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Na gaveta encontrei o Toninho num monóculo

Sempre fui cismado com a mania que muita gente tem – inclusive eu – de guardar coisas em gavetas para não esquecer onde estão as coisas mais
banais do dia a dia, mas também os objetos importantes, tanto no aspecto material, como no afetivo. Muitas dessas relíquias caem no esquecimento e quando as encontramos, ao acaso, elas mudam de significado. Algumas perdem o prazo de validade, outras ganham valor emocional e muitas delas podem ser apagadas.

Na última incursão pela minha coleção de gavetas explorei uma em que eu havia guardado uma variedade de coisas: chave reserva, retrato 3X4,
selos, pilha usada, cartão de visitas, abotoadura velha, palito de dente, baralho, relógio de pulso, corta-unha, bolinha de gude, parafuso, pen drive, além de toda aquela papelada para organizar ou rasgar.

Entre os inúmeros trecos perdidos na gaveta remexida, encontrei um monóculo de fotografias. Um objeto retrô, do tempo da infância. Conhecido
também como binóculo. É um objeto de plástico colorido em formato cônico, medindo poucos centímetros de comprimento. Tem uma lente em uma das extremidades e na outra uma tampa branca na qual é fixada uma pequena fotografia. Para ver um fotograma dentro do monóculo, a gente precisa fechar um dos olhos e ficar contra a luz. Algo de mágico e nostálgico ao olhar, por meio de uma lente pequena, uma fotografia do tamanho de um selo. O monóculo de fotografias permite que você guarde uma lembrança e, onde você estiver, será possível enxergar uma memória em um espaço menor do que a palma da mão.

No fundo do monóculo encontrado na gaveta uma foto tirada por um fotógrafo ambulante durante uma festa de padroeiro. A foto caleidoscópica que
estava no fundo monóculo era do Toninho, um tio-irmão. Naquele dia de festa, ele, um homem negro trabalhador surgia no centro da fotografia, vestindo um terno branco muito alinhado, gravata borboleta preta, sapatos pretos. Ao fundo da foto um banco de praça, a balaustrada que margeia o rio e mais ao fundo as casas e sobrados da pequena cidade naquele dia ensolarado.

Quando aquela foto foi tirada eu era um menino de 10 ou 11 anos talvez, e estava caminhando ao longo da balaustrada, em companhia de gente
adulta, provavelmente parentes e amigos encontrando-se num dia de festa. O rio estava denso, com muita correnteza e o vento levantava uns borrifos que chegavam até nós. O sol estava quente no início do mês de fevereiro.

Um fragmento de memória como esse de encontrar uma foto significativa num monóculo é um resgate de memória casual e revisita a movimentação de nossos valores, ao longo dos anos que passam. O fato desse fragmento ter sido encontrado dentro de uma gaveta cheia de recordações, novas, recentes, velhas ou não; também permite perceber como nossa memória pode ser seletiva e decidir entre o que tem relevância, o que pode ser apagado, deixado para depois ou simplesmente abandonado.

Memória tem pelo menos duas coisas: lembrança e esquecimento. A falta de compromisso com as lembranças pode deixar a memória menos
pressionada a fazer esforços desnecessários. Economiza a energia emocional e liberta a imaginação para entrar em contato com aquilo que pode ser mais genuíno em nossas lembranças. Voltar a ver os objetos mais prosaicos com importância e outros nem tanta; talvez indispensáveis em tempos anteriores, possíveis candidatos ao lixo da nossa história pessoal ou então como possíveis luzes acesas no final do túnel.

João André Brito Garboggini – Publicitário, ator e diretor teatral e tem três filhos.

 

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Lugar feliz

Visitar antigas moradas é a melhor forma de escorar minha casa. Eu.

Recentemente, ouvindo uma palestra sobre autoconhecimento, foi feita a seguinte pergunta: Qual seu lugar feliz?

Algo como resgatar memórias que te causaram conforto. Foi nesse momento que comecei uma grande jornada em busca desse lugar.

Muitas situações vieram a tona. Boas, felizes e claro, as ruins e tristes. Tive uma vida confortável, uma família que sempre me abraçou com muito amor. Minha adolescência, juventude, fase adulta foram meio atribuladas e cheias de percalços. Mas foram bem boas também. Afinal, sobrevivi e estou aqui. A infância foi tudo do bem e do bom. Então, meu caminho de resgate estava em algum lugar dessa fase.

