pequena cidade naquele dia ensolarado.

Quando aquela foto foi tirada eu era um menino de 10 ou 11 anos talvez, e estava caminhando ao longo da balaustrada, em companhia de gente
adulta, provavelmente parentes e amigos encontrando-se num dia de festa. O rio estava denso, com muita correnteza e o vento levantava uns borrifos que chegavam até nós. O sol estava quente no início do mês de fevereiro.

Um fragmento de memória como esse de encontrar uma foto significativa num monóculo é um resgate de memória casual e revisita a movimentação de nossos valores, ao longo dos anos que passam. O fato desse fragmento ter sido encontrado dentro de uma gaveta cheia de recordações, novas, recentes, velhas ou não; também permite perceber como nossa memória pode ser seletiva e decidir entre o que tem relevância, o que pode ser apagado, deixado para depois ou simplesmente abandonado.

Memória tem pelo menos duas coisas: lembrança e esquecimento. A falta de compromisso com as lembranças pode deixar a memória menos
pressionada a fazer esforços desnecessários. Economiza a energia emocional e liberta a imaginação para entrar em contato com aquilo que pode ser mais genuíno em nossas lembranças. Voltar a ver os objetos mais prosaicos com importância e outros nem tanta; talvez indispensáveis em tempos anteriores, possíveis candidatos ao lixo da nossa história pessoal ou então como possíveis luzes acesas no final do túnel.

João André Brito Garboggini – Publicitário, ator e diretor teatral e tem três filhos.

 

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Lugar feliz

Visitar antigas moradas é a melhor forma de escorar minha casa. Eu.

Recentemente, ouvindo uma palestra sobre autoconhecimento, foi feita a seguinte pergunta: Qual seu lugar feliz?

Algo como resgatar memórias que te causaram conforto. Foi nesse momento que comecei uma grande jornada em busca desse lugar.

Muitas situações vieram a tona. Boas, felizes e claro, as ruins e tristes. Tive uma vida confortável, uma família que sempre me abraçou com muito amor. Minha adolescência, juventude, fase adulta foram meio atribuladas e cheias de percalços. Mas foram bem boas também. Afinal, sobrevivi e estou aqui. A infância foi tudo do bem e do bom. Então, meu caminho de resgate estava em algum lugar dessa fase.

Minha irmã costuma dizer que eu era uma criança hiperativa. Não parava quieta e minha mãe a colocava para cuidar de mim em festas, eventos… por muitas vezes, ela vivia um caos. Gostava de esportes também. Desde pequena jogava tênis, fazia natação, não faltava da Educação Física. Por muitos anos joguei vôlei, participava dos campeonatos regionais e estaduais entre as escolas e representava um clube da cidade. Era levantadora. Essas lembranças me fizeram sorrir! Sorriso largo! E assim prossegui por horas a fio buscando na memória onde estava o meu conforto.

Todo final de semana frequentava o clube com meu pai. Não tinha nem 13 anos. Primeiro o tênis, depois ele ia jogar bocha e eu para a piscina. Por volta das 11h30, o combinado era nos encontrarmos na lanchonete. Nossa, era tão gostoso quanto subir no escorrega e me jogar de barriga na água gelada dando muitas risadas com os amigos. E lá nos encontrávamos. Seu Wilson era de pouca conversa, mas no clube era muito sociável e rodeado de bons amigos. Todos me conheciam. Era muito bacana.

O ritual era primeiro o bolinho de bacalhau com soda e limão. Depois, sentávamos numa mureta que tinha na lateral da lanchonete, ficávamos olhando para as piscinas chupando picolé de côco. Ele costumava a cruzar as pernas e me colocava para sentar em um dos seus pés para conversarmos enquanto me balançava. Não durava muito e ele já falava: chega dessa “melação” e termina seu picolé.

Ao lembrar desse momento, me deu um calor no coração, senti um aconchego e uma felicidade tomou conta de mim. Ali era meu lugar feliz!

Hoje, sempre que preciso de colo, de segurança, até mesmo o que fazer diante de alguma situação, me vejo naquela mureta, aquele balanço e parece tudo ficar bem.

