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Eu fugi com as roupas em sacos de sanito

Falar de relações abusivas não é fácil… pois, para quem as vivenciou, o colocar no papel ou falar em voz alta é reviver as situações dolorosas. Eu poderia descrever “n” situações de abuso e relações tóxicas ao longo de 40 anos. Normalmente quem passa por isso, se não se cuidar e buscar ajuda, cai novamente nas mãos de pessoas abusivas e tóxicas. Muda o nome, mas o descritivo das personagens costuma ser idêntico, já dizem os especialistas!

Os relacionamentos abusivos acontecem em várias esferas e nem sempre o abusado percebe a teia em que está se metendo até estar totalmente preso a ela. Comigo foi assim… e por algumas vezes.

Eu havia saído de um relacionamento há alguns meses. Estava literalmente curtindo a solteirice. Naquela sexta à noite, estava já na terceira programação. Fui encontrar amigos em um bar. Cheguei e dei de cara com uma mesa em que eu não conhecia praticamente ninguém. Conhecidos apenas um amigo, que cantava ao som de seu violão, e a amiga que havia convidado. Cheguei bem no meu estilo: vestido curto, cigarro (naquela época podia fumar em locais fechados), falando alto (que é o meu comum, sem beber) e bebi minhas caipirinhas habituais. Um pouco feliz demais por encontrar o amigo cantor, com que à época tinha uma grande intimidade, fizemos uma brincadeira que sempre fazíamos: enquanto ele cantava imitando diversos artistas, eu sentava em uma de suas pernas, fazendo micagens! Essa era eu: sem pudor, sem mimimi, sem me preocupar muito com o que os outros estavam pensando.

Eis que a amiga me chama de canto e me diz que um de seus amigos havia se interessado por mim. Perguntei sobre ele. Ela disse que só o conhecia do trabalho, que ele era gente boa, mas só. Ao voltar para a mesa, muitas músicas e alguns drinks e cigarros depois, ele veio puxar papo. Queria saber tudo ao meu respeito, me ouvia atentamente e concordava com quase tudo, senão com tudo que eu falava. A primeira luz vermelha acendeu e eu não vi. Querer agradar demais e esse excesso de simpatia, hoje eu sei, é sinal de alerta! Faz parte do jogo de sedução do abusador!

Trocamos telefone. Ele viajaria no dia seguinte para a praia para passar alguns dias. De lá, em épocas que não existia whatsapp, ele me mandava mensagens de texto todo os dias e mais de uma vez: “bom dia, boa tarde, boa noite. Só queria saber de você!” Achei fofo! Ele mostrando interesse de verdade, não deixando com que a viagem esfriasse o clima de paquera iniciado no dia que nos conhecemos. A segunda luz vermelha acendeu e eu não vi. Ele não estava querendo manter nada quente, estava era querendo saber o que eu fazia. De uma maneira “fofa” ele controlava meus passos, sem eu perceber.

Enfim, ele voltou. Saímos. Acabamos ficando. Naquela noite, depois de ter fumado no início do encontro (afinal ele me conheceu fumando) e de beijá-lo, fui acender meu cigarro e ele pediu educadamente: Você pode não fumar, por favor? Ok, sem problemas, afinal de contas, ele não fumava! Isso passou de boa… até que um mês depois de começarmos namorar, ele começou a implicar com o meu cigarro de maneira feroz! “Seu carro cheira cigarro, não adianta mascar chiclete, nem sinto mais o cheiro do seu perfume. Odeio esse cheiro. Você tem que parar de fumar!”

De repente, ele começou a me dar roupas de presente. Nada do que eu teria no meu armário. Mais cumpridas, menos decotadas, menos salto, menos cores. Entendam, eu não era uma dita hoje “periguete”. Eu só estava no auge dos 20 e poucos anos, magra e feliz. E me vestia assim. E isso passou a ser motivo de briga constante. Assim como o comprimento das minhas roupas, minhas relações com os amigos (inclusive com os dois que estavam na noite que nos conhecemos). “Meu amor, fala mais baixo. Passa menos maquiagem. Você já tomou duas caipirinhas”. A luz vermelha nesta época não acendia, piscava incansavelmente.

Mas passei por uma situação familiar complicada, e foi na casa dele que encontrei refúgio para fugir de tudo aquilo. Mesmo com todas as luzes piscando, eu precisava de uma rota de fuga naquele momento e escolhi a pior delas.

Com o passar dos meses, reformamos o apartamento dele, com o meu dinheiro (detalhe), mas não conseguíamos nos entender. Eu não me sentia em casa e ele não fazia questão. Prova disso, era que eu estava lá diariamente e que não tinha a minha própria chave do apartamento. Tinha que deixá-la na portaria todo santo dia.

O ser doce e fofo que amava me ver falar começou a me interromper a cada frase nas rodas com os amigos ou mesmo numa conversa a dois. Inconformados de como eu era tratada e da minha submissão, meus amigos se afastaram de mim. Logo, éramos apenas eu, ele e os amigos dele. Chegou ao cúmulo dos pequenos cuidados virarem um controle absoluto. “Onde você está? Que horas você chega? Quem está com você? Deixa eu dar oi pra ela?” Sem perceber a manipulação, troquei o meu salão de beleza que frequentava há anos, por um em frente à casa dele, para assim não perdermos tempo, pois só tínhamos os finais de semana juntos de verdade, visto que ele trabalhava alguns dias da semana em outra cidade. Íamos aos restaurantes e de repente o cardápio não passava mais pela minha mão, porque ele sempre tinha uma sugestão que eu ia adorar.