Minha irmã costuma dizer que eu era uma criança hiperativa. Não parava quieta e minha mãe a colocava para cuidar de mim em festas, eventos… por muitas vezes, ela vivia um caos. Gostava de esportes também. Desde pequena jogava tênis, fazia natação, não faltava da Educação Física. Por muitos anos joguei vôlei, participava dos campeonatos regionais e estaduais entre as escolas e representava um clube da cidade. Era levantadora. Essas lembranças me fizeram sorrir! Sorriso largo! E assim prossegui por horas a fio buscando na memória onde estava o meu conforto.

Todo final de semana frequentava o clube com meu pai. Não tinha nem 13 anos. Primeiro o tênis, depois ele ia jogar bocha e eu para a piscina. Por volta das 11h30, o combinado era nos encontrarmos na lanchonete. Nossa, era tão gostoso quanto subir no escorrega e me jogar de barriga na água gelada dando muitas risadas com os amigos. E lá nos encontrávamos. Seu Wilson era de pouca conversa, mas no clube era muito sociável e rodeado de bons amigos. Todos me conheciam. Era muito bacana.

O ritual era primeiro o bolinho de bacalhau com soda e limão. Depois, sentávamos numa mureta que tinha na lateral da lanchonete, ficávamos olhando para as piscinas chupando picolé de côco. Ele costumava a cruzar as pernas e me colocava para sentar em um dos seus pés para conversarmos enquanto me balançava. Não durava muito e ele já falava: chega dessa “melação” e termina seu picolé.

Ao lembrar desse momento, me deu um calor no coração, senti um aconchego e uma felicidade tomou conta de mim. Ali era meu lugar feliz!

Hoje, sempre que preciso de colo, de segurança, até mesmo o que fazer diante de alguma situação, me vejo naquela mureta, aquele balanço e parece tudo ficar bem.

Volto para o presente com um delicioso sabor de picolé de côco. Minha memória feliz! Meu lugar feliz!

Dani Fantini – Bela Urbana, Relações Públicas de formação. Se jogando na escrita de coração!
Mãe da Marina, filha super companheira! Cuida da casa, trabalha com gente, ama animais, plantas, é cercada de bons amigos e leva a vida com humor! Pode-se dizer que é completa, mesmo faltando algumas peças nesse enorme quebra-cabeças que é viver!

Foto Dani: @solange.portes

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A bota

Quando eu tinha 25 anos, morei em Londres, de lá fiz algumas viagens pela Europa e uma delas foi para a Grécia, foi um período da minha vida que recordo com muito carinho, cheio de aventuras, desejos e anseios pelo futuro, aquele tempo da vida que a gente gosta de lembrar, contar as histórias e se sentir grato pois teve essa oportunidade e aproveitou, esses dias organizando armários, encontrei uma bota preta, de couro, que me transportou novamente para aquela viagem, fiquei nostálgica e revivi o dia que a comprei, eu viajei com uma mochila pequena, a viagem durou uns 10 dias, já não me lembro bem, portanto não tinha e nem queria levar muita bagagem, eu caminhei muito e a bota que levei estragou, tão velha estava, preciso dizer que eu vivia um período de decisões, eu sabia que teria que voltar ao Brasil em breve pois meu segundo visto estava vencendo e namorava um rapaz britânico que residia em Londres, eu era jovem e cheia de intensidades, portanto quando me deparei com a bota preta em uma vitrine de uma loja de calçados em Atenas, pedi para dar uma olhada e vi que tinha sido fabricada no Brasil eu fiquei muito emocionada, um turbilhão de pensamentos inundaram minha mente, pensei que Deus tinha me enviado um sinal de que era hora mesmo de voltar para o Brasil, experimentei, ficou super confortável e o preço era ótimo, comprei.

Essa bota me acompanhou até hoje (52 anos), já levei ao sapateiro para trocar a sola, quando já não fazia mais meu estilo eu a mantive no armário, guardei pensando que talvez uma das minhas filhas a usasse algum dia, e efetivamente uma delas a usou, hoje já não quer mais e decidi doá-la, vou deixá-la ir com muita ternura, e que ela faça feliz a próxima dona ou dono, assim como me trouxe tantas alegrias, caminhei com ela por lindos lugares, vivi momentos cheios de amor e encantamento pela vida, ela testemunhou muitas descobertas e se maravilhou comigo na caminhada, ela foi companheira de um período mágico que eu não imaginava que fosse viver um dia, um calçado que é pleno de significados para mim, eu sou dessas pessoas que gostam de olhar os objetos que tem e sentir a energia deles carregada das minhas histórias, um marcador de página que comprei ou ganhei, um enfeite que alguém me trouxe de algum lugar, um livro que li em determinada viagem e que me acompanhou na jornada, tudo isso faz parte de memórias que são muito preciosas para mim, por isso vivo um paradoxo constante: quero ter menos coisas e ao mesmo tempo tenho dificuldade de me desfazer de determinados objetos que me trazem alegria e doces memórias ao olhar para eles, e respeito isso, tudo têm sua hora certa: a hora de me desapegar da bota chegou.