Volto para o presente com um delicioso sabor de picolé de côco. Minha memória feliz! Meu lugar feliz!

Dani Fantini – Bela Urbana, Relações Públicas de formação. Se jogando na escrita de coração!
Mãe da Marina, filha super companheira! Cuida da casa, trabalha com gente, ama animais, plantas, é cercada de bons amigos e leva a vida com humor! Pode-se dizer que é completa, mesmo faltando algumas peças nesse enorme quebra-cabeças que é viver!

Foto Dani: @solange.portes

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A bota

Quando eu tinha 25 anos, morei em Londres, de lá fiz algumas viagens pela Europa e uma delas foi para a Grécia, foi um período da minha vida que recordo com muito carinho, cheio de aventuras, desejos e anseios pelo futuro, aquele tempo da vida que a gente gosta de lembrar, contar as histórias e se sentir grato pois teve essa oportunidade e aproveitou, esses dias organizando armários, encontrei uma bota preta, de couro, que me transportou novamente para aquela viagem, fiquei nostálgica e revivi o dia que a comprei, eu viajei com uma mochila pequena, a viagem durou uns 10 dias, já não me lembro bem, portanto não tinha e nem queria levar muita bagagem, eu caminhei muito e a bota que levei estragou, tão velha estava, preciso dizer que eu vivia um período de decisões, eu sabia que teria que voltar ao Brasil em breve pois meu segundo visto estava vencendo e namorava um rapaz britânico que residia em Londres, eu era jovem e cheia de intensidades, portanto quando me deparei com a bota preta em uma vitrine de uma loja de calçados em Atenas, pedi para dar uma olhada e vi que tinha sido fabricada no Brasil eu fiquei muito emocionada, um turbilhão de pensamentos inundaram minha mente, pensei que Deus tinha me enviado um sinal de que era hora mesmo de voltar para o Brasil, experimentei, ficou super confortável e o preço era ótimo, comprei.

Essa bota me acompanhou até hoje (52 anos), já levei ao sapateiro para trocar a sola, quando já não fazia mais meu estilo eu a mantive no armário, guardei pensando que talvez uma das minhas filhas a usasse algum dia, e efetivamente uma delas a usou, hoje já não quer mais e decidi doá-la, vou deixá-la ir com muita ternura, e que ela faça feliz a próxima dona ou dono, assim como me trouxe tantas alegrias, caminhei com ela por lindos lugares, vivi momentos cheios de amor e encantamento pela vida, ela testemunhou muitas descobertas e se maravilhou comigo na caminhada, ela foi companheira de um período mágico que eu não imaginava que fosse viver um dia, um calçado que é pleno de significados para mim, eu sou dessas pessoas que gostam de olhar os objetos que tem e sentir a energia deles carregada das minhas histórias, um marcador de página que comprei ou ganhei, um enfeite que alguém me trouxe de algum lugar, um livro que li em determinada viagem e que me acompanhou na jornada, tudo isso faz parte de memórias que são muito preciosas para mim, por isso vivo um paradoxo constante: quero ter menos coisas e ao mesmo tempo tenho dificuldade de me desfazer de determinados objetos que me trazem alegria e doces memórias ao olhar para eles, e respeito isso, tudo têm sua hora certa: a hora de me desapegar da bota chegou.

Eliane Ibrahim – Bela Urbana, administradora, professora de Inglês, mãe de duas, esposa, feminista, ama cozinhar, ler, viajar e conversar longamente e profundamente sobre a vida com os amigos do peito, apaixonada pela “Disciplina Positiva” na educação das crianças, praticante e entusiasta da Comunicação não-violenta (CNV) e do perdão.

 

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O tempo e a memória: registros e interpretações!

Hoje encontrei fotos que tirei quando fazia ensaios fotográficos no Rio de Janeiro. Como o tempo passou e de lá pra cá muitas transformações, conexões, estudos, treinamentos construídos e realizados, trabalhos corporativos, relacionamentos, afastamentos e reconexões. Fiquei refletindo em como a construção de nossa história pessoal em nossa memória não é algo linear com uma lógica ascendente e previsível, apesar de ter uma lógica e fazer todo o sentido, parece que o tempo, como dimensão psicológica, passa de forma diferente para cada pessoa, e às vezes uma pessoa pode guardar na memória uma infinidade de caminhos lógicos para o mesmo processo vivido. Podemos escolher dentro de todas as possibilidades que nossa mente apresenta quais nuances e cores recolher de nossa história?