Fui minguando. Ficando calada. Chorona. Medrosa. Sem brilho nos olhos. Nem de perto a moleca que era antes. Até que a prova de fogo chegou: fui promovida no trabalho e passei a ganhar mais do que ele. E isso o afetou de uma maneira sobrenatural. De repente, não podíamos mais viajar, mesmo que eu tivesse o dinheiro para arcar com os gastos. Não íamos a restaurantes ou passeios que eu queria, porque ele não conseguia pagar e não aceitava que eu pagasse.

O meu trabalho realmente começou a irritá-lo. Eu recebia muitas ligações noturnas e de final de semana, devido ao cargo que exercia na época. Ele xingava a ponto da pessoa do outro lado da linha ouvir, se constranger de desligar. Ele começou a ficar cada vez mais agressivo com as palavras e com as cobranças. Chegou ao ponto de eu não conseguir mais comer ou dormir. Ele deitava na nossa cama e eu esperava ele dormir, para ir a um pufe do lado da cama, ligar a TV no silencioso para não acordá-lo e varar a noite.

Até que um dia, numa das crises de raiva dele por conta de um telefonema num domingo à noite, ele quebrou a casa. Literalmente. Com um murro, fez um buraco na porta do nosso quarto. Espatifou meu telefone de trabalho no chão, quebrou louças. Outra noite no pufe, chorando baixo para ele não acordar.

No dia seguinte, uma grande amiga minha, viu no meu rosto o terror que eu estava e me perguntou o que tinha acontecido. Quando eu contei, ela que conhecia a criatura, pois frequentava nossa casa e se afastou, me disse com o maior amor do mundo: “Xu, você vai esperar o quê? Ele quebrar a sua cara? A gente vai hoje tirar suas roupas da casa dele, aproveitando que ele não está”. E assim fizemos. Expediente encerrado, fomos para a casa dele. E como uma fugitiva, enfiei todas as minhas roupas em sacos de sanito e saí de lá, deixando objetos de decoração e outras coisas minhas. Não queria levar nada que me lembrasse aquele lugar, apesar de ter escolhido e comprado muitas das coisas. Mesmo eu sabendo que era impossível ele aparecer, eu tremia inteira e chorava de pavor!

Liguei para os meus pais, expliquei a situação e disse que não iria para a casa deles para não causar problemas, pois duvidava que ele iria aceitar isso de boa. Essa minha amiga me abrigou com sua família. Foram anjos na minha vida. Mas ele realmente não aceitou. Ligava, me perseguia no trabalho, fazia “tocaia” nos meus pais ou no escritório. Até que um dia, passando qualquer limite do normal, ele ligou no meu trabalho e ameaçou meu funcionário. O nosso chefe ficou sabendo e chamou a Guarda Municipal. Com a possibilidade de uma denúncia formal, ele se “contentou” em ser escoltado para fora da cidade e não me procurou mais.

Passado um mês dessa confusão, voltei a morar com meus pais. Aos poucos, minha vida voltou aos eixos. Mas me doeu por muito tempo, as pessoas falando “ele era tão bonzinho, só um pouco ciumento”. As pessoas a nossa volta, muitas vezes “desculpam” certos comportamentos por causa de outras qualidades do abusador. E externam isso exatamente para quem sofreu, como que cobrando o porque a pessoa desistiu do relacionamento “só por isso”.

Demorei mais de dois anos e muitas sessões de terapia para voltar a me relacionar com alguém. Passados mais de 20 anos, às vezes ainda me pego desconfiando das pessoas e tentando identificar os tais sinais vermelhos. Dez anos depois de terminarmos nosso relacionamento, que creiam, durou cinco anos, encontrei o tal cidadão em um restaurante com a esposa grávida. Me arrepiei. Quando ele me cumprimentou, senti um arrepio. Era a primeira vez que o via desde que havia saído fugida da casa dele, com sacos de sanito nas costas.

As lições que aprendi com ele doeram e muito, mas me abriram os olhos. Se caí em outras relações abusivas e tóxicas? Sim. Mas consegui ver o sinal vermelho antes dele piscar. Vivendo e aprendendo!

Anônimo – Mulher, brasileira,  não quis ser identificada.

SOS – ligue 180

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Conselhos da Madame Zoraide – 31 – Queijo Suíço

Caros Consulentes

Volto aqui para falar sobre Relacionamentos Abusivos, posso dizer que as pessoas são como queijo, aquele queijo suíço, cheio de buracos.

Cada um, um queijo. Com buracos em lugares diferentes. Em busca de complementos, em busca de outros queijos que se encaixem e supram seus buracos. Mas todos são queijos e todos tem buracos.

A incompletude do queijo feita pelo buraco faz parte da vida e jamais será preenchida por outro queijo. Não insista. Não existe encaixe perfeito. Queijos buraquentos podem estar na mesma embalagem de outros queijos buraquentos, lado a lado, mas cada um incompleto. Porém, o incompleto é o completo, se bem compreendido.

Eu sei que você Consulente está aí inqueito, me perguntando, como será possível em algum momento o queijo se sentir completo, se não for com outro queijo?

Ah, Consulentes… vocês sempre me cansam… pensem. Quanto mais o tempo passa, os buracos diminuem, seja pelas dores de serem comidos, seja pela alegria que deram pelo prazer proporcionado… seja da forma que for, um dia o queijo será só um queijo sem buracos… mais conciso, inteiro e nesse dia se dará conta de que isso é ele. Entenderá que se gostar do seu sabor, será feliz e que a felicidade esta em si e não na busca absurda de ser completo completado por outro queijo.