Eliane Ibrahim – Bela Urbana, administradora, professora de Inglês, mãe de duas, esposa, feminista, ama cozinhar, ler, viajar e conversar longamente e profundamente sobre a vida com os amigos do peito, apaixonada pela “Disciplina Positiva” na educação das crianças, praticante e entusiasta da Comunicação não-violenta (CNV) e do perdão.

 

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O tempo e a memória: registros e interpretações!

Hoje encontrei fotos que tirei quando fazia ensaios fotográficos no Rio de Janeiro. Como o tempo passou e de lá pra cá muitas transformações, conexões, estudos, treinamentos construídos e realizados, trabalhos corporativos, relacionamentos, afastamentos e reconexões. Fiquei refletindo em como a construção de nossa história pessoal em nossa memória não é algo linear com uma lógica ascendente e previsível, apesar de ter uma lógica e fazer todo o sentido, parece que o tempo, como dimensão psicológica, passa de forma diferente para cada pessoa, e às vezes uma pessoa pode guardar na memória uma infinidade de caminhos lógicos para o mesmo processo vivido. Podemos escolher dentro de todas as possibilidades que nossa mente apresenta quais nuances e cores recolher de nossa história?

Quando estudei a matéria de Filosofia da história percebi algo parecido em relação a história da humanidade, onde pude entender que nossa trajetória humana guarda uma memória ancestral que pode ser contada a partir de variados enfoques, mesmo que o caminho percorrido tenha sido um só considerando apenas a lógica dos fatos, com ciclos de início e fim para grandes civilizações, mas deixando registros e evidências recolhidos e preservados. Se a narrativa apresentada ou escolhida já tem um enfoque que depende de diversos fatores, onde encontrar a memória ancestral que nos indique para onde estamos indo, que caminhos já percorremos e o que precisamos fazer para melhorar nosso futuro como grupo humano?

Essas questões me fazem buscar cada vez mais nos antigos ensinamentos das tradições que a filosofia me presenteou. Quando observamos a natureza com cuidado, podemos perceber a integração da vida que se reflete na percepção de unidade. Ao caminhar por uma trilha encontramos pedras, plantas, animais, e muita diversidade, mas nunca tive sensação de que algo estivesse isolado, na verdade, tudo parecia estar em comunhão.

Muitos sábios e filósofos apresentaram essa questão da unidade presente na multiplicidade. Desde os pré-socráticos dos séculos antes de Cristo até filósofos modernos, a busca da sabedoria esteve pautada na busca da Causa primeira, fundamento metafísico que por evidência lógica permeava toda a multiplicidade da natureza.

Os filósofos pré-socráticos chamavam a Natureza de Physis, e por isso foram chamados de físicos por Aristóteles, filósofo grego que se dedicou bastante em nos falar desses sábios da Grécia clássica. Se hoje não temos como ler seus textos completos, por causa da ignorância histórica que destrói o que não compreende, podemos ainda acessar seus ensinamentos através do olhar de Aristóteles. Esses sábios antigos tinham uma forma de ver a Natureza como algo completo, e mesmo escolhessem abordar um enfoque da natureza não deixavam de ter como fundamento sua totalidade, asim como percebiam que havia uma direção ou finalidade que se evidenciava na harmonia existente nas relações entre as diversas partes integradas na Natureza.