Quando estudei a matéria de Filosofia da história percebi algo parecido em relação a história da humanidade, onde pude entender que nossa trajetória humana guarda uma memória ancestral que pode ser contada a partir de variados enfoques, mesmo que o caminho percorrido tenha sido um só considerando apenas a lógica dos fatos, com ciclos de início e fim para grandes civilizações, mas deixando registros e evidências recolhidos e preservados. Se a narrativa apresentada ou escolhida já tem um enfoque que depende de diversos fatores, onde encontrar a memória ancestral que nos indique para onde estamos indo, que caminhos já percorremos e o que precisamos fazer para melhorar nosso futuro como grupo humano?

Essas questões me fazem buscar cada vez mais nos antigos ensinamentos das tradições que a filosofia me presenteou. Quando observamos a natureza com cuidado, podemos perceber a integração da vida que se reflete na percepção de unidade. Ao caminhar por uma trilha encontramos pedras, plantas, animais, e muita diversidade, mas nunca tive sensação de que algo estivesse isolado, na verdade, tudo parecia estar em comunhão.

Muitos sábios e filósofos apresentaram essa questão da unidade presente na multiplicidade. Desde os pré-socráticos dos séculos antes de Cristo até filósofos modernos, a busca da sabedoria esteve pautada na busca da Causa primeira, fundamento metafísico que por evidência lógica permeava toda a multiplicidade da natureza.

Os filósofos pré-socráticos chamavam a Natureza de Physis, e por isso foram chamados de físicos por Aristóteles, filósofo grego que se dedicou bastante em nos falar desses sábios da Grécia clássica. Se hoje não temos como ler seus textos completos, por causa da ignorância histórica que destrói o que não compreende, podemos ainda acessar seus ensinamentos através do olhar de Aristóteles. Esses sábios antigos tinham uma forma de ver a Natureza como algo completo, e mesmo escolhessem abordar um enfoque da natureza não deixavam de ter como fundamento sua totalidade, asim como percebiam que havia uma direção ou finalidade que se evidenciava na harmonia existente nas relações entre as diversas partes integradas na Natureza.

Para esses sábios essa harmonia presente na multiplicidade da Natureza só era possível por que havia uma Causa primeira de onde todas as dualidades surgiam e para onde retornavam. Portanto outro princípio importante para os filósofos pré-socráticos era que a Causa e a Finalidade eram uma mesma coisa. Por isso muitos estudiosos destes sábios falam do eterno retorno. O que posso explicar mais a frente. Isso que era causa e retorno de tudo que é múltiplo que muitas vezes é chamado por vários nomes na história da filosofia e na história humana: Thales de Mileto dizia que era a Àgua que dava origem e vivificava toda a natureza; Anaxímenes afirmava que era o Ar como alento divino; Anaximandro atribuía a causa da vida ao Ápeiron; interpretado como o “infinito”; Pitágoras apresentava o Número como princípio de toda a multiplicidade; Parmênides chamava esse princípio de Ente; Empédocles considerava a mistura dos elementos terra, água, ar e fogo; Demócrito considerava o Átomo a partícula última que não se divide; Heráclito dizia que o princípio de todas as coisas era o fogo. Muitos comentadores acreditam que Heráclito desconsiderava o elemento metafísico da Natureza, porque seu enfoque principal era sobre o Devir, ou seja, o movimento que transforma todas as coisas que podemos ver através da alternância dos contrários. Heráclito também afirmava que no fundo dessa aparente guerra dos contrários havia harmonia, que vem do Logos, a lei universal da Natureza.

A questão é que cada filósofo da história da filosofia clássica se dedicou a dar um enfoque diferente ao fundamento metafísico que era causa e finalidade de toda a manifestação, “as coisas aparecem e desaparecem”; “do Ápeiron surge a primeira dualidade que dará origem à multiplicidade”; “Todas as coisas surgem em desequilíbrio e buscam se equilibrar” “Voltar ao seu equilíbrio é voltar à Causa primeira”.