Entendeu? Espero que sim, porque cansei de falar de queijos e agora vou para a maçã e nem adianta me perguntar o motivo, entendedores entenderão…. aguente sua curiosidade se ainda não é um deles.

Até a próxima.

Madame Zoraide – Bela Urbana, nascida no início da década de 80, vinda de Vênus. Começou  atendendo pelo telefone, atingiu o sucesso absoluto, mas foi reprimida por forças maiores, tempos depois começou a fazer mapas astrais e estudar signos e numerologias, sempre soube tudo do presente, do passado, do futuro e dos cantos de qualquer lugar. É irônica, é sabida e é loira. Seu slogan é: ” Madame Zoraide sabe tudo”. Atende pela sua página no facebook @madamezoraide. Se é um personagem? Só a criadora sabe .
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Quando a violência não é só física. Violência patrimonial e estelionato sentimental.

Desde a promulgação da notória lei Maria da Penha, acaloraram-se os debates acerca
do enfrentamento ao cônjuge agressor, sobretudo visando proteger a integridade física
da mulher que vem sendo vitimada, em face das agressões perpetradas por seu
parceiro.

É de bom alvitre dizer que a referida lei foi um verdadeiro avanço ao aspecto cultural
das relações familiares, no qual invocava-se o jargão, que dizia: “em briga de marido e
mulher, ninguém mete a colher”.

A frase acima não poderia estar mais equivocada. No entanto, perdurou e ecoou nos
lares brasileiros por muitas décadas, eis que o marido, chefe do lar, detinha todo o direito
de impor suas regras, ao seu bel prazer e ninguém, nem mesmo o Estado, deveria
intervir naquela relação familiar.

Hoje, a lei Maria da Penha se encontra consolidada e salva anualmente muitas vidas.
Além disso, desencadeou o debate nas formas de agressão sofridas pelas mulheres,
que não necessariamente, impliquem em contato físico entre vítima e agressor. Dentre
elas, destacam-se a violência patrimonial e o estelionato sentimental.

No primeiro deles, o agressor gera um prejuízo financeiro ou destruição de bens da
vítima. Nem sempre são bens de valor econômico elevado, mas geralmente bens de
valor sentimental, cuja memória afetiva remeta a pessoas ou situações vividas no
passado.

Os aparelhos celulares estão entre os objetos preferidos do agressor, pois ao danificálo, cria-se uma forma de impedir ou dificultar a comunicação da mulher com terceiros.

Repare que a intenção nem sempre é causar um prejuízo financeiro à vítima, mas sim
exercer um controle absoluto sobre sua vida e minar sua psiqué, limitando o acesso da
mulher à amigos e familiares, pois entende que a mulher deva dedicar-se
exclusivamente a ele.

Objetos lançados contra a parede ou pela janela buscam sinalizar à vítima de que
aquele agressor é senhor da situação. Quer indicar através do terror psicológico, quem
manda ali, na tentativa de impor à vítima devoção e obediência à sua autoridade. E se
não o faz, as agressões físicas se impõem, como uma forma de correção àquela mulher
cujo comportamento não o agrada.

O estelionato sentimental, por sua vez, possui uma característica inquestionável, qual
seja: O agressor seduz a vítima até ganhar sua plena confiança, para que dela possa
obter vantagens econômicas. O objetivo, neste caso, é meramente locupletar-se da
vítima, através da relação de confiança que fora estabelecida, para aplicar-lhe
verdadeiro golpe.

E acontece, pois a vítima encontra-se vulnerável a uma falsa percepção de realidade,
acreditando que haveria naquele relacionamento, um sentimento afetivo mútuo, quando
na verdade ele não é correspondido, o que é percebido tempos depois, quando é tarde
demais.

É importante destacar que quando lemos relacionamento, nem sempre estamos
adstritos àquela relação de namorados, companheiros, mas sim de forma mais ampla,
podendo inclusive ser uma relação consanguínea, onde o próprio laço familiar traga a
confiança que se esperava.

Em outras palavras, vai muito além do “golpe do tinder”, podendo, inclusive, ocorrer em
uma relação entre pais e filhos, como recentemente noticiado por uma jovem atriz, que
fora vitimada por seus próprios pais que administravam seus rendimentos e realizaram
repasses indevidos para contas pessoais e transferência de bens sem sua anuência, o
que a motivou a expor os fatos publicamente em veículos de comunicação.

Obviamente que em casos assim, não há sedução, pois já há uma proximidade natural
entre as partes, imposta pela ligação já existente entre eles. E com base no artigo 1.689,
II do Código Civil, os pais já administravam seus bens, em razão de sua menoridade.

É importante saber que no caso da atriz, é possível pedir aos pais, administradores do
patrimônio enquanto a filha era menor, a prestação de contas para que seja apurada a
lisura da administração e caso haja comprovação de desvios irregulares, pleitear
judicialmente o devido ressarcimento.

Ademais, o estelionato sentimental ou afetivo é considerado uma modalidade de
estelionato, tipificado no artigo 171 do Código Penal.

Em suma, em ambos os casos a vítima deve se atentar que o agressor, em regra, majora
o nível de violência de forma gradativa, começando com pequenos gestos que
fatalmente evoluirão para casos de alta gravidade.