Para esses sábios essa harmonia presente na multiplicidade da Natureza só era possível por que havia uma Causa primeira de onde todas as dualidades surgiam e para onde retornavam. Portanto outro princípio importante para os filósofos pré-socráticos era que a Causa e a Finalidade eram uma mesma coisa. Por isso muitos estudiosos destes sábios falam do eterno retorno. O que posso explicar mais a frente. Isso que era causa e retorno de tudo que é múltiplo que muitas vezes é chamado por vários nomes na história da filosofia e na história humana: Thales de Mileto dizia que era a Àgua que dava origem e vivificava toda a natureza; Anaxímenes afirmava que era o Ar como alento divino; Anaximandro atribuía a causa da vida ao Ápeiron; interpretado como o “infinito”; Pitágoras apresentava o Número como princípio de toda a multiplicidade; Parmênides chamava esse princípio de Ente; Empédocles considerava a mistura dos elementos terra, água, ar e fogo; Demócrito considerava o Átomo a partícula última que não se divide; Heráclito dizia que o princípio de todas as coisas era o fogo. Muitos comentadores acreditam que Heráclito desconsiderava o elemento metafísico da Natureza, porque seu enfoque principal era sobre o Devir, ou seja, o movimento que transforma todas as coisas que podemos ver através da alternância dos contrários. Heráclito também afirmava que no fundo dessa aparente guerra dos contrários havia harmonia, que vem do Logos, a lei universal da Natureza.

A questão é que cada filósofo da história da filosofia clássica se dedicou a dar um enfoque diferente ao fundamento metafísico que era causa e finalidade de toda a manifestação, “as coisas aparecem e desaparecem”; “do Ápeiron surge a primeira dualidade que dará origem à multiplicidade”; “Todas as coisas surgem em desequilíbrio e buscam se equilibrar” “Voltar ao seu equilíbrio é voltar à Causa primeira”.

Mas afinal o que seria essa causa primeira para os filósofos pré-socráticos?

Ana Paixão – Bela Urbana, filosofa, pedagoga, palestrante e educadora que trabalha com treinamentos há mais de 10 anos
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Por fim e sem fim

PRECISAMOS FALAR SOBRE RELACIONAMENTOS ABUSIVOS SEMPRE, essa é a série que lançamos em agosto e que ainda não fechamos. A questão que fica é: Temos como fechá-la?

A resposta é não. Não temos como parar de falar sobre isso, mas não queremos falar só sobre isso, porque temos muitas outras questões que também precisamos falar.

Aqui no Belas Urbanas, para falar sobre algo, ouvimos. Sim, no processo dessa série e de outras, ouvimos e depois tornamos públicos os textos. Entendemos que além de falar, ouvir é fundamental para nos conectarmos.

Essa segunda série sobre o tema – para quem ainda não sabe, fizemos uma primeira série que deu origem ao livro Precisamos falar sobre relacionamentos abusivos – trouxe textos sobre abusos ainda não ditos na primeira, como nas relações homoafetivas, como casamentos com gays ou bissexuais, como questionamentos sobre os abusos que são vindos de instituições e muito abuso infantil… muito mesmo, incluindo estupros.

Foi dolorido ouvir essas histórias! Algumas histórias publicamos, outras (nesse momento) só precisavam de alguém para ouvi-las e, por isso, ainda não foram publicadas. O primeiro passo nesse processo de lidar com a dor é falar sobre o assunto, geralmente em conversas privadas. Expor publicamente requer estar em um segundo estágio,  porque mesmo escrito de forma anônima, é necessário coragem para lidar com o que vem depois, como julgamentos e críticas que aparecem no meio de comentários mais empáticos. É uma ferida que está aberta em busca da cura.

Vivemos em um mundo abusivo, composto por diversas relações abusivas, em diferentes graus e impactos. A pergunta que não quer calar é se a humanidade conseguirá dar um passo adiante e viver relações mais positivas e harmônicas. Hoje, dia 31 de outubro de 2023, a humanidade adoece, com diversas violências, entre elas guerras… O que podemos pensar da guerra?  Das diversas agressões e abusos de uma guerra? O que podemos pensar de ataques a escolas e assassinatos? O que podemos pensar sobre tantos números, que só aumentam, de feminicídios? O que podemos pensar de tantas e tantas relações de pessoas esgotadas, sobrecarregadas, invisíveis, quando precisam tanto serem vistas?

Enfim, não iremos colocar um ponto-final nessa série, mas um ponto e vírgula, para falarmos de outros assuntos e deixarmos essa série como permanente em nossa grade. O SEMPRE que ocorreu nessa continuidade veio a calhar para continuarmos mesmo sem a série fixa.

É preciso sermos muito conscientes e cuidarmos de nós, dos que estão a nossa volta e, principalmente, das crianças. Crianças têm poucas chances de defesas. Quando o abuso vem da infância, aquele lugar onde a pureza é quase todo o indivíduo, a crueldade nessa fase é uma ENORME violência. Por isso, a consciência e a atitude de estarmos sempre atentos e protegendo as crianças, sejam elas da sua família ou não. Precisamos de menos omissão.

