Viajo no tempo e me vejo na primeira infância falando pelo telefone preto, pesado – grande para aquela mãozinha –, com a Carminha Lucia, a amiga imaginária. Lembro-me do avô Julio querendo me levar para a casa dela, sorrio ao lembrar. Será que ele era um provocador?
Viajo um pouco mais no tempo e lá estou eu sentada ao lado desse avô na sua casa, eu ouvindo-o me contar sobre seu pai quando veio para o Brasil brigado com o pai dele (meu trisavô), que iria se casar de novo.
Viajo mais um pouco no tempo, mas para uma época perto daquela, e lá estou de novo com meu avô analisando a grafologia das amigas do colégio: “essa é burra, a letra é assim…”, “essa é íntegra…”, aprendendo sobre numerologia, linhas da mão, e sem perceber nascia ali a Madame Zoraide.
Viajo de novo e vou para o carnaval da infância, matinê no clube, vestida de baiana, o colar da prima Gi arrebentou antes de irmos… o choro…, mas no final nos divertimos com muitos confetes e serpentinas no salão, tudo certo, brincar sempre foi bom.
Viajo novamente e lá estou com a amiga Kátia, fazendo aulas de direção juntas, fazíamos muitas coisas juntas, o instrutor desesperado, que as alunas saíram sozinhas com o carro. Lembro-me dos olhos verdes do instrutor.
Na esquina do tempo, me vejo prestes a entrar na igreja com meu pai ao lado, escuto de uma futura (ex) cunhada que nunca viu uma noiva tão calma. A frase ficou na cabeça, contei para a Gi e ela disse: “é porque fizemos teatro, já conhecemos um palco”.
Viajo para a infância, acordo na sala, desesperada, achando que iria morrer porque algo dentro de mim fazia barulho, e a Vó Gisa a me dizer que aquilo era o coração que batia. Fazia barulho porque eu estava viva, “se parar, morre”. Quantas vezes coloquei a mão no peito só para sentir o coração bater e saber que estava viva.
Viajei de novo no tempo e fui para o começo da Modo na casa da Vó Luiza, tempo bom, muitas lembranças, bilhetinhos, fax, paradas para fazer o almoço, hortinha no quintal, máquina elétrica de escrever e um telefone preto que enfeita hoje a minha casa, 23560, era esse o número, depois entrou um 3 na frente e da minha casa foram 87054, 516529, 32516529, tivemos também o 32542001 e depois tive o 32130585 – será que este era o da minha casa ou da Modo? Neste momento não sei mais.
Viajo no tempo e estou no sofá passando a mão na barriga, sentindo o bebê mexer, e digo: “oi, filho”, ele acalma, quando nasce chora, vem para perto do meu rosto e eu digo: “oi, filho” e ele para de chorar na hora, Bruno, o meu mais velho.
Com cada filho, uma lembrança no nascimento. Pedro com o choro forte e voz grossa, até as enfermeiras falaram, e com a Carol chorei muito entrando no centro cirúrgico, medo de morrer e deixar os três, mas foi tudo bem e ela nasceu linda, forte e saudável.
E que mãe sou eu, afinal? Prefiro não responder, deixo a pergunta para meus filhos.
Na esquina do tempo, lembro do bolo de formiguinha da minha mãe e de tantos outros sabores que já experimentei.
Pés na areia, água salgada, montanha, escola de samba, danceteria, festival de violão, balé, teatro, comemorando a entrada na faculdade. A sensação boa ao descobrir como é bom abraçar e ser abraçada pelo namorado. Andar de bicicleta…
As memórias são tão ricas que nem cabem em um só sonho ou texto. Fico com elas dentro de mim, construindo todo dia novas.
Às vezes os dias são quentes, mas tem lágrimas. Às vezes os pés doem. Às vezes o carro para. Às vezes eu viro a esquina errada e mudo o caminho, e, nesse caminho, afetos. Sim, encontro muitos afetos e alguns poucos desafetos.
A vida é ida!
Adriana Chebabi – Bela Urbana, sócia-fundadora e editora-chefe do Belas Urbanas, desde 2014. Publicitária. Roteirista. Escritora. Curiosa por natureza. Divide seu tempo entre seu trabalho de comunicação e mkt e as diversas funções que toda mulher contemporânea tem que conciliar, especialmente quando tem filhos. É do signo de Leão, ascendente em Virgem e no horóscopo chinês Macaco. Isso explica muita coisa.