É importante que ao primeiro sinal, a mulher procure um advogado especialista em
direito das famílias, para que esteja ciente de seus direitos e para buscar contornar a
situação com a máxima urgência.

Luis Felipe F. da Costa Neves – Advogado especialista em direito de família, coordenador da área de Família e sucessões do escritório Izique Chebabi Advogados Associados (www.chebabi.com),  carioca, botafoguense e apreciador de bons vinhos

 

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Agressões que ocultam segredos “tumulares”

O conheci numa reunião de trabalho. A bonita camisa, de manga comprida arregaçada, expunha sua virilidade masculina através da exposição daqueles punhos e mãos.

Trocas de olhares discretos e interesse mútuo o fizeram terminar um namoro de muitos anos e nos levou ao altar um ano depois, apesar de bem maduros.

Era o terceiro casamento dele, sem filhos, o que facilitava nossa relação.

Meses depois, em um desentendimento sem grande importância, ele revelou um ser irado, que eu desconhecia, gritando comigo, sem poupar os vizinhos.

Quando ‘a poeira assentou’, disse-lhe: “Eu nunca vivi situação semelhante e não a viverei. Se você não é capaz de se controlar, nosso romance termina aqui.”

Recado compreendido, ele passou a se controlar e não repetiu o espetáculo comigo, mas me era difícil ver seus tons agressivos e sórdidos com garçons, com o zelador e porteiros do prédio, com nossa auxiliar doméstica, com seus funcionários e outros.

Para amigos e familiares ele era tido como educado, gentil e muito sensível.

As agressões dele, comigo, eram outras. À cada saída de casa, ele fazia questão de testar sua virilidade, à minha frente. Trocava olhares com mulheres estranhas ou gracinhas com mulheres conhecidas, de amigas minhas a caixas de lojas e supermercados.

Eu passei a ver seus comportamentos agressivos e essas atitudes desprezíveis como expressão de sua frustração por suas dificuldades sexuais.

O recomendei a buscar um terapeuta especialista em sexualidade, cujo trabalho levou uns três anos.

Alguns anos se passaram e os problemas sexuais, de agressividade e de desrespeito continuavam vivos e fortes.

Num dado momento, uma atitude verbal e gesticular, muito agressiva, foi dirigida a mim e decidi pôr um fim àquele relacionamento, que me fazia mal e se mostrava sem conserto.

Um ano após o divórcio, ainda com grande parte dos pertences dele em casa, fui em busca de um documento e encontrei uma declaração de amor, de um amigo dele, que frequentava a nossa casa semanalmente, para ele.

Esta carta era antiga, o que indicava o tempo daquele relacionamento, e era a peça que faltava naquele enorme puzzle. Sua agressividade, dificuldades sexuais e outras atitudes disfuncionais, ganharam legitimidade, à partir daquela declaração de amor masculina, guardada cuidadosamente entre fotos e cartas significativas.

Mantive este fato comigo, pois sei que ele o pretende levá-lo para o túmulo, mas fui usada, tanto quanto sua atual mulher e todas as suas ex-esposas, que serviram de esconderijo para sua real identidade.

Muitos anos se passaram e eu ainda tento me recompor desse relacionamento abusivo, buscando compreender o porquê de incluí-lo no puzzle de minha vida.

Anônimo – Mulher, brasileira,  não quis ser identificada.

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As rédeas da minha vida de volta

Muitas pessoas me perguntam em silêncio como pude permanecer numa relação abusiva… Poucos realmente têm empatia pelo que passei e tentam se colocar em meu lugar…. alguns se voluntariam a psicólogos repletos de conselhos “certeiros”…. umas duas ou três tentam entender a fundo as situações pelas quais vivi… ninguém sabe na verdade o que eu senti ou sinto até hoje…. eu mesma procuro diariamente validar meu passado, entender, ressignificar dentro de mim pra então, seguir adiante…. absolutamente ninguém compreende as dores de se viver uma relação abusiva e a dificuldade que é sair dela, só eu e você, que eventualmente passou por isso também… No início tudo parece que vai passar, você se enche de esperança e coragem achando que pode mudar a pessoa que está com você… mas ninguém muda ninguém… as pessoas são o que são… o que muda é a nossa capacidade de enxergar… viver na pele o abuso é uma tortura sem data pra acabar… teve um momento em minha vida que não havia um dia que fosse em que eu não chorava… vivia triste, com medo e ainda assim me achava corajosa… não gostava de me colocar no papel de vítima, então de certa forma eu tentava “mascarar” as situações… eu mesma me enganava… tinha um véu em meus olhos e nada via além… perdi meu amor próprio, minha liberdade, meu direito de ir e vir… vivi presa numa vida, em ciclos eternos… e com isso a coragem vai sumindo, não tinha forças pra sair daquela relação… só sabia ter medo… e foi em um Natal, 25 de dezembro, que com a presença da minha mãe em casa, tive coragem para tomar as rédeas da minha vida de volta…. mas não pensem que foi fácil, não foi nada fácil… vivi dois anos de medos e perseguições de um homem que não aceitava o fim da relação… abri mão de bens materiais, eu achava que estaria “comprando” a minha paz, mas a paz não tem preço… então mudei… larguei emprego, casa, uma vida estável e vim para longe… perto da minha família, perto dos meus…. a cada página virada nessa minha história, sinto mais orgulho de mim… por quem eu fui, por que eu sou e principalmente, por quem estou me tornando…. estou me resgatando, pedaços meus espalhados com o passar do tempo… resgato o que eu era para construir quem eu sou… hoje sim, tenho as rédeas da minha vida em minhas mãos e não permito que ninguém tente tomá-la novamente de mim…

Carol Costa – Bela Urbana, mulher, mãe de dois meninos, bacharel em direito, apaixonada pela escrita, pela vida e movida por sonhos.
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Luz sobre as oprimidas

Desperta-me atenção tudo o que está por trás dos relacionamentos abusivos. A lista é certamente finita, mas penso que o tema daria um livro, tamanha a quantidade, diversidade e amplitude de detalhes sórdidos.