A vida é uma grande preciosidade, repleta de belezas em meio a tantas dores. Tem um poema do Drummond que diz: “É feia. Mas é uma flor. Furou o asfalto, o tédio, o nojo e o ódio”.

Vamos plantar mais flores?

Adriana Chebabi  – Bela Urbana, sócia-fundadora e editora-chefe do Belas Urbanas, desde 2014. Publicitária. Roteirista. Escritora. Curiosa por natureza.  Divide seu tempo entre seu trabalho de comunicação e mkt e as diversas funções que toda mulher contemporânea tem que conciliar, especialmente quando tem filhos. É do signo de Leão, ascendente em Virgem e no horóscopo chinês Macaco. Isso explica muita coisa.

 

Link do poema: A flor e a náusea

A flor e a náusea [Carlos Drummond de Andrade]

 

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Ela não sabia

Relacionamentos abusivos sempre existiram, atualmente muito se tem falado sobre eles, como identificar e principalmente como se fortalecer para que se consiga sair deles.

Relacionamentos abusivos não começam abusivos, no começo parece um sonho, um grande conto de fadas, onde príncipes e princesas se conhecem e vivem felizes para sempre. No início é aquele encantamento, aquela dança da conquista, do acasalamento, o grande bombardeio de Amor.

O que ela não sabia era que existia um tal transtorno de personalidade narcisista, no qual o abusador, dentro de um relacionamento, manipula, mente, quer ter controle e destruir sua vítima, tudo milimetricamente calculado.

Ela nem sabia que existia um ciclo para isso. Como assim? Depois de ter vivido vários relacionamentos, amores, paixões, decepções, mesmo assim nunca ter ouvido falar do ciclo do Abuso Narcisista.

Acreditava ter experiência de vida suficiente para detectar um abusador. Não foi isso que aconteceu e que por diversas vezes ocorre na vida real, com pessoas reais, que simplesmente querem ser feliz no Amor.

Ela não podia imaginar que tudo não passava de um golpe, de um teatro, de uma farsa. Já tinha até visto filmes sobre isso, mas nunca sentido na pele.

Tudo parecia tão real, tão avassalador, tão intenso, tão perfeito. Então, esse é o início do ciclo e do que o abusador quer causar na vítima para fisgá-la.

Chamado Love Bonbing. Meu Deus, ela não se conforma de nunca ter visto vídeos sobre isso. A internet está lotada, quanta ingenuidade.

Após esse início maravilhoso, a segunda etapa é chamada de desvalorização, o abusador diminue a vítima para que ele alcance seu pódio na relação, mostrando seu poder e controle. Começa a destratá-la, humilhá-la, reclamar do seu cabelo, de sua roupa, de seus gostos, do seus amigos, diminue a autoestima da vítima para que se sinta mal.

Ela achava realmente estranha essa mudança repentina, mas já estava apaixonada, pensava que talvez ele pudesse mudar e voltar a idolatrá-la. Pura ilusão, em pouco tempo, questão de meses, as mentiras foram aparecendo, ela até pensava que estava ficando louca, isso também tem nome: gaslighting.

Ela tentava desesperadamente sair desse relacionamento, percebia claramente que tinha algo muito estranho, terminava, sentia alívio, mas o abusador não desistia, pedia para voltar, implorava, falava que iria melhorar, que seriam felizes, que viajariam, fazia planos, ela cedia. Isso também tem nome: Roovering.

Ela sentia um esgotamento físico, mental e emocional, sabia que isso não era normal. A ansiedade, estresse e depressão fazem parte do Abuso no ciclo do Abuso Narcisista.

Ela conseguiu sair. Contato Zero. Ela era mais forte que ele. Ele nem imaginava isso. Ela não sabia que a próxima fase seria do descarte. Descartou ele primeiro. Pura sobrevivência.

Ela não sabia que ela era um suprimento para o narcisista . Se existe algo que aprendeu com tudo isso, é que ela tem que aprender a se Amar e se Valorizar mais que tudo nessa Vida.