Mas afinal o que seria essa causa primeira para os filósofos pré-socráticos?

Ana Paixão – Bela Urbana, filosofa, pedagoga, palestrante e educadora que trabalha com treinamentos há mais de 10 anos
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Por fim e sem fim

PRECISAMOS FALAR SOBRE RELACIONAMENTOS ABUSIVOS SEMPRE, essa é a série que lançamos em agosto e que ainda não fechamos. A questão que fica é: Temos como fechá-la?

A resposta é não. Não temos como parar de falar sobre isso, mas não queremos falar só sobre isso, porque temos muitas outras questões que também precisamos falar.

Aqui no Belas Urbanas, para falar sobre algo, ouvimos. Sim, no processo dessa série e de outras, ouvimos e depois tornamos públicos os textos. Entendemos que além de falar, ouvir é fundamental para nos conectarmos.

Essa segunda série sobre o tema – para quem ainda não sabe, fizemos uma primeira série que deu origem ao livro Precisamos falar sobre relacionamentos abusivos – trouxe textos sobre abusos ainda não ditos na primeira, como nas relações homoafetivas, como casamentos com gays ou bissexuais, como questionamentos sobre os abusos que são vindos de instituições e muito abuso infantil… muito mesmo, incluindo estupros.

Foi dolorido ouvir essas histórias! Algumas histórias publicamos, outras (nesse momento) só precisavam de alguém para ouvi-las e, por isso, ainda não foram publicadas. O primeiro passo nesse processo de lidar com a dor é falar sobre o assunto, geralmente em conversas privadas. Expor publicamente requer estar em um segundo estágio,  porque mesmo escrito de forma anônima, é necessário coragem para lidar com o que vem depois, como julgamentos e críticas que aparecem no meio de comentários mais empáticos. É uma ferida que está aberta em busca da cura.

Vivemos em um mundo abusivo, composto por diversas relações abusivas, em diferentes graus e impactos. A pergunta que não quer calar é se a humanidade conseguirá dar um passo adiante e viver relações mais positivas e harmônicas. Hoje, dia 31 de outubro de 2023, a humanidade adoece, com diversas violências, entre elas guerras… O que podemos pensar da guerra?  Das diversas agressões e abusos de uma guerra? O que podemos pensar de ataques a escolas e assassinatos? O que podemos pensar sobre tantos números, que só aumentam, de feminicídios? O que podemos pensar de tantas e tantas relações de pessoas esgotadas, sobrecarregadas, invisíveis, quando precisam tanto serem vistas?

Enfim, não iremos colocar um ponto-final nessa série, mas um ponto e vírgula, para falarmos de outros assuntos e deixarmos essa série como permanente em nossa grade. O SEMPRE que ocorreu nessa continuidade veio a calhar para continuarmos mesmo sem a série fixa.

É preciso sermos muito conscientes e cuidarmos de nós, dos que estão a nossa volta e, principalmente, das crianças. Crianças têm poucas chances de defesas. Quando o abuso vem da infância, aquele lugar onde a pureza é quase todo o indivíduo, a crueldade nessa fase é uma ENORME violência. Por isso, a consciência e a atitude de estarmos sempre atentos e protegendo as crianças, sejam elas da sua família ou não. Precisamos de menos omissão.

A vida é uma grande preciosidade, repleta de belezas em meio a tantas dores. Tem um poema do Drummond que diz: “É feia. Mas é uma flor. Furou o asfalto, o tédio, o nojo e o ódio”.

Vamos plantar mais flores?

Adriana Chebabi  – Bela Urbana, sócia-fundadora e editora-chefe do Belas Urbanas, desde 2014. Publicitária. Roteirista. Escritora. Curiosa por natureza.  Divide seu tempo entre seu trabalho de comunicação e mkt e as diversas funções que toda mulher contemporânea tem que conciliar, especialmente quando tem filhos. É do signo de Leão, ascendente em Virgem e no horóscopo chinês Macaco. Isso explica muita coisa.

 

Link do poema: A flor e a náusea

A flor e a náusea [Carlos Drummond de Andrade]