Ousaria dizer, antes mesmo de refletir, que tudo gira em torno de poder. Poder de status social, midiático, cultural, político, financeiro, de gênero sexual, de raça e cor, étnico e tantos outros, incluindo alguns fantasiosos.

Esse poder carrega uma mensagem subliminar: “Se sou ‘superior’, tenho ‘direitos’ sobre você, o que faz de você ‘meu súdito’, portanto ‘submeta-se’.”

Retomando o aspecto do poder, gostaria de jogar luz sobre a ausência dele, quando olhamos para a figura feminina, no processo de relacionamento abusivo. Esta é vítima, interesseira ou ‘vagabunda’, na conotação sexual, infelizmente, aos olhos da sociedade ainda “machista”.

Assisti ao documentário Johnny Depp X Amber Heard, na Netflix, e os absurdos do caso me deixaram enojada.

Não vou julgar, aqui, as partes e sequer emitir opinião sobre o veredicto ou sobre as agressões verbais ou físicas, do casal. Agora…, um homem famoso, bonito, com enorme fã clube, bilionário, de fama mundial (Johnny Depp) leva a júri sua ex-esposa, por difamá-lo.

A Corte ‘decide’ filmar todo o julgamento e colocá-lo, em tempo real, na internet.

O grande e maciço público fã de Johnny Depp é feminino, o que fez com que mulheres do mundo todo gritassem a seu favor, durante as audiências, à porta do fórum, em vídeos pelo tiktok e em diversas redes sociais, sem se importarem com as verdades e mentiras, do caso.

Em suma, o mundo feminino massivamente apoiou e favoreceu a opinião do júri popular, que defendeu Johnny Depp, contra uma mulher, apequenada por todo aquele “circo de poderosos”.

Posteriormente, levantou-se informações que ficaram protegidas no processo, pela juíza, consideradas como “irrelevantes” no caso, como o fato de ela ter sido agredida por ele, num vôo particular, cujo testemunha mentiu, jurando falso testemunho.

Causam-me estranheza todas as atitudes da juíza. Além da exposição “ao vivo”, ocultar diversas informações que colocaram a vítima no papel de mentirosa, favorecendo o agressor em todas as situações.

Gostaria de conseguir avaliar o efeito deletério de todo esse desastre público sobre os homens agressores e as mulheres por eles oprimidas. Qual foi a autorização subliminar que tantas mulheres, ao redor do mundo, deixaram aos opressores?

Fico imaginando quantas daquelas mulheres que apoiaram e gritaram a favor de “Depp”, não foram oprimidas e abusadas nos últimos 12 meses…

E a maior reflexão que fica, para nós, mulheres, é: Apontar o dedo para os opressores é o único e o primeiro caminho?

Será que não devemos começar por olhar para a nossa base familiar e nossa base de amor, como fazemos nossas escolhas e como agimos diante de atitudes indevidas? Olhar com carinho para a nossa força interior, nosso valor e para o prazer de uma relação equilibrada, para sairmos do papel de oprimidas?

Marisa da Camara – Bela Urbana, Administradora aposentada, que hoje atua em suas paixões: a escrita e a radiestesia. Crê nas energias da natureza e é amante da vida, dos seres humanos e ‘doidinha’ por seus 4 netos.
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Bem que se quis

No início dos anos 90 ele passou por mim. Era meio enigmático. Feio, sem nada que justificasse uma atração física. “Mas, quem irá dizer que existe razão nas coisas feitas pelo coração?”

Meses depois, nos reencontramos na contramão e a paixão explodiu.

Olhando agora, com distância e maturidade, não era para ter acontecido se tanto eu quanto ele soubéssemos respeitar nossas vulnerabilidades. Limites desconhecidos, tragédias anunciadas.

Ele era um cara mais velho, recém-formado, machista, inseguro e que pela primeira vez na vida tinha um salário digno que lhe proporcionava o contato com lugares e pessoas mais sofisticadas do que o habitual.

Eu, bem nova, carente, baixa autoestima, inexperiente, criada sob a crença das mulheres abnegadas, que não expressam descontentamento, nem interesse, mesmo em crise de dor.

Nossa primeira noite juntos foi num dia em que eu bebi até desacordar e quando acordei sabia que já não era a mesma, nem sei dizer o que senti.

Lembro de voltar a pé para minha casa, numa distância de uns dois quilômetros, com a sensação de que todos os maus julgamentos eram para mim.

Doeu muito, mas, ao mesmo tempo, me veio a satisfação ilusória de que talvez fosse o começo de uma relação que eu desejava tanto.

O namoro era escondido. Ele ia à minha casa e lá era o cara carinhoso, divertido e protetor que eu imaginava querer. Da porta para fora, ele me ignorava, ficava com outras na minha presença e adotava um comportamento que me fazia parecer louca.

Os nossos amigos eram comuns. Para eles, o nosso envolvimento era casual ou só existia na minha cabeça ou pior, só acontecia quando eu forçava a barra.