Anônimo – Mulher, brasileira, não quis ser identificada
SOS – Ligue 180
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Conseguir ressignificar

Escrever esse texto é provavelmente o mais difícil da minha vida. Algumas situações são escondidas por uma vida inteira. E quanto você cresce dentro de uma situação assim? Isso é um abuso? Se é, qual tipo é? Psicológico? Não sei se é…  Abuso moral talvez? Fui buscar o que se diz sobre abuso moral… não achei nada que se enquadrasse com precisão no meu caso, mas achei: “Assédio moral é a exposição de alguém a situações humilhantes e constrangedoras, repetitivas e prolongadas. Geralmente, tal expressão se refere a atos ocorridos durante a jornada de trabalho e no exercício de suas funções”… essa definição é a mais próxima, mas não é exata porque falo da minha vida pessoal, da minha infância, adolescencia e vida adulta. Falo sobre crescer em um mundo que não está dentro de um quadrado. E o mundo, apesar de ser uma bola redonda é muito quadrado e sendo esse quadrado, faz muita coisa ser presa e quando é presa, aprisiona também… em pensamentos que não podem se expressar abertamente, em corpos que não podem ser livres para amar, na frente de todos, os outros que de fato amam… e por isso, esse mundo quadrado, coloca ao quadrado mentiras. Eu cresci com algumas mentiras ao meu redor, mas mentiras, não excluem o amor, porque a mentira não era só para mim, era para o mundo. Era para sobreviver… mas a custas pesadas de outros… muito papo-cabeça para nada, muita obscuridade sem óculos, muito sofrimento oriundos de machismos estruturais, muita reclamação para a atenção ficar nos pormenores diários. Talvez esteja sendo difícil você entender o que quero dizer, assim como é difícil para eu falar sobre isso, falei tão pouco a vida inteira com outras pessoas sobre esse assunto…  Lembra que o mundo é quadrado e precisamos ser quadradinhos que se encaixam aí? É isso. Ainda não falo, porque eu sou a protagonista em um papel, o da minha vida, mas essa história envolve diversos outros protagonistas de suas histórias, então, em respeito a eles, ainda não falo abertamento, prefiro deixar a memória como foi até o final, como as crianças o viam. Meu pai era bisexual ou  gay, mas foi casado até o final com minha mãe, conheci o amante do meu pai quando eu tinha 12 anos, ele era legal comigo, me viu crescer, me formar, casar, ser mãe. Meu pai quase nunca viajava com a gente, mas viajava com ele e era constrangedor explicar essas viagens para amigas… eu nem contava, mas alguém, em algum momento, sei lá como, vinha e me dizia… seu pai está na Grécia? Porque não contou?… as viagens eram sempre nesse nível…e nós?…  para o litoral do nosso estado, nunca nada internacional…  dizia que era o amigo que pagava…. pode ser que sim… pode ser que não…. mas hoje, com clareza,  eu sinto como um ato egoísta. Quando eu disse que não se anula o amor, é verdade, o amor e o cuidado existia dentro da sua forma de ver o mundo e de fazer sua parte. Era amoroso, era responsável financeiramente. Nunca culpei ninguém de nada, mas hoje reflito sobre o impacto de crescer no meio de uma mentira, porque de tudo, é essa a questão… a mentira…. é aceitar alguém na sua casa, que nominalmente era o grande amigo e na verdade era o amante… é sobre achar tudo normal… não poder se revoltar porque  a revolta nem existia para algo que “não existia”, ou seja, me tiraram a chance da revolta que eu poderia vir a sentir….  O que posso dizer de todos os personagens envolvidos? Isso daria um livro… mas seria somente as minhas interpretações sobre o que vi e senti na vida sobre eles, sobre a minha e tão somente minha percepção e vivência.  Não falarei, não hoje, não agora… falarei só de mim… eu posso dizer que o impacto negativo disso tudo que mais tenho clareza, é um excesso de tolerância em diversas situações intolerâveis para a maioria das pessoas…. já aguentei sitações que por muito menos, muitos mandariam para aquele lugar… e eu… aguentei… e nem foi percebido por mim como algo pesado para eu aguentar…. tá achando isso bom? Não é, porque não eram situações positivas para mim, ou seja, tinha medo de perder, tinha medo de enfrentar, era mais fácil seguir daquela forma sem novamente me revoltar, sem ter uma consciência clara sobre o motivo que me fazia agir daquela forma…. mas por outro lado, sei também que tenho uma grande resiliência e que isso também veio do mesmo lugar. Maluco isso… Hoje me observo de forma mais consciente e  vejo as situações e como reajo a elas… como me posiciono… tudo tem haver com tudo… as vezes acerto, as vezes não…. sou uma aprendiz.  Consigo entender todos os lados, todas as dores de todos os lados dessas pessoas, e inclusive a minha. e com isso até as escolhas… mas de novo, viver na mentira é ruim. O amigo fez parte da nossa família por muitos anos, mas um dia acabaram…. o reencontrei muitos anos depois, cartas na mesa, acho que foi um alívio para ele e para mim também….  hoje nos vemos pouco, é casado e o marido nitidamente tem ciúmes de mim… de fora é fácil perceber….. cada qual com sua escolha e com seus aprendizados. Só me lembro de uma frase que alguém uma vez me disse, ninguém que está no enredo desse texto… “eu não fiz por mal” e eu respondi… “mas me fez mal”.