Eu me tornei a menina da janela, que esperava, esperava, esperava, para de vez em quando sorrir.

Cansada, pedi que ele tomasse uma decisão e foi então que ele se foi, sem caminhos para voltar. Eventualmente me ligava e se masturbava ao telefone. Me constrangia. Eu nunca contei para ninguém.

Foram meses de muito sofrimento e solidão. Eu definhei física e socialmente. Tive anorexia nervosa, não conseguia comer e, enquanto isso, os amigos se afastavam porque achavam o meu sofrimento exagerado.

Me humilhei algumas vezes na tentativa de reatar o que nasceu desatado, solto e incompatível.

Cheguei a pensar em desistir da vida. Por milésimos de segundos, mudei de ideia e fui lentamente, muito lentamente mesmo, me recuperando do luto de mim mesma.

Não foi o fim de um amor, foi a revelação de um caso de desamor que me marcou profunda e dolorosamente, afetando as minhas relações posteriores. Todas as relações: com minha família, com meus amigos, com namorados e, até hoje, 30 anos depois, casada e com filhos, sinto o peso dessa rejeição em meu coração.

Claro, tive tempo e terapia para ressignificar os abusos que me aconteceram. É como uma cicatriz que já não dói, pouco aparece, mas quando você olha sabe o tombo que a causou. É isso, uma cicatriz.

Sinceramente, não sei se ele sabe o mal que me causou. Na época era um comportamento muito comum entre os homens que precisavam se firmar como tais. A sensibilidade masculina era subjugada e a métrica da virilidade era a cafajestagem.

Hoje, se eu pudesse aconselhar a menina da janela, diria a ela para alimentar a coragem de dizer o que sente e não condicionar sua felicidade à chegada de alguém.

Porque para ser feliz depois de tudo eu descobri que amar-me é o meu superpoder!

Anônimo – Mulher, brasileira, mais de 50 ano, não quis ser identificada.

SOS – ligue 180

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Pessoas, instituições e mensagens abusivas

Temos cada vez mais discutido as relações abusivas sempre dentro das relações entre sujeitos da relação, tanto aspectos dos abusadores quanto das vítimas, um debate urgente e extremamente necessário. Nesse sentido, observamos, discutimos e disseminamos características que nos alertam sobre como identificar, evitar, combater e denunciar atitudes abusivas que aparecem no abusador, perpassam a relação, atingindo o abusado, provocando toda sorte de traumas, prejuízos e sofrimento.

A questão que coloco aqui é adicional a esse debate. Quando não há um sujeito no lugar do abusador, mas sim uma instituição ou mesmo uma mensagem abusiva, o que devemos fazer? A ideia aqui é pensar: quando essa entidade que abusa não é um indivíduo, como devemos proceder?
Podemos usar exemplo claro: O corpo de discussão em torno da violência domésticas moveu e move a sociedade a compreender os sinais precoces dessa ocorrência, ajudando pessoas a evitar situações e pessoas, a buscar ajuda e, em última instância, debater ferramentas sociais que possam tipificar criminalmente esse tipo de violência, coibindo e punindo os abusadores. Assim, surgiu, por exemplo, a lei Maria da Penha, que por sinal homenageia a cidadã que militou fortemente nesse debate, após ser vitimada por esse crime.

Mas quando o abusador não tem cara definida, perdemos o referencial e a potência dessas ferramentas sociais de informação e justiça. Quando instituições ou uma enxurrada de conteúdo informativo surge, congregando indivíduos com comportamentos abusivos validados por esses conteúdos e instituições, temos condição de punir pontualmente individuo por individuo ou devemos agir contra essas instituições e mensagens nefastas?

É importante aqui definir o que são mensagens e instituições: Mensagens são ideias traduzidas em discurso, em texto, voz, ações, imagens, vídeos e qualquer suporte que possam disseminar e defender um comportamento abusivo de forma impessoal. Mensagens são construídas por pessoas que, muitas vezes fazem parte de instituições organizadas. Já as instituições são grupos de pessoas que se organizam formalmente em torno de algum objetivo em comum e que, por algum interesse particular, disseminam e validam atitudes abusivas.

Instituições usam de mensagens para disseminar seus ideais, objetivos e ações numa relação umbilical e, por não serem sujeitos passiveis de punição direta pelo ato, podemos responsabilizar seus autores ou líderes, as mensagens e instituições ainda podem continuar agindo.

Um meme, um vídeo, uma montagem ou postagem podem conter uma mensagem abusiva. Um grupo político, religioso, de assistência social pode validar ações coletivas de caráter abusivo. Mesmo um arranjo familiar é uma instituição, onde mensagens podem circular com a validação moral necessária para abusos injustificados. Mensagens e instituições são complexas, podem ser ambíguas, confusas e contraditórias, mesmo que, em seu discurso e atuação, demonstrem coerência e até boas intenções.

O objetivo desse ensaio reflexivo é colaborar com o debate sobre relações abusivas, extrapolando a análise dos indivíduos que compõe a relação abusador-vítima, entendendo que também nos relacionamos com instituições, mensagens, ideias e outras entidades que não personificam da mesma forma as estruturas abusivas que formam nossa sociedade, merecendo atenções específicas, combates específicos e ferramentas de identificação e coerção desses abusos, buscando, um efetivo progresso que garanta uma evolução social para todos.