É isso, falei… Vamos falar e assim conseguir ressignificar o que nos fez mal, só assim podemos seguir em frente levando amor… e o amor que eu tenho em mim é muito grande.

Anônimo – Mulher, brasileira,  não quis ser identificada.

SOS – ligue 180

 

 

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Sem ar

Morreu sem ar

Entubada

Engasgada

Gorda

Bem gorda

Morreu sem ar

Sentia ódio, rancor, desamor

Do lado de cá

Uma, duas, algumas lágrimas e nada mais

Despedidas e homenagens nas redes sociais

A mesma que usou para gritar

O quanto estava infeliz

O grito na rede morreu sem ecoar

E o mais triste

É que morreu triste

e nada mais para se falar.

Adriana Chebabi  – Bela Urbana, sócia-fundadora e editora-chefe do Belas Urbanas, desde 2014. Publicitária. Roteirista. Escritora. Curiosa por natureza.  Divide seu tempo entre seu trabalho de comunicação e mkt e as diversas funções que toda mulher contemporânea tem que conciliar, especialmente quando tem filhos. É do signo de Leão, ascendente em Virgem e no horóscopo chinês Macaco. Isso explica muita coisa.

 

 

 

 

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1994 RENUNCIA

1994 é o ano em foi oficializado parte da minha história, no primeiro momento um sonho realizado e tudo que foi vivenciado durante 24 anos… um período em que meu emocional foi esmagado e aparentemente sobreposto por sorrisos, à espera de se transformar em dias melhores.
Mas, nada é para sempre quando decidimos renunciar a hipocrisia do próprio “eu”, então decidi optar pelo divorcio e contar a minha história por meio da Arte…, sim sou artista visual, AGORA SOU e escrevi em poucas palavras minha trajetória.
Renuncio…Renuncio, a cada palavra mal dita sobre a minha pessoa;
Renuncio ao juramento de amor eterno que não existiu;
Os sonhos cometidos e que não foram realizados;
As flores que não recebi;
Aos elogios que não chegaram;
As palavras que me calaram… Renuncio!
Renuncio os beijos que não foram me dado;
O riso que me foi calado…Eu Renuncio!

Essa renúncia semeia um novo ciclo, uma nova vida, sonhos a serem concretizados e a sensação de dever cumprido. Envelheci, amadureci e me dou ao direito de renunciar a tudo e a todos que trouxeram a negatividade para a minha vida!

Rosy Jesus Vaz – Americanense, de coração Barbarense, é artista visual contemporánea, desenvolve pesquisa e oficinas em diversas técnicas desde 2003.  Professora Coordenadora de Linguagens, atua como curadora, performer, fotógrafa autoral e em oficinas de fotografia e policromia em projetos sociais desde 2013. E motociclista e ama fotografar
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Caminhos de solução possíveis: ação judicial ou mediação?

Fui presenteada com o livro “Comunicação Não Violenta – técnicas para aprimorar relacionamentos pessoais e profissionais”, do psicólogo americano Marshall B. Rosenberg, na época em que meus filhos eram adolescentes, e sua leitura me fez enxergar a mim, aos outros e a vida sob outra lente. A CNV me cativou profundamente e é uma filosofia de vida que transformou a forma como me percebo, me trazendo muito autoconhecimento e muito mais: escutar o outro com mais empatia. E a prática da CNV traz uma consciência para uma comunicação mais assertiva, gerando maior conexão entre pessoas. É um caminho para quem quer investir em como se relacionar consigo mesmo e na qualidade dos relacionamentos.

A comunicação me trouxe benefícios na esfera pessoal – família e amigos – bem como profissional.

Na esfera profissional constatei que a CNV me fez olhar para o exercício da advocacia de forma mais atenta e humanizada, ao oferecer a escuta ativa para o cliente, trazendo compreensão mais profunda, observando não só o que ele quer e sim o que deseja, valoriza e o que é importante para ele.