Crido Santos – Belo urbano, designer e professor. Acredita que o saber e o sorriso são como um mel mágico que se multiplica ao se dividir, que adoça os sentidos e a vida. Adora a liberdade, a amizade, a gentileza, as viagens, os sabores, a música e o novo. Autor do blog Os Piores Poemas do Mundo e co-autor do livro O Corrosivo Coletivo.
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Sobre Manu, vejam só.

Dia Internacional de combate à violência contra a mulher (que deveria ser todo dia!).
Alerta de possível gatilho gatilho. Aborda violência.
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“No Dia 8 de março de 1857, operárias de uma fábrica de tecidos, situada na cidade norte americana de Nova Iorque, fizeram uma grande greve. Ocuparam a fábrica e começaram a reivindicar melhores condições de trabalho, tais como redução na carga diária de trabalho para dez horas (as fábricas exigiam 16 horas de trabalho diário), equiparação de salários com os homens (as mulheres chegavam a receber até um terço do salário de um homem, para executar o mesmo tipo de trabalho) e tratamento digno dentro do ambiente de trabalho. A manifestação foi reprimida com total violência. As mulheres foram trancadas dentro da fábrica, que foi incendiada. Aproximadamente 130 tecelãs morreram carbonizadas, num ato totalmente desumano.”

Há quem diga ainda que se trata de lenda. Vou então dividir uma verossímil “historinha”:

Era uma vez uma Mulher, só mais uma entre tantas que tem por aí. Não fora carbonizada no referido incêndio que fez da cor lilás (a mesma do tecido que estava na linha de produção por ocasião da barbárie) o símbolo de uma luta sem fim. A luta por visibilidade livre de falsas validações. Vamos chamá-la de Manu.

Manu era assim, feita de paradoxos humanos. Feita de doçura e um tanto de fúria também, adicionado ao medo, que mesmo estando ali, não a impedia de avançar em seus sonhos. Manu gostava de Arte, Manu gostava de dançar, Manu gostava de pintar, bordar e comer mousse de chocolate. Manu gostava de trapezistas, sempre torcia para que asas brotassem no instante final. Gostava de leões e pequenos insetos, principalmente aqueles vermelhinhos com bolinhas pretas. Manu gostava de crianças e de contar histórias (para crianças e adultos). Manu sonhava de olhos abertos e por vezes vivia de olhos fechados quando o medo vinha lhe visitar… depois abria esses mesmos olhos e continuava a andar.

Um dia Manu resolveu ser mãe. Manu nunca trabalhara em uma fábrica. Minto: Trabalhara uma vez numa fabriqueta de pizzas onde a meta era congelar mil disquetes de mussarela por dia. Tinha como companhia seu constante Sonhar. Sonhava com família, mesa posta, janela em forma de arco, amor e comunhão. Sonhava em ser mãe. Era quase ingênua, afogada em um pueril romantismo.

Um dia, se descobriu grávida. Como grávida? Oras, como engravidam a maioria das mulheres… contou a novidade ao então “companheiro”.

“Manu, tem certeza de que quer ter esse filho?”
“Claro, querido.”
“Não vai ser fácil.”
“Não conto que seja fácil.”
“Ok”.

Esse “ok” lacônico foi o anúncio de tempos de guerra. Enquanto a barriga de Manu crescia, rumo ao nascimento de uma “Manu-mãe” e sua menina (havia uma garotinha dentro dela), seu companheiro enlouquecia. Parecia vibrar com a gravidez, mas não raro, era tomado de acessos de ódio.

“Manu, você não é a mãe certa pra um filho meu. Você sonha demais, Manu, o que você vai ensinar pra essa criança? Arte?”
“Vou ensiná-la a ser feliz”, respondia Manu entre enjoos, vômitos e sorrisos a cada pontapé da criança.
“Ok”.

O “companheiro” começou a enlouquecer mais. Primeiro, botou-a na rua com uma barriga de quase seis meses:

“Vá embora, Manu, senão te encho de porrada. Não estou preparado.”
“Estou grávida…”
“Problema seu”.

E lá se foi Manu, sem lar nem lastro, uma mochila nas costas e a certeza de que seu bebê veria a luz. Dormiu em bancos de postos de gasolina, tentou fugir para outro estado, voltou, dormiu sobre nacos de papelão e sob o frio de chuvas finas. E a barriga teimava em crescer, protegidas pelas mãos de uma Manu em constante estado de prece.

Um dia, o “companheiro”, movido pela vergonha(?), chamou-a de volta “pra casa”.

“Manu, aqui é seu lugar.”

A assustada Manu voltou.

“Manu”- ele começou -“agora que você vai ser mãe, tente ser mais discreta… mãe cuida de criança. Mãe não faz arte”.

Olívia nasceu. Dezoito horas depois de a bolsa estourar. Entre estagiários que dividiam uma pizza na sala do pré-parto, bem na Praça Mauá. Sem analgesia, veio alegria à vida de Manu.

Manu deu peito ainda na mesa de parto. Manu nasceu “Mãe” junto com sua menininha de olhos vivos e muita fome de leite. Olívia era sua Arte maior.

Manu espalhou arte por toda parte: Tons lilases, amarelos e rosas no quarto da menininha. Músicas de ninar em várias línguas de um cd encontrado no Centro: até em iídiche. Havia uma atmosfera de sonho na nova realidade.

Manu voltou a trabalhar aos nove meses de Olivia. Era cenógrafa. Quando não estocava o próprio leite, levava sua pequena para as coxias de teatro. Não tinha babá e queria ver a filha crescer sob seus olhos.

Um dia, chegou em casa e botou a pequena já adormecida no berço. Tomou de seu companheiro o primeiro grande tapa na cara: “Isso não é um jeito certo de ser mãe”.

Manu se recolheu ao quarto, onde trancou-se com a filha enquanto seu companheiro rumava porta a fora para tomar “uns tragos”. Era muito difícil ser pai…

Após sucessivos tapas na cara, Manu foi evitando o espelho. Deprimiu, parou de trabalhar, foi vista como inútil por parentes distantes.

“Meu projeto foi aprovado… aquele roteiro de cinema”… disse um dia Manu, Olívia já com um ano e meio.

A resposta veio em forma de soco. Depois vários, seguidos de chutes. Um dente a menos. Uma lesão no crânio feita a pontapé que não chegou a atingir a meninge. Cusparadas sobre todo o corpo. Ofensas rebuscadas, de “puta” à “louca”. Havia sangue em todo o assoalho. Uma vizinha entrou na sala que não estava trancada.

“Corre, Manu! Pra minha casa!”.

Manu pegou a chorosa Olívia e ganhou a rua. Teve medo de ir à polícia e nunca mais voltou. Demorou a voltar até para si mesma. Também nunca separou-se da filha. Era seu vínculo com a Vida. A Arte foi voltando aos poucos e a Coragem também. Conquistou uma casa com janela em forma de arco, que se não tinha príncipe, ao menos não era proibido sonhar. Por muito pouco, não fora carbonizada. E nunca mais se deixou “apanhar”.

Em um eventual encontro com seu ex-companheiro, não teve dúvidas ao ser ameaçada: polícia e medida protetiva. Não acabaria em brasa nem carvão. Tampouco seria reduzida à mais uma história silenciada em tantas paredes protegidas por hipocrisias. Agora, só lhe interessava Vida.

[Não é mais necessário o consentimento da vítima, muitas vezes paralisadas pelo medo, para denunciar todo tipo de violência contra a mulher. Silêncio pode matar. Denuncie: Disque 180. Quantas “Manus” existem por aí?]

Eu escrevi este texto há dez anos atrás. E hoje posso dizer que a Manu sou eu e potencialmente, qualquer uma de nós.

Claudia Tonelli . –  Bela Urbana, gosta de desenhar e escrever compulsivamente, contar boas histórias e maternar plantas e gatos, que a ajudam a lidar com o ninho vazio. Curte queijos: quanto mais “fedidos e mofados”, mais gostosos.
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Precisamos falar sobre relacionamentos abusivos sempre

Começamos hoje uma nova série aqui no Belas Urbanas, uma série que já foi feita, uma série que virou um livro, uma série que virou várias rodas de conversas e palestras, mas continuamos a precisar falar sempre sobre relacionamentos abusivos. Não é necessário dizer o motivo de continuarmos a falar, está nos noticiários diariamente o aumento das violências domésticas e de tantas outras.

Violências armadas, criminosas, feminicídios, estupros, assassinatos de crianças, casos de pedofilia… um show de horrores que, de tão frequentes e comuns, vão endurecendo corações e, por endurecem, sendo normalizados.

Como assim? Que sociedade é essa que se coloca de forma tão negligente contra essas agressões?

Com certeza, uma sociedade omissa, calada, apagada, onde as pessoas lutam pela sua sobrevivência diária e não sobra tempo e ânimo para mais nada. Sim, isso pode ser uma das respostas, mas não é só a única, é também a cultura do silêncio, do dito popular “em briga de marido e mulher não se mete a colher”.

Há algumas décadas, aqui no Brasil, fomos silenciados, por medo, por repressão, tempos de ditadura e isso foi calando as vozes, fomos emburrecendo como sociedade… porque conversa e debate geram crescimento, compreensão… ideias contrárias debatidas enriquecem as mentes para a abertura de novos caminhos e para consensos democráticos, mas, quando tudo isso vai ficando à margem, empobrecemos o todo, a sobrevivência e a força do egoísmo imperam.

O que é um abuso, afinal? São tantos e em tantos graus e esferas de relacionamentos que caberia em diversas séries fragmentadas. Por enquanto e agora, falaremos de várias, sem especificar somente uma única.

Sempre digo, saber é poder, poder para fazer boas escolhas, poder para se defender, poder para ser usado em prol de todos, e só quando esse todo estiver equilibrado é que as coisas serão diferentes e melhores. Pode ter certeza, é preciso um coletivo mais saudável, pacífico, aberto a diálogos, culturalmente próspero.

A série está sendo construída. Deixo o convite para quem quiser participar e escrever sua história. Deixo também o convite para empresas que queiram disseminar o conhecimento e levar esse tema para ser trabalhado ou mesmo para apoiar nosso projeto, podem entrar em contato comigo pelo e-mail: adriana@belasurbanas.com.br.

Termino com uma frase de John Lennon, mas mudei para o feminino. “Você pode dizer que sou uma sonhadora, mas eu não sou a única”.

Vem comigo, podemos plantar boas sementes.

Adriana Chebabi  – Bela Urbana, sócia-fundadora e editora-chefe do Belas Urbanas, desde 2014. Publicitária. Roteirista. Escritora. Curiosa por natureza.  Divide seu tempo entre seu trabalho de comunicação e mkt e as diversas funções que toda mulher contemporânea tem que conciliar, especialmente quando tem filhos. É do signo de Leão, ascendente em Virgem e no horóscopo chinês Macaco. Isso explica muita coisa.