Através do mapeamento do conflito, e no papel de advogada consensual, ofereço um leque de opções para solucionar o conflito: a advocacia preventiva, a MEDIAÇÃO privada de conflitos e como último recurso a ação judicial.

Especificamente quando o cliente escolhe a MEDIAÇÃO e no meu papel de ADVOGADA, usarei a comunicação para ajudá-lo a encontrar seus reais interesses e necessidades, os quais muitas vezes não são percebidos. Vou acompanhar ao longo de toda a mediação a defesa, preparando e orientando juridicamente o cliente para que ele se sinta seguro para as tomadas de decisão, garantindo segurança jurídica. Ao final, quando as partes chegarem a um acordo, zelarei para que possa ser devidamente cumprido. Ao final da Mediação, o acordo poderá ser levado à homologação judicial, que terá força de um título executivo judicial.

Porém, se eu vier a ser contratada como MEDIADORA (e não como advogada), exercerei a comunicação de forma neutra, imparcial e objetiva, no sentido de ajudar os intervenientes (partes e seus advogados) a perceberem que por trás de posições rígidas há interesses em comum. E assim, focarei em melhorar a comunicação entre eles para que consigam ampliar a compreensão do problema sob outras perspectivas e a pensar criativamente em opções em como querem solucionar o conflito de forma pacífica. A tomada de decisão é dos mediados, serão eles que terão o controle do resultado e como querem solucionar o conflito.

O conflito faz parte da vida de todos nós e geralmente, quando estamos inseridos nele, a comunicação está ruim ou interrompida. O mediador será um profissional essencial e que vai cuidar para que essa comunicação seja restabelecida, a fim que os mediados possam chegar a um consenso. A mediação cuida da comunicação entre os mediados para que escolham como querem viver no futuro da melhor maneira possível, principalmente quando estamos falando de relações continuadas, como, por exemplo, divórcio com filhos em comum, relações societárias ou profissionais, etc.

E quando estamos falando sobre relacionamentos abusivos a mediação pode ser um caminho adequado para solucionar um conflito dentro deste contexto. O mediador vai promover um espaço seguro para conversar sobre o relacionamento e o que irão decidir sobre ele; sobre a comunicação ruim e como irão fazer para melhorar essa comunicação e os temas decorrentes desta situação: filhos, bens, dívidas, por exemplo. Essas conversas podem acontecer de modo privado, isto é, quando for o caso somente um dos intervenientes acompanhado com seu advogado e o mediador, ou em conjunto, quando todos participarão do diálogo. Em alguns casos a mediação vai ajudar a melhorar a comunicação pois os intervenientes terão espaço de fala e de escuta em que poderão pensar e escolher qual melhor opção para buscar a pacificação e em decorrência chegar a um consenso.

Na Mediação os intervenientes terão voz e, escutados reciprocamente, serão os protagonistas das suas escolhas e terão o controle do resultado, pois decidirão juntos qual será a melhor solução. Porque mediação não é cedência, é uma construção de um consenso de ganhos mútuos, com equilíbrio, prevenindo e combatendo abusos nos relacionamentos. O mediador cuidará do equilíbrio dos mediados ao longo de todo o processo de mediação.

A mediação é um método previsto em lei e contemporâneo, pois traz “cultura da pacificação” como método justo e adequado para solucionar conflitos em contraposição à “cultura da sentença”, tão conhecida pelo nosso ordenamento jurídico. Ela pode acontecer antes ou durante o processo judicial e neste caso suspende-se o processo para as partes tentarem a solução pela mediação.

A mediação traz no seu método a flexibilidade e como consequência maior rapidez, já que a duração e andamento dependem dos intervenientes e seus advogados, mais economia por não ter custas judiciais, controle do resultado, eficiência e maior satisfação das partes se comparado ao processo judicial.

Assim a CNV está inserida na minha vida profissional de advogada e mediadora, me dando suporte para atender os clientes de maneira humanizada e cuidadosa.

Liesbeth Hermans Masson Regina – Casada, mãe de três filhos, advogada consensual e mediadora de conflitos. Gosta muito de estar e manter bons relacionamentos e uma das maneiras que mais aprecia é sentar em volta de uma mesa saboreando uma refeição, às vezes preparada por ela, acompanhada de um vinho. Adora comer chocolate amargo. Gosta de fazer meditação e esporte matinal, cozinhar, viajar e curtir uma música. Ama cachorros. E gosta muito do que eu faz seu trabalho. https://www.linkedin.com/in/liesbeth-hermans-masson-regina-07a63620/